Oscar premia recorde de mulheres, mas é cedo para falar em mudança

Comecemos pelas boas notícias: quinze mulheres foram premiadas no Oscar 2019, realizado neste domingo (24), um recorde em toda a história da premiação e mais do que o dobro do número de ganhadoras do ano passado. Também foi recorde o número de artistas negros (sete) e de mulheres negras (três) premiados, e ao contrário dos dois anos anteriores, nos quais nenhum filme dirigido por mulher ganhou qualquer estatueta, desta vez três produções com direção feminina levaram o troféu para casa.

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A cerimônia começou tão boa para as mulheres que parecia não se tratar do Oscar e sim do Independent Spirit Awards, realizado na noite anterior. Bastou que a Academia entregasse as primeiras cinco estatuetas para que o número de profissionais femininas premiadas superasse o do ano passado (a pior edição para as mulheres desde 2012, com apenas seis vencedoras) e três mulheres negras foram premiadas quase em sequência.

Primeiro, Regina King confirmou seu favoritismo e recebeu o prêmio de atriz coadjuvante por Se a Rua Beale Falasse. Depois, Ruth E. Carter, que em 1993 fora a primeira mulher negra indicada ao Oscar de figurino, subiu ao palco para tornar-se também a primeira vencedora, agora por Pantera Negra. Por fim, sua colega de filme, Hannah Beachler, que já chegara à premiação como a primeira mulher negra indicada a design de produção, também fez história ao vencer. Para ter uma dimensão do que esses prêmios significam, considere que antes de Ruth E. Carter e Hannah Beachler, só uma mulher negra havia levado o Oscar em categorias diferentes das de atuação: Irene Cara, vencedora de canção original por “What a Feeling”, em 1983.

O Oscar 2019 teve outras vitórias importantes. Codirigido por Elizabeth Chai Vasarhelyi, Free Solo foi eleito melhor documentário – uma categoria na qual todos os cinco indicados tinham ao menos uma mulher na produção. Domee Shi, a primeira mulher a dirigir um curta da Pixar, mostrou que oportunidade é tudo e levou o prêmio de curta de animação por Bao. Já o troféu de curta de documentário foi para Absorvendo o Tabu, de Rayka Zehtabchi, que comentou: “Não acredito que um filme sobre menstruação ganhou o Oscar”.

A equipe de “Absorvendo o Tabu” no Oscar – Foto: Aaron Poole / ©A.M.P.A.S.

De fato, parecia inacreditável – até que as coisas foram ficando mais familiares. Salvo a inesperada (e bem-vinda) vitória de Olivia Colman como melhor atriz por A Favorita, a hora final do Oscar, centrada nas categorias principais, foi sem surpresas e  marcada pela habitual exclusão das mulheres. Sem profissionais femininas indicadas a melhor filme e direção, a expectativa era por uma eventual vitória nas categorias de roteiro adaptado ou original. No entanto, Poderia me Perdoar?, co-escrito por Nicole Holofcener, perdeu para Infiltrados na Klan, enquanto A Favorita, co-escrito por Deborah Davis, perdeu para Green Book – O Guia.

Foi o prenúncio do anti-clímax. Problemático em sua abordagem do racismo e infinitamente inferior a Roma e A Favorita, Green Book ganhou o troféu de melhor filme e escancarou as contradições do Oscar: em uma noite de recordes para mulheres e negros, a estatueta mais importante foi para homens brancos que produziram e dirigiram um controverso filme sobre preconceito racial.

O balde de água fria serviu para lembrar que o Oscar, assim como Hollywood, estão diretamente ligados à máquina de relações públicas do cinema comercial americano, que tenta embalar toda discussão complexa e difícil em um pacote simplista e vendável. A Academia e a indústria estão sendo levados a debater sobre temas como racismo e desigualdade de gênero, mas isso não significa que, de forma geral, estejam dispostos a encarar os problemas de frente e com o grau de investimento que uma mudança profunda requer.

No caso das mulheres, um recorde de vitórias não é necessariamente sinônimo de mudança. As profissionais continuaram excluídas de categorias cruciais do cinema – além de filme e direção, também montagem e direção de fotografia – e premiadas principalmente em categorias onde já têm uma presença mais ampla: figurino, design de produção, cabelo e maquiagem, curta-metragem e documentário. Dentro do maior prêmio do cinema comercial americano, coube reconhecer as mulheres justamente pelos formatos menos comerciais, num reflexo de que os grandes lançamentos e orçamentos continuam majoritariamente masculinos.

Há que se considerar, também, que o avanço no Oscar é raramente contínuo. Nove anos se passaram desde que Kathryn Bigelow tornou-se a primeira mulher a ganhar o prêmio de direção e dezessete desde que Halle Berry tornou-se a primeira mulher negra a vencer como melhor atriz – mas nos dois casos, nenhuma outra artista se juntou a elas. O Oscar segue refletindo o cenário maior de Hollywood: se são poucas as oportunidades para mulheres nos filmes produzidos, serão poucas as oportunidades para mulheres nos prêmios.

Não é que não possamos comemorar as boas notícias do Oscar, mas a cerimônia me lembrou de um texto da crítica Manohla Dargis, publicado no New York Times em 2016. “Quero celebrar os triunfos reais e frutos de trabalho duro de alguém como Ava DuVernay”, escreveu. “Ao mesmo tempo, essas conquistas não devem ser vistas como se valessem para todas as mulheres diretoras, em especial às que integram minorias. Na verdade, a indústria precisa destes indivíduos excepcionais para que ajudem a mostrar o quão ruim é a situação.”

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Luísa Pécora é jornalista, editora e criadora do Mulher no Cinema 

Fotos do topo: Mike Baker / ©A.M.P.A.S.

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