Terminando o #52FilmsByWomen com Annemarie Jacir, Julia Murat, Dee Rees, Ana Katz

De março de 2017 até fevereiro de 2018, assisti a um filme dirigido por mulher toda semana para a campanha #52FilmsbyWomen, promovida pela Women in Film and Television e adotada pelo Mulher no Cinema. Todos os filmes selecionados foram longas, sendo sete documentários, uma animação e 44 ficções majoritariamente dramáticas (provavelmente Toni Erdmann foi o mais “comédia” da minha lista).

Começo a falar sobre essa experiência pelas dificuldades. A maior delas é a acessibilidade aos filmes. Tentei escolher alguns que estavam em cartaz, mas nem sempre temos estreias de filmes dirigidos apenas por mulheres. Também é muito difícil achar filmes (clássicos ou lançamentos) nas plataformas digitais ou até mesmo em eventos, como festivais e mostras de cinema. Qual foi a última retrospectiva de uma diretora à qual você lembra de ter ido? Quando conseguimos acessar um filme dirigido por mulher, a cineasta normalmente é europeia ou norte-americana, branca, classe média alta, com família na área cinematográfica. Foi complicado encontrar filmes de diretoras negras, por exemplo, para colocar na lista. Graças ao Netflix consegui ver Julie Dash, Ava DuVernay, e Gina Prince-Bythewood, mas e as diretoras africanas e as brasileiras? E as diretoras trans? Conheci a Sydney Freeland por causa do original da Netflix Deidra e Laney, mas há muitas outras por aí.

Tentei escolher mulheres de nacionalidades totalmente diferentes – no entanto, como faz para achar filmes da Ásia e da África? Amo cineastas francesas, inglesas, canadenses, mas quero ver mais da América Latina. Foi preciso surgir a Descoloniza Filmes para um longa da argentina Ana Katz chegar ao Brasil. Por conta dos vários acontecimentos de 2017, torço para que as histórias de mulheres fiquem mais acessíveis no cinema. Creio que quanto mais dermos audiência para essas diretoras normalmente ignoradas, mais os seus filmes ficarão disponíveis.

Fora esse desabafo, o fato de ter visto filmes de mulheres todas as semanas trouxe-me ótimas reflexões. Do tipo: por que importa ver cada vez mais ver filmes feitos por mulheres e, ao mesmo tempo, analisar como eles constroem as personagens femininas? O que essas histórias representam? Como esses filmes podem alcançar um público acostumado com a mulher retratada pelo olhar masculino? São algumas questões que eu proponho para quem for aderir à campanha #52FilmsByWomen a partir de agora. Vamos aprender ao máximo com os trabalhos dessas cineastas.


Estes foram os filmes vistos em fevereiro para finalizar a campanha #52FilmsByWomen:

Quando Vi Você (2012), da palestina Annemarie Jacir – Este é o segundo longa dela (o primeiro foi o ótimo Salt of this sea, de 2008). Ambientado em 1967, mostra a relação de mãe e filho que são mandados para um acampamento de refugiados na fronteira da Palestina com a Jordânia e separados do marido/pai. O menino Tarek, de 11 anos, não se adapta ao lugar e é a sua coragem que conduzirá o filme. É incrível como os filmes que mais têm me fascinado ultimamente são protagonizados por crianças. Ao lado da atriz Ruba Blal (Tempestade de Areia), o garoto Mahmoud Asfa torna a história cativante.


Pendular (2017), da brasileira Julia Murat – Um casal decide dividir um galpão ao meio, com apenas uma fita adesiva marcando a fronteira. De um lado, ela tem o seu estúdio de dança e, do outro, ele tem o seu ateliê de escultura. A ideia é que o trabalho de ambos têm o mesmo valor até que ele pede para que ela ceda um pouco de seu espaço. Ela cede. A partir daí vários problemas surgem no relacionamento, pois eles também moram no galpão.

Em entrevista ao Mulher no Cinema, Julia, que é filha da cineasta Lucia Murat, disse ter se inspirado na obra The Other: Rest Energy dos artistas Marina Abramovic e Ulay, seu então companheiro. De fato, o galpão faz o papel do arco e da flecha no filme. No entanto, não há o equilíbrio necessário e ambos se ferem.


Mudbound: Lágrimas sobre o Mississippi (2017), da norte-americana Dee Rees – A cineasta negra escolheu adaptar um livro de uma escritora branca, Hillary Jordan, sobre duas famílias, uma branca e uma negra, que vivem na mesma fazenda americana na década de 1940, e ambas com um filho enviado à guerra. Cada personagem principal narra um pouco de sua história, sendo a maior parte narrada pelos brancos. Ainda assim, Mary J. Blige se destaca maravilhosamente. É incrível como o retrato da violência contra os negros no sul dos EUA logo remete à atualidade e como a história pode até ir mudando aos poucos, mas a luta pelos direitos civis sempre existirá.


Minha Amiga do Parque (2015), da argentina Ana Katz – Posso dizer que esse foi um dos meus filmes favoritos de toda a campanha. Eu gosto muito de como o cinema argentino consegue ser simples e, ao mesmo tempo, complexo. Mas essa foi a primeira vez que vi um filme tratar a maternidade deste modo, com duas mulheres que se tornam amigas por estarem com suas crianças no parque. Além desse fato, elas não têm muita coisa em comum por serem de classes sociais diferentes.

E é isso que a própria diretora, que também atua no filme, disse ao Mulher no Cinema: “Maternidade pode se ligar à aventura”. Deprimida por estar sozinha com o recém-nascido enquanto o marido viaja a trabalho, a personagem Liz (Julieta Zylberberg) encontra em Rosa (Ana Katz) um escape da rotina de mãe. No entanto, essa amizade envolverá desconfiança por conta da diferença social e, a partir daí, o filme mergulha num suspense psicológico muito bem filmado e escrito.

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Mais #52FilmsByWomen:
+ Janeiro: 
Mania Akbari, Haifaa Al Mansour, Mijke de Jong, So Yong Kim, Lone Scherfig
+ Dezembro: 
Djamila Sahraoui, Deepa Mehta, Alice Rohrwacher, Athina Rachel Tsangari
+ Novembro: 
Naomi Foner, Lisa Langseth, Patricia Rozema, Signe Baumane
+ Outubro: 
Niki Caro, Isabel Coixet, Eliane Caffé, Cate Shortland, Andrea Arnold
+ Setembro: 
Ana Maria Hermida, Claudia Pinto Emperador, Lucy Mulloy, Hagar Ben-Asher
+ Agosto: 
Sydney Freeland, Shefali Bhushan, Elite Zexer, Leyla Bouzid
+ Julho: 
Julie Dash, Amma Asante, Gina Prince-Bythewood, Ava DuVernay, Mati Diop
+ Junho: 
Marcia Tambutti Allende, Taryn Brumfitt, Anita Leandro, Mary Mazzio
+ Maio: 
Teresa Villaverde, Anocha Suwichakornpong, Moufida Tlatli, Mia Hansen-Løve e Joanna Coates
+ Abril:
 Ildiko Enyedu, Paz Fábrega, Paula Sacchetta e Khadija al-Salami
+ Março: Salomé Lamas, Maren Ade, Marília Rocha e Valérie Donzelli


* Letícia Mendes é jornalista e aceitou nosso convite para aderir à campanha #52FilmsByWomen. Ela assistiu a um filme dirigido por mulher toda semana durante um ano e dividiu a experiência com a gente. Os títulos são revelados sempre às segundas-feiras no FacebookTwitter e Instagram. Clique aqui para saber mais.

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