Não é difícil subestimar How To Have Sex, longa-metragem da inglesa Molly Manning Walker que está em cartaz nos cinemas e chegará em breve ao catálogo da MUBI. À primeira vista, tanto o título (“como fazer sexo”) quanto a sinopse curta (“três adolescentes britânicas passam um feriado juntas, bebendo, indo a boates e namorando, naquele que deveria ser o melhor verão de suas vidas”) podem sugerir se tratar de um filme na mesma linha de American Pie: A Primeira Vez É Inesquecível (1999) ou The Inbetweeners (2011).
Uma referência mais adequada, porém, seria a minissérie I May Destroy You, que foi ao ar em 2020. Embora menos contundente e inovador do que o programa criado por Michaela Coel, How To Have Sex também discute sexo, abuso e consentimento com a complexidade que o tema merece e se mostra mais interessado em fazer perguntas difíceis do que em oferecer respostas fáceis. Como resultado, recebeu treze indicações ao British Independent Film Awards, principal premiação do Reino Unido para o cinema independente, e venceu a mostra Um Certo Olhar do Festival de Cannes. Na presidência do júri, o ator americano John C. Reilly descreveu How To Have Sex como “chocante, real, honesto, perspicaz e verdadeiro”. “Se vamos nos unir para curar o mundo”, afirmou, “nossa jornada começa com um filme como este”.
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How To Have Sex é o primeiro longa de Molly Manning Walker, que se formou e começou a carreira na direção de fotografia. No início deste ano, ela recebeu elogios pelo trabalho em Scrapper, filme de Charlotte Regan que foi premiado no Festival de Sundance. Poucos meses depois, subiu ao palco de Cannes para receber seu próprio troféu e protagonizar uma cena divertida. Por causa de um atraso num voo vindo da Itália, Walker ainda estava a caminho da cerimônia quando Reilly anunciou sua vitória. O ator ganhou tempo cantando para a plateia, até a diretora surgir correndo para agradecer o prêmio quase sem fôlego e vestindo shorts esportivo.
Walker também é autora do roteiro, inspirado nas viagens que fez com amigos durante a adolescência. Bastante comuns no Reino Unido, tais viagens são uma espécie de rito de passagem para os jovens, que vão em grupo para destinos do Mediterrâneo (geralmente Mália, na Grécia, ou Magaluf e Ibiza, na Espanha) com o objetivo de aproveitar o verão e as festas lotadas de turistas como eles.
É em Mália que a protagonista de How To Have Sex, Tara (a ótima Mia McKenna-Bruce), desembarca com as amigas Skye (Lara Peake) e Em (Enva Lewis) para o que proclamam ser “as melhores férias de todos os tempos”. Aos 16 anos, elas acabaram de prestar o chamado GCSE, uma prova que pode definir seu futuro acadêmico e profissional, e agora estão prontas para um feriado de sol, piscina, balada, álcool e sexo.
Tara é a única virgem e sente a pressão para transar na viagem. A oportunidade não demora a aparecer, já que o quarto ao lado hospeda Badger (Shaun Thomas) e Paddy (Samuel Bottomley), garotos ligeiramente mais velhos que também estão prontos para curtir. Mas ao seguir o roteiro do que uma jovem mulher supostamente deve fazer para ter as melhores férias de todos os tempos, Tara se sente cada vez mais isolada e desconfortável. Num ambiente que banaliza o sexo e submete especialmente as garotas a situações humilhantes, a protagonista de personalidade vibrante que aparentava estar rodeada de amigos passa sozinha por situações traumáticas.
É aí que How To Have Sex muda de tom. “Da direção de arte ao design de som, o filme foi inteiramente pensado como se tivesse duas partes”, contou Manning Walker, em conversa com jornalistas da qual o Mulher no Cinema participou. “A primeira parte busca ser como uma experiência mágica, uma espécie de Disneylândia onde tudo é leve e sublime. Na segunda, tudo fica muito intenso e caótico: os baixos ficam mais pesados, os grilos ao fundo soam mais rápido e várias músicas começam a tocar ao mesmo tempo.”
Recriando a juventude
A autenticidade é uma das características mais marcantes de How To Have Sex. Mesmo espectadores que há muito tempo deixaram de frequentar festas como as do filme não terão dificuldade em reconhecer os ambientes e personagens retratados, algo que a diretora credita ao fato de ter se inspirado em pessoas e situações reais.
Mas ela também buscou rodar How To Have Sex como um longa de não ficção. Para isso, escalou o diretor de fotografia Nicolas Canniccioni, experiente em documentários e em filmagens com câmera na mão e pouca luz, e usou apenas locações reais. A equipe gravou em todas as casas noturnas de Mália, contando com centenas de figurantes recrutados em bares e festas, que permaneciam em cena mesmo quando não estavam em quadro. “Se parece que 300 pessoas estão na balada, é porque 300 pessoas realmente estavam na balada”, contou.
“Consentimento se tornou algo binário. Somos obcecados pelas palavras ‘sim’ e ‘não’, quando sexo deveria ser outra coisa: duas pessoas que estão tendo uma boa experiência juntas, que se entendem e têm empatia uma pela outra. Se tivéssemos melhor educação sobre sexo e sobre prazer feminino, não teríamos de nos agarrar a isso para garantir que a outra pessoa está curtindo.” – Molly Manning Walker
A cineasta colaborou de perto com o designer de som Steve Fanagan, a montadora Fin Oates e a supervisora musical Catherine Greves para recriar o universo sonoro das festas e resorts, onde momentos de silêncio são raros. Parte considerável do orçamento foi reservada para assegurar direitos autorais de canções famosas (“precisávamos ter as músicas de balada que todo mundo conhece, senão ficaria falso”), que se somam às composições originais de James Jacob, estreante no cinema mas experiente como DJ em Ibiza e Ayia Napa.
A busca por autenticidade também guiou a figurinista George Buxton, que se inspirou no estilo das meninas nas ruas e baladas de Mália, e os diretores de arte Liza Tsouloupa e Luke Moran-Morris, que preencheram até os armários do quarto de hotel usado como locação. “O set era totalmente 360 graus”, definiu a diretora. “Se num improviso uma das atrizes abrisse uma gaveta, encontraria alguma coisa dentro daquela gaveta.”
Sem medo de errar
Walker começou cedo o processo de seleção do elenco e abriu espaço para que ele interferisse no roteiro. A personagem de Em, por exemplo, deixou de ser heterossexual quando a diretora viu o teste de uma atriz lésbica (que não foi selecionada), e diálogos que surgiram em exercícios de improvisação foram incorporados ao texto.
Todos os atores escolhidos para os papéis secundários fizeram suas leituras com Mia McKenna-Bruce, selecionada para interpretar Tara logo no início dos testes. A inglesa de 26 anos atua desde a infância e trabalhou em séries como Ninguém Mandou (2020) e em filmes como Persuasão (2022), mas encontrou em How To Have Sex seu primeiro grande papel. “O que Mia tem de mais incrível é a capacidade de mostrar várias emoções ao mesmo tempo”, elogiou a diretora. “Ela faz uma coisa, mas seus olhos dizem outra.”
Tal habilidade era essencial para dar vida à Tara, que não consegue compartilhar os complexos sentimentos e questionamentos que se acumulam ao longo da viagem. “Nessa idade, é muito difícil articular as coisas com palavras, então era importante fazer isso com o rosto”, afirmou McKenna-Bruce, em entrevista ao Mulher no Cinema. “Eu precisava passar o que Tara estava sentindo para que o público embarcasse na jornada com ela.”
A preparação da atriz se deu principalmente durante os ensaios com a diretora, que ocorreram primeiro em Londres e, depois, em Mália. Nestes ensaios, Walker focou menos no roteiro e mais no entrosamento dos atores e na construção de histórias prévias. “Ela levou uma câmera e pediu que entrevistássemos uns aos outros como se fôssemos nossos personagens”, contou McKenna-Bruce. “Perguntávamos todo tipo de coisa, até sobre a comida favorita, e isso foi muito importante para conhecermos as pessoas que estávamos interpretando.”
“Molly confiou em mim e me fez ter confiança em mim mesma. Por isso, pude me sentir vulnerável o tempo todo. Ela me deu espaço para brincar com diferentes ideias. Foi a primeira vez que atuei sem medo de errar.” – Mia McKenna-Bruce
A amizade formada pelos atores durante os ensaios ajudou nas cenas íntimas, que foram coreografadas pela coordenadora de intimidade Jenefer Odell e filmadas com equipe reduzida. Segundo McKenna-Bruce, Walker criou um ambiente relaxado, no qual “ninguém se estressava mais do que o necessário”. “Molly confiou em mim e me fez ter confiança em mim mesma. Por isso pude me sentir vulnerável o tempo todo”, afirmou. “Ela me deu espaço para brincar com diferentes ideias. Foi a primeira vez que atuei sem medo de errar.”
Conversa franca
Embora tenha olhar crítico em relação a alguns aspectos da cultura jovem, How To Have Sex toma cuidado para não julgar as personagens ou assumir tom moralista. “Muita gente passa por alguns dos momentos mais felizes da vida em viagens e festas como as do filme, e desde o começo conversamos muito sobre como a intenção não era a de assustar as pessoas a não viajar, não ir para a balada ou coisa parecida”, disse McKenna-Bruce. “O filme não atribui culpa, apenas defende que todos devem poder falar sobre sexo sem sentir vergonha.”
Para não apontar o dedo a ninguém, How To Have Sex mostra como Tara é pressionada não só pelos garotos, mas principalmente pela amiga Skye, uma jovem insegura que tem o sexo como medida de valor próprio. Por sua vez, os meninos também sentem a necessidade de seguir o grupo e atender a determinados padrões de masculinidade. “Não queria fazer um filme que excluísse os homens da conversa, porque assim não vamos avançar”, afirmou Walker. “Além disso, como mulher queer que se apresenta de forma masculina, entendo algumas das pressões que a sociedade põe sobre eles e queria tentar entender de onde elas vêm.”
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Se fosse preciso apontar um vilão em How To Have Sex, este seria a falta de diálogo e educação sexual que mantêm o tema como tabu. O filme reflete, principalmente, sobre como experiências sexuais formativas, capazes de influenciar toda uma vida, frequentemente se dão em um contexto de pouca conversa franca, preparo emocional e conhecimento, o que pode abrir caminho às relações abusivas.
Hoje com 30 anos, Walker tinha 16 quando sofreu abuso sexual, tema que também abordou em seu primeiro curta, Good Thanks, You? (2020), disponível para streaming na MUBI. Antes de filmar How To Have Sex, ela e as produtoras Ivana McKinnon e Emily Leo organizaram encontros com garotas e garotos britânicos para ouvir o que tinham a dizer sobre os temas abordados pelo filme. A relevância do projeto ficou confirmada quando a maior parte dos participantes não identificou abuso em uma relação descrita no roteiro como não consensual.
“Consentimento se tornou algo extremamente binário. Somos obcecados pelas palavras ‘sim’ e ‘não’, quando sexo deveria ser outra coisa: duas pessoas que estão tendo uma boa experiência juntas, que se entendem e têm empatia uma pela outra”, afirmou a cineasta. “Acho que as pessoas precisam se agarrar a palavras como ‘sim’ e ‘não’ porque não sabem o que é sexo bom. Se tivéssemos melhor educação sobre sexo e sobre prazer feminino, não teríamos de nos agarrar a esse tipo de coisa para garantir que a outra pessoa está curtindo.”
Luísa Pécora é jornalista e criadora do Mulher no Cinema