A cidade de Recife, em Pernambuco, será a casa de um novo evento dedicado exclusivamente a filmes dirigidos por mulheres. O Festival Internacional de Cinema de Realizadoras, ou FINCAR, está com inscrições abertas (e online) para sua primeira edição, que ocorrerá de 6 a 9 de julho. Até 29 de abril poderão ser inscritos curtas, médias e longas-metragem dirigidos por mulheres (é permitido codireção masculina) entre 2013 e 2016.
Além do festival, os filmes também poderão ser exibidos em outras cidades de Pernambuco, graças a uma parceria do FINCAR com a Federação Pernambucana de Cineclubes.
Conversamos com a diretora artística do FINCAR, Maria Cardozo, para saber mais sobre o festival. Maria acaba de dirigir o curta Cheiro de Melancia e é montadora de filmes como Todas as Cores da Noite, de Pedro Severien.
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O que a motivou a criar um festival de filmes feitos por mulheres?
Em 2014 vi uma atriz brasileira que admiro muito ganhar um prêmio de atuação em um tradicional festival de cinema. Ela fez um discurso alertando para os tipos de personagens femininas que vemos na tela. E falou também da importância da relação dela com a diretora, por serem duas mulheres, para aquele filme. Aquilo bateu forte em mim. Estava no festival com um filme no qual tinha trabalhado, mas naquele ano especialmente estava em uma pesquisa intensa sobre artistas mulheres na videoarte. Foi curioso perceber que conhecia mais realizadoras nas artes visuais do que no cinema. Comecei a estreitar a minha pesquisa entre cinema e videoarte e passei a encontrar textos que traziam os motivos dessa diferença.
Quais são os motivos?
O espaço de trabalho do cinema e sua hierarquia, desde o início, não favorecem a presença da mulher enquanto realizadora. No caso da videoarte, as câmeras “amadoras” davam uma liberdade de uso, inclusive para espaços domésticos. Isso há décadas. Mas ainda hoje existem diretores que afirmam que mulheres são melhores produtoras porque elas já têm a habilidade de cuidar de questões de casa e família. Desconstruir esse espaço da personagem mulher feita para ser olhada pelo homem e buscar as coisas que prendem o olhar de realizadoras do cinema me motivou a criar o festival.
Quem está na equipe e como o festival está sendo financiado?
Na equipe somos eu, Lívia de Melo (produção), Mariana Porto (curadoria) e Ana Carvalho (curadoria). As empresas produtoras são a Orquestra Cinema Estúdios e a Vilarejo Filmes. O FINCAR é um projeto viabilizado pelo Edital de Audiovisual do Fundo Pernambucano de Incentivo à Cultura (Funcultura 2015). Temos também uma parceria com a Federação Pernambucana de Cineclubes (FEPEC), com a qual realizaremos o Circuito Cineclubista FINCAR-FEPEC, possibilitando que os filmes selecionados sejam exibidos em outras cidades de Pernambuco.
Que tipo de filmes vocês estão procurando? Há algum gênero, estética ou tema que terá prioridade?
Tivemos a preocupação de colocar no regulamento que a temática dos filmes é livre. O foco de gênero no festival diz respeito apenas à realização. Inclusive são aceitos filmes codirigidos com homens. Um filme não terá maior probabilidade de entrar no festival por tratar de questões que dizem respeito ao que se convenciona como “feminino”. Isso é algo inclusive que queremos debater durante o festival. Existe o “olhar feminino”?
Por que a decisão de aceitar filmes feitos entre 2013 e 2016, e não apenas os realizados neste ano?
É uma forma de abrir uma janela, para filmes que não circularam poderem circular. O ineditismo local e a estreia às vezes são supervalorizadas. É importante trazermos filmes que as pessoas não viram, dar espaço para novas realizadoras, mas um filme vai além de ser algo “novo” que você precisa ver. Esperamos em edições futuras podermos revisitar filmes antigos.
Qual a importância de um festival para mulheres diretoras?
É muito importante fazermos essa pergunta quando vemos algumas realizadoras mais antigas muito resistentes a ocuparem esses espaços. Festivais dedicados exclusivamente à realizadoras não são nenhuma novidade. Se a realização no cinema ainda é em maioria de homens, precisamos afirmar a realização feita pela mulher para que ela se fortaleça e aumente. Como disse anteriormente, existem motivos para essa divisão sexual do trabalho no cinema. O poder econômico exigido para se dirigir um longa-metragem chega mais facilmente a um diretor do que a uma diretora. Além do mais, a questão da mulher no cinema é ainda mais complexa, seja na realização ou na representação, quando começamos a falar sobre o racismo. Será que em um festival “neutro” conseguimos aprofundar um debate sobre essas questões? Esse é um grande desafio para o FINCAR: entender o quanto conseguiremos sair da superficialidade de um debate que tentam capturar dizendo que um festival dedicado exclusivamente às realizadoras é um festival de gueto.
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