Diretoras brasileiras respondem: qual o melhor filme dirigido por mulher do ano?

Quais os melhores filmes de 2018 de acordo com quem faz cinema? Pelo terceiro ano consecutivo, o Mulher no Cinema publica uma lista muito especial: nela, os destaques do ano que termina são escolhidos não pelos críticos ou pelo público, mas por diretoras brasileiras.

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A reportagem conversou com cineastas que lançaram longas-metragens este ano e perguntou: qual foi o melhor filme dirigido por mulher de 2018? Por quê? Elas puderam escolher qualquer título, nacional ou estrangeiro, desde que tivesse sido lançado nos cinemas brasileiros desde janeiro – além da direção feminina, claro.

No total, 16 filmes foram citados, sendo que sete deles foram lembrados mais de uma vez. Confira:

Alice Gomes, diretora de A Última Abolição
“Um dos filmes que mais mexeu comigo foi Café com Canela, de Glenda Nicácio e Ary Rosa. Apesar de ser um filme denso, sobre a dor da perda, saí do cinema inspirada, instigada, positiva. O filme tem representatividade raramente vista, verdadeira até o último fotograma. Fala da cultura negra, suas heranças e nuances no cotidiano de seus personagens e em tudo que respira, de forma genuína e amorosa. Além disso, traz um frescor na linguagem e na forma de produzir, uma estética sofisticada em uma produção extremamente acessível.”

Amanda Kamancheck, diretora de Chega de Fiu Fiu
O Desmonte do Monte, de Sinai Sganzerla, me tocou muito. O filme fala de tema que me interessa: como vivemos, como são construídas memórias e afetos nas cidades. A forma como ela trabalha materiais de arquivo (fotos, ilustrações, gravuras e pinturas) é brilhante. A história trata do Morro do Castelo, acidente geográfico onde foi fundada a cidade do Rio de Janeiro no século 16. O filme versa sobre as tentativas de desocupação do morro, banindo de lá populações indígenas, com o intuito de construir a capital federal nos moldes franceses e portugueses. Trata da especulação imobiliária, no passado e no presente, que causa a destruição de patrimônios e culturas, num paralelo entre a antiga política colonial e a atual política republicana.”

Angela Zoé, diretora de Henfil
“Como cinebiógrafa, tudo que é humano me seduz. Por isso, elejo Piripkura, de Mariana Oliva, Renata Terra e Bruno Jorge, exatamente por ter transpassado a barreira do humano. É um filme sobre três almas que se encontram, sem intenção estética ou dispositivos. Um filme limpo e intensamente profundo, ainda mais porque tudo se passa no mesmo território em que habitamos. Tamandua e Pakyî são para sentir.”

Camila de Moraes, diretora de O Caso do Homem Errado
Café com Canela é um filme para ser destacado para a eternidade. Por diversos motivos, o longa entra para história do cinema brasileiro. Com direção de Glenda Nicácio e Ary Rosa, temos uma produção de representatividade. Com um elenco predominantemente negro, filmado no Recôncavo Baiano, com um cenário de estéticas da negritude e referências às religiões de matrizes africanas, nos é apresentado o cotidiano de uma comunidade, lutas diárias de sobrevivência, afeto e amizades, no qual percebemos a força das mulheres que conduzem esta história. Tantas Margaridas e Violetas existentes no Brasil são representadas na tela grande com toda a dignidade que merecemos – nós, pessoas negras. Em busca de outras narrativas, Café com Canela tem quebrado barreiras históricas e feito muito sucesso por festivais, mostras e circuito comercial por onde passa. A produção é o primeiro longa nacional de ficção com uma mulher negra na direção a entrar em cartaz após 34 anos – desde a estreia de Amor Maldito, de Adelia Sampaio, em 1984. Essa simbologia toda nos revela o país em que vivemos e a busca por conhecer outras histórias, ver outros cenários. Isto contagia o público, essa representatividade é extremamente importante. Margarida, que mora em São Félix, isolada pela dor da perda do filho, e Violeta, que mora em Cachoeira, vivem a mais bela história de reconstrução. Percebemos o poder da amizade, da cura e a força feminina que existe em cada uma de nós. Por tudo isto e muito mais, Café com Canela é um filme afirmativo e para a eternidade que todo cidadão brasileiro precisa ter acesso.”

Caroline Leone, diretora de Pela Janela
“Meu voto vai para Baronesa, dirigido por Juliana Antunes. O filme, que é um híbrido de documentário e ficção, é poesia dura e pura, além de ter o frescor de uma produção feita na raça, com a força do olhar da Juliana. Outro filme que considero excepcional é O Animal Cordial, dirigido por Gabriela Amaral Almeida, um filme de gênero que usa de maneira brilhante as artimanhas do estilo pra trazer à tona nossas entranhas sociais. Gabriela é a grande força bruta do nosso novo cinema.”

Celia Catunda, diretora de Peixonauta – O Filme
“O filme do qual mais gostei foi Lady Bird, de Greta Gerwig, pela protagonista forte, verdadeira e bem-humorada e por mostrar com tanta sensibilidade a complexidade da relação mãe e filha.”

Elizabete Martins Campos, diretora de My Name Is Now, Elza Soares
“Com direção de Dee Rees, Mudbound: Lágrimas Sobre o Mississipi abrange temas pontuais, necessários ontem e hoje de serem retratados, incluindo o racismo, o lugar de inferioridade da mulher na sociedade, as marcas de uma guerra, avanço de seitas reacionárias e extremistas, como a Ku Klux Klan, violência contra pobres e a justiça. Impactante, a história se passa no sul dos Estados Unidos pós-segunda guerra.”

Fernanda Frazão, diretora de Chega de Fiu Fiu
Baronesa, de Juliana Antunes, é corajoso. Tudo que serve à verdade na tela inquieta. A habilidade de registro da vida dessas mulheres nos conduz em temas e diálogos difíceis, como num longo plano em que vemos uma criança sozinha na porta da frente enquanto ouvimos, do lado de dentro da casa,  Leid e Andreia falarem cruamente sobre a naturalização de violência sexual. Gosto quando o cinema independente se arrisca. A entrega corajosa da equipe ao fazer artístico é potente e desafia a própria indústria em questões de gênero, raça e classe: quem faz filmes no Brasil? Um filme como este não é só o que vemos na tela, é também o que ficou de fora.”

Fernanda Pessoa, diretora de Histórias que Nosso Cinema (não) Contava
“O ano de 2018 teve muitos filmes potentes dirigidos por mulheres, no Brasil e internacionalmente. Entre os muitos filmes que me tocaram esse ano, gostaria de destacar O Pacto de Adriana, de Lissette Orozco, pela coragem da diretora em lidar com sua história pessoal e familiar para ajudar a entender os traumas da história coletiva do Chile. Gosto muito da forma como o filme é conduzido e da postura ética da diretora, algo muito difícil nesse tipo de documentário. De modo geral, gosto e acho importante a forma como o cinema chileno lida com seu difícil passado recente e acho que o Brasil precisa de mais filmes (e livros, aulas, conversas, etc) sobre a Ditadura Militar que aconteceu em nosso país.”

Gabriela Amaral Almeida, diretora de O Animal Cordial
“O meu favorito é Você Nunca Esteve Realmente Aqui, dirigido por Lynne Ramsay. Um filme sobre a sobrevivência do afeto num mundo brutalizado, Você Nunca Esteve Realmente Aqui é belamente orquestrado e, acho, subestimado por ser dirigido por uma mulher.”

Gabriela Greeb, diretora de Hilda Hilst Pede Contato
“O filme do ano, para mim, foi Zama, de Lucrecia Martel. Através da hipnotizante fotografia de Rui Poças somos levados por um labirinto narrativo até perdermos todas as certezas, e colados à pele do personagem principal. Imersos num caudaloso fluxo de acontecimentos, percebemos que tudo o que temos é, finalmente, um corpo. Ou o que resta dele. O filme continua em nós depois da sessão, e até hoje, com sua frase-chave reverberando no pensamento: ‘Quieres vivir?'”

Helena Ignez, diretora de A Moça do Calendário
“Minha escolha de O Desmonte do Monte, com roteiro e direção de Sinai Sganzerla, vem do impacto que o filme me causou quando o assisti. Mesmo tendo narrado a ‘Baía de Guanabara’, não tinha visto as imagens do filme, nem sua trilha. O impacto que O Desmonte do Monte me causou foi pela beleza de suas imagens, profundidade crítica do roteiro com clareza didática e uma extraordinária seleção musical da qual Sinai também participa. O desmonte do Monte Castelo é também uma metáfora do comportamento da elite do atraso que não hesita em desmontar tudo que interfira nos seus interesses financeiros. No final do filme, fica uma sensação dolorosa que há cinco séculos o poder não muda neste Brasil, o último país do mundo a abolir a escravidão.”

Jorane Castro, diretora de Para Ter Onde Ir
Café com Canela, de Glenda Nicácio e Ary Rosa, é um filme surpreendente por nos levar para um universo onde os elementos transformadores são o amor e a poesia. É leve e alegre como os passeios de bicicleta de Violeta pelas ruas de Cachoeira. Um filme encantador, que gostaria que fosse visto por muitos brasileiros.”

Luiza Villaça, diretora de Pagliacci
“Escolho Bergman 100 anos, de Jane Magnusson, por ter alimentado lindamente meu fascínio pela verdade, pelo ser humano, e por esse gênero relevador e expansor que é o documentário. Mergulhar, durante duas horas, em parte do que foi aquele gênio do cinema, no homem e no artista, me fez sair da sala escura sem ser capaz de voltar pra esse mundo sem ser Bergman meu único pensamento. Tentar decifrar de onde nasce aquele cinema que nos invade tanto, com tanta coragem e ousadia, pelas evidências de sua intensidade, inquietação, angústia, medo da morte, fome de amar (um amor sempre instável), luz e sombra. A fúria por uma expressão da alma, visceral, explica a produção massiva – que nunca comprometeu nem minimamente sua excelência. Bergman viveu para colocar em película toda sua humanidade, com tudo que ser um homem pode ter.”

Lulu Corrêa, diretora de Carvana: Como se Faz um Malandro
“Entre os meus preferidos deste ano está Praça Paris, dirigido por Lucia Murat. A cineasta tem o olhar sensível e apurado para expor nosso cotidiano perverso em toda a sua complexidade. Ela sabe das coisas. É um filme forte, com alma e uma belíssima direção.”

Mariana Bastos, diretora de Alguma Coisa Assim
“Minha escolha é As Boas Maneiras, de Juliana Rojas e Marco Dutra. Uma mistura surpreendente de gêneros que explora temas de relevância social, sem deixar de lado a experiência mágica do cinema de entretenimento. Através do mergulho num universo onde fantasia e realidade andam juntos, o filme atesta o potencial criativo e ousado do novo cinema brasileiro.”

Mariana Pamplona, diretora de Em um Mundo Interior
“O filme escolhido foi As Boas Maneiras, dirigido por Juliana Rojas e Marco Dutra. Como fã de filmes de terror achei esse longa muito criativo, em diversos aspectos. E a mistura com números musicais foi ousada e caiu muito bem! Viva o nosso cinema brasileiro!”

Marília Hughes, diretora de A Cidade do Futuro
“Minha escolha é Piripkura, de Mariana Oliva, Renata Terra e Bruno Jorge, um filme que me emocionou muito. O longa nos apresenta Jair Candor, servidor da FUNAI responsável por acompanhar dois índios do povo nômade Pirikpura. Jair precisa encontrá-los a fim de  garantir que a área onde eles vivem continue sob proteção. O filme nos insere numa busca de anos, nos aproxima do cotidiano de Jair, da maneira íntegra, persistente e sem vaidade com que ele se lança a sua missão. Uma persistência compartilhada pelos documentaristas ao acompanhar cada uma daquelas buscas, ao perseguir um filme. E tudo nos leva a crer que a missão será fracassada. Mas o desejo que os move – todos eles, Jair, colaboradores, cineastas – é tão genuíno, tão belo nos seus propósitos, que acontecimentos fazem com que os índios vão ao encontro deles quase como se atendessem a um chamado. Há algo imenso naquele encontro, algo que transcende ao acaso e adentra o campo espiritual. Saí do filme grata pela experiência, grata por conhecer aquelas vidas plenas de potência, beleza e humanidade.”

Marina Willer, diretora de Árvores Vermelhas
“Minha escolha é Visages, Villages, de Agnès Varda e JR. Sempre adorei a obra de Agnès Varda, grande inspiração para meu trabalho e vida. Varda sempre traz um olhar muito generoso sobre a vida, o mundo. Sempre com senso de humor e muita integridade. Sempre reinventa sua linguagem. Visages, Villages foi ainda mais especial para mim porque foi produzido pela mesma empresa (Cohen Media) que nosso filme Árvores Vermelhas, e ao mesmo tempo. Ambos foram lançados em Cannes juntos, e tive muito orgulho de estar próxima de uma obra tão poética e bem-humorada de uma autora que tanto admiro.”

Renata Pinheiro, diretora de Estradeiros
“Se o cinema é um transporte para outros lugares, Zama, de Lucrecia Martel, nos leva para uma dimensão onde o não dito é ouvido, o sonho é pesadelo, e a espera é o que nos resta alcançar. Ao longo da filmagem, que tive a honra de participar como diretora de arte, Lucrecia nos conduziu a um estado de certa suspensão da realidade e do tempo, o mesmo que a plateia sente ao assistir/vivenciar esta experiência cinematográfica que é o Zama.”

Renata Simões, diretora de Amanhã Chegou
“Escolho Aos Teus Olhos, no qual um tema atual – o tribunal da internet – é retratado por Carolina Jabor como uma avalanche que nos soterra entre a dúvida do que aconteceu de fato e o sufocamento provocado pela velocidade de comentários em páginas online e seus efeitos offline. E também escolho Piripkura, pela importância da história e pela delicadeza e cuidado com que Mariana Oliva, Renata Terra e Bruno Jorge acompanham os responsáveis por garantir a sobrevivência dos últimos índios de uma tribo no Mato Grosso do Sul, constantemente ameaçados por fazendeiros e madeireiros.”

Renata Terra, diretora de Piripkura
“Dirigido por Roberta Estrela D’Alva e Tatiana Lohmann, o documentário Slam: Voz de Levante atordoa, enche de fôlego, emociona. O filme tem a energia da realidade que retrata. Gestado por um longo tempo, imprime na imagem, na montagem e na poesia a consolidação dessa forma de arte no país, dessa forma de resistência. Meu filme e diretoras favoritas desse ano.”

Roberta Estrela D’alva, diretora de Slam: Voz de Levante
Piripkura é um tesouro. Seres humanos raros filmados com sensibilidade rara. Conheci a Mariana Oliva e a Renata Terra, que assinam a direção junto com Bruno Jorge, durante o Festival do Rio de 2017, onde eu e a Tatiana Lohmann exibimos Slam: Voz de Levante pela primeira vez. Nossa identificação foi imediata e sinto que de maneiras muito diferentes, mas com uma essência muito parecida, em nossos filmes estamos falando de vozes que precisam ser ouvidas com urgência. Lembro-me de como as pessoas se olharam quando as luzes se acenderam ao final da sessão, como se retornassem de um transe coletivo. Acho que uma das qualidades mais valiosas do filme é que a direção deixa que as coisas aconteçam, na simplicidade e na crueza que elas têm, sem querer deixar aquela “marca”autoral (e essa é justamente a marca). O roteiro, as câmeras e a abordagem da relação entre as personagens são de um respeito e de uma beleza comoventes. Fazia tempo que um filme não tocava tão profundamente meu coração. Piripkura é um cristal. Uma luz em meio a tanta escuridão.”

Tatiana Lohmann, diretora de Slam: Voz de Levante
“Não vi todos os bons filmes dirigidos por mulheres em 2018, mas vi um que certamente merece ser citado: Café Com Canela, dirigido por Ary Rosa e Glenda Nicácio, ela uma diretora negra que ajuda a quebrar um jejum de mulheres negras na direção de longas lançados comercialmente. A primeira – e única – tinha sido Adelia Sampaio, em 1984. Creio que antes de Café, também em 2018, houve O Caso do Homem Errado, de Camila de Moraes. Mas esse é apenas um dos fatores que torna o filme relevante. Café Com Canela se passa no Recôncavo Baiano, com equipe e elenco majoritariamente negro, e conta uma história de pessoas simples sem esbarrar no tema frequente da miséria e tudo o que isso gera. É um filme sobre a dor da perda e sobre solidariedade, com um olhar por dentro desta realidade, sendo capaz de instaurar um ambiente de vida em comunidade absolutamente humano, delicado e não estereotipado. Incorporando com naturalidade o campo transcendente da espiritualidade baiana afrodescendente. Experimentando linguagem (ainda que com um certo gosto excessivo pelo experimento que às vezes atrapalha, mas que considero natural e bem-vindo num primeiro longa de diretores jovens). Criando um filme que em tudo me deu a sensação de que – se os tempos sombrios que adentramos assim permitirem – o cinema brasileiro vai mudar muito. Porque criadoras e criadores com diferentes histórias, ancestralidades, contextos culturais, gêneros, certamente farão filmes que alargam imaginário e contribuem pra que sejamos uma humanidade que se aceite múltipla, complexa, diversa. Mas talvez nada disso emplacasse se Café Com Canela não fosse o que é: lindo, emocionante, sensível, poderoso.”

Tuca Siqueira, diretora de Amores de Chumbo
“Assistir a Você Nunca Esteve Realmente Aquida diretora Lynne Ramsay, foi uma das melhores experiências que tive na sala de cinema em 2018. Entrei completamente no jogo que esconde e mostra o personagem impenetrável, mas extremamente profundo em sua relação com a mãe e a garota que ele precisa resgatar. Joaquin Phoenix foi primorosamente dirigido. Há equilíbrio nas relações de poder, violência, suspense e drama na narrativa e estética do filme. Frequentemente ainda escuto frases feitas que reproduzem a ideia de que filmes dirigidos por mulheres são sempre mais contidos e sensíveis, no sentido mais doce da palavra. Entendimento desnecessário que me irrita um pouco. Importantíssimo desconstruir essa ideia que nos limita e, certamente, também por isso o filme tenha me agradado tanto. O nosso olhar é o que determina a medida entre a extrema leveza e a violência do que queremos criar.”


Luísa Pécora é jornalista, criadora e editora do Mulher no Cinema.

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