Maio foi um mês imenso, que só acabou agora, quando o Festival de Cannes enfim concedeu o prêmio de direção a uma mulher, após 56 anos: Sofia Coppola ganhou por O Estranho que Nós Amamos, um dos filmes que mais quero ver nesse ano. Maio também foi o mês em que adicionamos cinco filmes feitos por diretoras à campanha #52FilmsByWomen.
O primeiro visto foi Os Mutantes (1998), da portuguesa Teresa Villaverde. Por que escolhi ver um filme que completará 20 anos no ano que vem e é um marco da história do cinema português (tipo um Cidade de Deus)? Porque a Teresa Villaverde é uma cineasta super ativa, que precisamos conhecer urgentemente. Ela fez filmes como Três Irmãos (1994), Transe (2006), Cisne (2011), e seu mais recente, Colo, passou no último Festival de Berlim e estreou no IndieLisboa no início de maio.
Os Mutantes marca a estreia da atriz Ana Moreira (Tabu) no cinema. Ela tinha 18 anos quando conseguiu o papel de protagonista neste drama sobre adolescentes pobres e marginalizados em Lisboa. Eles fogem dos centros sociais para sentirem uma liberdade de viver como bem desejarem nas ruas. Ana Moreira é Andreia, uma garota abandonada pela mãe, que engravida de um namorado que não sabe nem mais onde encontrar. Uma das cenas mais fortes do filme é quando ela dá à luz no banheiro de um posto de gasolina. Fiquei com essa cena e essa personagem na cabeça por dias.
Quando se fala em cinema tailandês, acho que o único diretor do qual nos lembramos é o Apichatpong Weerasethakul. Agora vou dar o nome de uma diretora para você também fazer o famoso “citar para impressionar”: Anocha Suwichakornpong. E olhem lá, a Anocha vem ao Brasil em junho.
Assisti ao História Mundana (2009), premiado no Festival de Roterdã, que acompanha o enfermeiro de um garoto de família rica que ficou tetraplégico. A relação entre os dois é muito interessante, principalmente o modo como vão ficando confidentes e trocando relatos íntimos. Há muitas cenas silenciosas, reflexivas, muito banho de chuva para refrescar a alma, que me deixaram intrigada: será que os tailandeses lidam com as situações desse jeito ou é apenas um “filme-poesia”?
Aí vi Os Silêncios do Palácio (1994) e fiquei alucinada. Esse filme foi feito pela tunisiana Moufida Tlatli, que dizem ser a primeira mulher a dirigir um longa no mundo árabe. E é daqueles que deveriam fazer parte do currículo escolar, sabem?
A trama se passa no início dos anos 1950, quando a Tunísia passou pela revolução que levou à independência da França. Porém, o cenário político/histórico é apenas um pano de fundo para a história da cantora Alia, filha bastarda de uma mulher escravizada, Khedija, com um príncipe. É um filme completamente feminista, que aborda uma série de questões que atingem as mulheres, entre elas opressão, violência sexual, aborto, adolescência, pedofilia, amizade, sororidade…
Alia observa todo o sofrimento que a mãe guarda por ser escrava dos senhores do palácio, e ter de dançar para eles e ser abusada por eles. A cena mais marcante para mim foi a de Khedija dizendo que odeia seu corpo. A beleza do filme é que desse silêncio se desenvolve uma relação com a música. A voz de Alia é meio que personagem do filme também: não tem como não ficar com as músicas cantadas por ela ressoando no pensamento. É uma obra-prima cinematográfica.
Mudando totalmente de realidade, escolhi ver O Que Está Por Vir (2016), filme francês em que Isabelle Huppert é uma professora de filosofia posta na situação de refletir sobre passagem do tempo. Passei a me interessar pela diretora Mia Hansen-Løve depois de ver Um Amor de Juventude em 2011. E O Que Está Por Vir, premiado em Berlim, entrou para a lista daqueles que terei de rever daqui a uns anos.
Isso porque a diretora aborda principalmente a questão da obsolescência, ou quando algo deixa de ser útil. É uma coisa que ouvimos muito de nossos avós, mas acredito que esse tema vai estar entre nós a vida toda, aos 30, aos 45, aos 70 anos… Sempre teremos essa sensação de que algo já perdeu a graça, de que estávamos ali pelo hábito mesmo e de que muitas vezes paramos de lutar por coisas que eram essenciais no princípio. Enfim, Isabelle Huppert está maravilhosa e me envolvi demais com ela – ao ponto de terminar o filme chorando.
Amorous (ou Hide and Seek, de 2014) – não sei bem qual título usam oficialmente para esse filme – estava em uma lista que encontrei com nomes de diretoras que são revelação e que precisamos acompanhar. No caso, a britânica Joanna Coates.
É um filme que, sinceramente, não vai fazer um impacto tão grande nas nossas vidas, mas mostra quatro jovens que se retiram em uma casa de campo para buscar algo que os faça felizes de algum modo. E esse modo é basicamente os quatro alternando-se nas relações sexuais, ou os quatro transando ao mesmo tempo, o que me fez pensar se seria um filme sobre poligamia. A verdade é que os personagens são bem infantis e pouco desenvolvidos pelo roteiro. Quando o filme termina, tive a sensação de que nem havia começado. É uma pena porque os atores são realmente bons.
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Mais #52FilmsByWomen:
+ Abril: Ildiko Enyedu, Paz Fábrega, Paula Sacchetta e Khadija al-Salami
+ Março: Salomé Lamas, Maren Ade, Marília Rocha e Valérie Donzelli
* Letícia Mendes é jornalista e aceitou nosso convite para aderir à campanha #52FilmsByWomen. Ela vai assistir a um filme dirigido por mulher toda semana durante um ano e dividir a experiência com a gente. Os títulos são revelados sempre às segundas-feiras no Facebook, Twitter e Instagram. Clique aqui para saber mais.