Morre Lina Wertmüller, artista contestadora e primeira diretora a disputar o Oscar

A diretora e roteirista italiana Lina Wertmüller, autora de filmes provocadores e primeira mulher a ser indicada ao Oscar de direção, morreu nesta quinta-feira (9), aos 93 anos. De acordo com a imprensa local, a cineasta morreu em sua casa em Roma, mesma cidade em que nasceu.

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Wertmüller tem uma obra extensa, irreverente e marcada por questões políticas e sociais, que fez dela um dos principais nomes do cinema italiano, principalmente nos anos 1960 e 1970. Nascida em 14 de agosto de 1928, seu nome completo era Arcangela Felice Assunta Wertmüller von Elgg Spañol von Braueich e parte de sua família tinha origem na nobreza suíça.

Ela começou a carreira no teatro, mas passou para o cinema quando foi contratada por Federico Fellini para ser sua assistente em , lançado em 1963. No mesmo ano Wertmüller lançou seu primeiro longa, The Basilisks, sobre três jovens habitantes de um vilarejo pobre no sul da Itália. 

Em 1966, com Rita o Mosquito, a diretora deu início a uma longa colaboração com o ator Giancarlo Giannini, que protagonizou vários de seus filmes. É o caso de Pasqualino Sete Belezas (1975), que fez de Wertmüller a primeira mulher a disputar o Oscar de direção, e que mistura drama e humor para contar a história de um desertor italiano capturado por soldados alemães durante a Segunda Guerra (1939-1945). Além de fazer história na categoria de direção, Pasqualino concorreu a outras três estatuetas: filme internacional, ator para Giancarlo Giannini e roteiro original para a própria Wertmüller.

Outros títulos marcantes da carreira da cineasta são E Agora Falamos de Homens (1965), Mimi, o Metalúrgico (1972), Amor e Anarquia (1973), Por um Destino Insólito (1974), Camorra (1985), Sábado, Domingo e Segunda (1990), Ferdinando e Carolina (1999) e A Casa dos Gerânios (2004). Seu último filme foi o curta documental Roma, Napoli, Venezia…in un crescendo rossiniano, de 2014.

Wertmüller também foi tema do documentário Behind the White Glasses (2015), de Valerio Ruiz, cujo título faz referência aos óculos brancos que eram marca registrada da diretora, e que usou durante grande parte de sua vida. Após experimentar o modelo, ela perguntou ao fabricante quantas unidades seria possível produzir para ela. A resposta foi cinco mil, e ela aceitou comprar todos. “Foi amor para sempre”, contou a diretora.

Lina Wertmüller e Giancarlo Giannini no set de “Pasqualino Sete Belezas” – Foto: Reprodução

De forma geral, os filmes de Wertmüller passaram longe de ser unanimidade, dividindo críticos, espectadores e produtores. “Pude fazer os filmes que fiz porque pude ser eu mesma”, disse a diretora, em entrevista ao Los Angeles Times em 2019. “Se alguém não queria apoiar uma das minhas ideias, eu seguia adiante, procurava outro produtor ou achava outro jeito de fazer o filme.”

Também há muito debate sobre o modo como a diretora retratou as mulheres e se seus filmes são ou não são feministas. Em sua carreira, ela frequentemente rejeitou a ideia de “cineasta mulher”. “Me considero uma cineasta, não uma cineasta mulher”, disse, em entrevista ao site da Criterion Collection, em 2017. “A diferença que existe é entre filmes bons e filmes ruins. Não devemos criar outras distinções.”

Na mesma entrevista, Wertmüller afirmou ter buscado entreter e capturar a atenção da plateia desde o começo do filme, o que explica as muitas cenas iniciais marcantes que ela criou. “Gosto da poesia grotesca, e acho que meus filmes têm esse estilo – um estilo que combina humor e drama, ironia e cinismo, comédia e tragédia, e que permite que você brinque com diferentes ritmos e tons narrativos”, explicou. “É mais do que um estilo. A narrativa grotesca reflete minha própria personalidade.”

A diretora também afirmou ter “duas almas”: “Uma é brincalhona, irônica e tem senso de humor. A outra está em contato com a face dramática da vida e os problemas humanos ao redor do mundo. Estas duas naturezas vivem em mim e nunca me abandonam. Talvez meus filmes sejam um reflexo inconsciente disso.”

Lina Wertmüller recebendo o Oscar honorário em 2019, ao lado de Isabella Rossellini e Sophia Loren – Foto: Matt Petit / ©A.M.P.A.S.

Em 2019, mais de 40 anos após sua indicação ao Oscar, Wertmüller finalmente levou uma estatueta para casa. Então com 91 anos, ela recebeu o troféu honorário, que reconhece “uma obra de distinção extraordinária e contribuições excepcionais às artes e ciências cinematográficas”. Foi a apenas a segunda vez que uma diretora ganhou o prêmio, depois de Agnès Varda (1928-2019) em 2017.

Na ocasião, Wertmüller recebeu um tributo da atriz italiana Sophia Loren, que trabalhou com ela em filmes como Amor e Ciúme (1978) e A Pequena Órfã (2001). “Fiz meu primeiro filme com Lina há mais de 40 anos. Mas os adjetivos fluem como se fosse ontem: apaixonada, brincalhona, honesta, brilhante.”

Wertmüller também recebeu tributos de duas outras mulheres indicadas ao Oscar de direção: a americana Greta Gerwig e a neozelandesa Jane Campion. Gerwig falou sobre como “devorou” os filmes da homenageada: “O cinema dela é pessoal, específico e idiossincrático, mas também é mundial no sentido mais verdadeiro. É épico e acontece num palco vasto que se traduz para espectadores ao redor do mundo.”

Ao receber o troféu, Wertmüller sugeriu que ele mudasse de nome. “Por que Oscar? Vamos chamá-lo por um nome de mulher. Vamos chamá-lo de Anna”, brincou a diretora, que em seguida dedicou o Anna ao marido, Enrico Job, que morreu em 2008, e à filha, Maria Zulima.


Luísa Pécora é jornalista, criadora e editora do Mulher no Cinema

Foto do topo: Mark Von Holden/Invision, via Associated Press

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