Desde que o público conheceu Marina Person, em meados da década de 1990, seu nome sempre esteve associado ao cinema. Primeiro, como filha de cineastas e apresentadora do Cine MTV; depois, à frente de outros programas na TV e no rádio; e finalmente como diretora, após o lançamento de Califórnia (2015), seu primeiro longa-metragem de ficção.
Agora, a ideia é estreitar os laços com o cinema também em frente às câmeras: pela primeira vez, a atriz Marina Person encara um papel de protagonista. O filme é Canção da Volta, que fez sua estreia na Mostra Internacional de Cinema em São Paulo e chega ao circuito comercial nesta quinta-feira (3). E a personagem é Julia, uma mulher em crise com o marido e os filhos por causa de crises de depressão e uma tentativa de suicídio.
O papel exigiu, segundo Marina, “muito preparo”. Sem treinamento formal como atriz, ela fez exercícios com o ator Victor Mendes e aproveitou o período de ensaios antes das filmagens. Também contou com o apoio do diretor Gustavo Rosa de Moura, com quem tem longa parceria: além de casados, os dois são sócios na produtora Mira Filmes e trabalharam juntos em projetos como Califórnia e o curta Acho que Chovia (2012).
Na entrevista a seguir, feita por e-mail, Person fala sobre o trabalho em Canção da Volta e os planos para a carreira de atriz, explica o motivo de se dedicar a tantos projetos ao mesmo tempo e dá um conselho às mulheres que querem ser diretoras: “Encarem a profissão como uma convocação. Cada filme dirigido por uma mulher abre caminho para outra.”
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Como foi interpretar sua primeira protagonista?
Acompanhei o projeto desde a ideia, antes mesmo do roteiro [ser desenvolvido]. Eu não era uma escolha óbvia, mas aos poucos fomos vendo que, de repente, eu poderia encarar esse papel. Tenho a idade da personagem e algumas características que me ajudaram – o chamado physique du role. Quando fizemos o curta Acho que Chovia [dirigido por Gustavo e com Marina no elenco] vimos que tinha chances de dar certo. A gente se deu super bem e eu adorei fazer!
Como se preparou para o papel?
A Julia exigiu muito preparo e ensaio. Como não sou uma atriz “treinada”, fiz muitos exercícios com o Victor Mendes, um ator amigo e parceiro da Mira Filmes. Isso me deu uma base pra chegar na preparação com João [Miguel, com quem contracena] e Gustavo. Fizemos muitos ensaios, muitos! Foi ótimo, porque pudemos experimentar coisas que depois incorporamos na filmagem. É sempre muito tenso filmar, tem uma equipe gigante trabalhando, as horas sempre são curtas, muitas coisas para resolver… o momento de ensaio, de preparação, é sagrado.
Você e o Gustavo são sócios na produtora Mira Filmes e já fizeram vários projetos juntos. Como funciona a parceria de vocês? De que forma inspiram um ao outro?
Essa intimidade ajuda muito. Gustavo e eu realmente nos damos bem trabalhando, sinto nele um baita parceiro. O que eu sei é que a gente gosta muito de falar sobre as nossas ideias, nossos projetos, temos muita sintonia nesse sentido criativo. Um estimula o outro, e isso é muito bom. Como somos diferentes em vários aspectos, um acaba somando qualidades que o outro não tem. Isso é muito rico. Em relação ao Canção da Volta, o fato de o Gustavo me estimular a fazer as cenas que envolvem não apenas nudez, mas também as cenas de amor e sexo, me ajudou. Achei que pudesse ficar com vergonha, mas no final das contas, ele estava lá para me amparar. Isso fez toda diferença.
Você sempre tem muitos projetos acontecendo – é atriz, diretora, produtora, apresentadora, tem canal de receitas no YouTube…Você se sente confortável em todos esses papéis? Qual deles gostaria de explorar mais?
Sou aquariana [risos], então brinco que preciso dessa variedade para não enjoar de fazer as coisas. Muitas vezes penso que queria uma vida mais calminha, mas não consigo. Se está calmo demais, arrumo coisas pra fazer. Depois penso que queria estar mais calma – ou seja, vivo nesse paradoxo. Gostei muito de atuar, gostaria de fazer mais coisas como atriz. Quero fazer teatro, que nunca fiz. E quero ter tempo pra me dedicar ao cinema. Quero fazer mais filmes tanto como atriz quanto como diretora. É muito bom filmar.
Um pouco na linha do seu programa O Papel da Vida [do Canal Brasil, no qual atores relembram seu trabalho mais marcante], mas pensando no futuro: qual personagem você gostaria muito de interpretar?
Humm, gostoso pensar nisso. Sempre quis interpretar a Capitu, porque sou fascinada pelo [livro de Machado de Assis] Dom Casmurro. Queria também fazer um clássico do teatro, tipo Jocasta, baita desafio.
No ano passado você lançou seu primeiro longa de ficção. Tem novos projetos como diretora?
Tenho dois projetos de longas que quero dirigir, um já na fase do roteiro, outro no argumento. Na verdade, três! Tem um que está na fase da ideia [risos] Todos [são de] ficção.
Em muitas entrevistas te perguntam sobre o seu pai [Luís Sérgio Person, diretor de São Paulo S/A], mas nem sempre sobre a sua mãe, Regina Jehá, que também é cineasta [e diretora de filmes como Bexiga Ano Zero e Guarani]. De que forma o trabalho dela te inspirou?
Minha mãe é ligada ao cinema documental, e sempre admirei isso. Ela sempre foi muito conectada aos temas dos indígenas, de ecologia, muito antes de esses assuntos estarem no centro da pauta nacional. Minha mãe me abriu os olhos para muitas questões relevantes desde pequena.
Que conselho você daria para as mulheres que também querem ser diretoras?
Pensem que precisamos de mais mulheres no cinema, encarem a profissão como uma convocação. Precisamos de mais filmes com temas femininos, protagonistas femininas, problemáticas femininas. Nossa voz precisa ser ouvida. Espero que um dia exista o mesmo número de cineastas homens e mulheres no mundo. Não há nenhuma razão para estarmos em menor número, mas estamos. Isso tem que mudar. Cada filme dirigido por uma mulher abre caminho para outra.
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Foto do topo: Aline Arruda/Agência Foto