
A julgar pelo trailer, as entrevistas bem-humoradas do elenco e o tom geral da campanha de marketing, Amores Materialistas, que estreia nesta quinta-feira (31), parece ser uma comédia romântica leve e divertida, daquelas que os grandes estúdios americanos praticamente deixaram de lançar nos cinemas.
De um lado, o caráter genérico do material promocional indicou se tratar de território conhecido e confortável: um filme como tantos outros que já vimos. De outro, buscou certo diferencial no pedigree da diretora e roteirista Celine Song, que vem do sucesso de Vidas Passadas (2023).
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Chamar o marketing de enganoso seria exagero, já que elementos estéticos e narrativos da comédia romântica certamente estão presentes – do visual luminoso à protagonista de guarda-roupa invejável cuja postura cínica em relação ao amor anuncia o óbvio: ela está prestes a se apaixonar. Ao mesmo tempo, Amores Materialistas não é exatamente o puro entretenimento sugerido pela divulgação, e não se destaca nem pelo humor, nem pela capacidade de nos envolver e nos fazer torcer pelo romance de alguém.
Como Vidas Passadas, Amores Materialistas parte de uma experiência pessoal da diretora, que faz aqui seu segundo longa-metragem. Antes de despontar como dramaturga, e posteriormente cineasta, Song trabalhou durante seis meses como matchmaker ou casamenteira, unindo casais a partir de suas preferências (ou exigências) quanto ao parceiro ou parceira ideal.
Para sua surpresa, as conversas com clientes giravam em torno de números. Homens queriam mulheres abaixo de determinado peso e idade, e mulheres buscavam homens acima de determinada altura e salário. É este o universo que Amores Materialistas busca retratar: uma sociedade capitalista na qual mesmo as qualidades humanas são vistas como bens de maior ou menor valor.
No centro da trama está Lucy (Dakota Johnson), uma das melhores funcionárias de uma agência de matchmaking que atende à elite de Nova York. Sua visão estratégica e matemática do romance resultou em nove casamentos de clientes, ao mesmo tempo em que reduziu drasticamente suas próprias expectativas quanto à possibilidade de encontrar o amor. Quando uma colega de trabalho chama Lucy de “eterna solteira”, ela responde: “Vou morrer sozinha ou me casar com um homem rico”.

Sozinha, é claro, ela não vai morrer, então é a segunda opção que logo se apresenta. Durante a festa de casamento de uma cliente, Lucy conhece o irmão do noivo, Harry (Pedro Pascal), aquilo que o mercado do namoro costuma chamar de unicórnio: bonito, alto, bem-sucedido e extremamente rico. É o homem que, de tão valioso, pode escolher a mulher que quiser. E ele escolheu Lucy, para surpresa e desconfiança da própria, que desvaloriza seu passe por estar acima dos 30, não ter feito faculdade e ganhar “apenas” 80 mil dólares por ano.
Na mesma festa Lucy reencontra o ex-namorado, John (Chris Evans), um ator que faz bicos como garçom. Ele também é bonito, também é alto e talvez até seja talentoso, mas nunca seria visto como unicórnio por não ter bom salário, carreira consolidada e o próprio apartamento. Uma cena de flashback nos informa que Lucy terminou o relacionamento justamente por questões financeiras: filha de um casal que sofria para pagar as contas e brigava por isso, ela não conseguiria encarar uma vida a dois na qual o dinheiro fosse contado.
Fica claro, portanto, que a escolha entre Harry e John é uma escolha entre pragmatismo e emoção, razão e coração, segurança e o risco, status e amor verdadeiro. Em entrevistas, Song citou a obra de Jane Austen (1775-1817) como uma de suas principais inspirações, e manifestou o interesse em atualizar ideias que, de alguma forma, sempre nos acompanharam. Se questões de classe e expectativas sociais e financeiras influenciam as questões do coração, como isso se traduz em tempos de redes sociais e aplicativos de namoro?
A discussão é relevante, e às vezes rende boas reflexões e algumas (poucas) risadas. O humor vem principalmente das cenas em que os clientes de Lucy, filmados olhando para a câmera (e portanto para ela e para nós), falam com sinceridade brutal sobre aquilo que estão buscando. Com isso, pintam o retrato de uma sociedade que é não apenas superficial e competitiva, mas também dona de todo tipo de preconceito.

Conforme a vida pessoal de Lucy ganha mais espaço do que o trabalho, o filme vai se tornando menos bem-humorado e menos interessante. Colabora para isso a falta de química entre ambos os casais, o que se deve menos ao charme dos atores do que às falhas na construção dos personagens. Os masculinos, sobretudos, são apenas tipos: um é o executivo milionário que tem tudo mas ainda falta alguma coisa; o outro é o artista pobre que só tem um ombro amigo e um bom coração – ou seja, aquilo que o dinheiro não pode comprar.
O desinteresse que Song aparenta ter pelos dois se reflete na temperatura morna das cenas com Lucy. No caso de Harry, dá para tentar atribuir a falta de conexão ao caráter quase estratégico do relacionamento. Mas no caso de John, seria essencial que a relação com Lucy nos parecesse especial ou, no mínimo, mais quente. Do contrário, não há razão para justamente ele fazê-la hesitar diante da possibilidade de realizar aquilo que o filme diz ser o sonho dela e da maior parte das mulheres: casar-se com um unicórnio.
Da mesma forma, falta especificidade à própria Lucy. Ouvimos vagas menções às brigas dos pais e a uma dívida própria, e sem dúvida podemos compreender o apelo dos restaurantes caros e apartamentos luxuosos. Mas é pouco para justificar o motivo de o dinheiro ocupar espaço tão central em sua vida, e de encontrar um marido rico continuar sendo o maior objetivo de uma mulher claramente independente, que tem emprego estável, é boa no que faz e mora sozinha em Manhattan.
Sem entender quem é Lucy, fica mais difícil comprar (para usar os termos do filme) a transformação pela qual ela passa a partir de uma situação dramática envolvendo seus clientes. O episódio (que não se pode detalhar sem spoilers) ensaia levar a trama a um lugar inesperado, mas serve, em última instância, como mero dispositivo narrativo para impulsionar a virada da protagonista e fazer a história avançar.
É o mais incômodo de vários momentos nos quais o filme promete ir além do óbvio, mas perde a oportunidade de fazê-lo, o que, na prática, provoca mais decepção do que admiração. Na tentativa de honrar e subverter convenções, Amores Materialistas fica em algum lugar no meio, incapaz de articular uma reflexão realmente complexa e original sobre o amor moderno ou de simplesmente render-se ao divertimento despretensioso.
Luísa Pécora é jornalista e criadora do Mulher no Cinema