Diretoras brasileiras respondem: qual o melhor filme dirigido por mulher do ano?

Em quantos anos se cria uma tradição? Pela segunda vez consecutiva o Mulher no Cinema publica uma lista de melhores filmes do ano um pouco diferente e bem especial: aqui, quem escolhe não são os críticos ou o público, mas, sim, as mulheres que fazem cinema.

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Nossa reportagem conversou com diretoras brasileiras que lançaram longas-metragens este ano e perguntou: qual foi o melhor filme dirigido por mulher de 2017? E por quê? Elas puderam escolher qualquer título, nacional ou estrangeiro, desde que tenha sido lançado nos cinemas brasileiros desde janeiro.

No total, onze filmes foram citados, sendo que quatro deles foram lembrados mais de uma vez. Confira:

Alice Riff, diretora de Meu Corpo É Político
“Meu voto vai para Jonas e o Circo Sem Lona, de Paula Gomes, pela sensibilidade com que ela conduz o filme, levando nossos sonhos a sério.”

Ana Luiza Azevedo, diretora de Quem É Primavera das Neves (parceria com Jorge Furtado)
“Escolho Mulher do Pai, com direção e roteiro de Cristiane Oliveira, um filme delicado e rigoroso, que acredita no poder do silêncio e na possibilidade de compreender o que não é dito. Uma bela estreia na direção de um longa-metragem.”

Caroline Fioratti, diretora de Meus 15 Anos
“Saí do cinema extasiada depois de assistir ao novo filme da Sofia Coppola, O Estranho que Nós Amamos. Com aquele incômodo bom de ter visto um grande filme. Além de construir um longa-metragem com imagens belíssimas, grandes atuações e um tom bem particular e obscuro – que eu adoro –, Sofia ousa na construção da relação entre as personagens e na abordagem de questões femininas. Ela fica no ‘limite do perigoso’, onde qualquer deslize pode ser grave, mas é justamente por ousar ficar nesse limite – e acertar – que ela sai do lugar comum e constrói um filme cheio de camadas, retratando a complexidade feminina e suas relações.  É um filme corajoso. Gostaria de aproveitar para destacar também dois filmes brasileiros que me tocaram muito: Como Nossos Pais, da Laís Bodanzky e Era o Hotel Cambridge, da Eliane Caffé – dois filmes sensíveis e necessários de duas grandes diretoras.”

Cininha de Paula, diretora de Duas de Mim
“Meu filme favorito do ano com direção feminina foi Mulher-Maravilha, de Patty Jenkins. Um filme dirigido por mulher, com uma personagem mulher. Um filme que desbancou os outros de super-heróis.”

Cristiane Oliveira, diretora de Mulher do Pai
“Dentre os filmes dirigidos por mulheres que estrearam comercialmente esse ano no Brasil, destaco Toni Erdmann. Gosto de filmes que me fazem sentir como se eu estivesse compartilhando algo muito íntimo com o personagem. Nesse filme, são os constrangimentos cotidianos, aqueles que, em geral, as pessoas escondem e no filme são revelados. Provocam o riso do constrangimento, num humor que vem da identificação. A alemã Maren Ade, além de diretora, também atua como produtora de muitos títulos instigantes do cinema internacional.  Uma profissional cuja carreira vale acompanhar.”

Deby Brennand, diretora de Danado de Bom
“David Lynch é o cineasta que mais me inspirou e inspira. Nos meus curtas, sempre transitei na linha do inconsciente e do real. O filme David Lynch: A Vida de um Artista [de Olivia Neergaard-Holm, Jon Nguyen e Rick Barnes] me proporcionou uma carga enorme de sentimentos misturados. Poder observar o artista em plena criação numa narrativa nostálgica e forte, como nos filmes de Lynch, cheio de códigos reveladores. A dualidade do claro e escuro. Dentro de um sempre existe o outro. A claridade é tão forte que te cega e te deixa no escuro. E no obscuro de Lynch vê-se a luz reveladora da claridade.”

Elisa Gomes, diretora de Maria – Não Esqueça que eu Venho dos Trópicos (parceria com Francisco C. Martins)
“Escolho Divinas Divas, um documentário delicadamente conduzido por Leandra Leal. Uma homenagem a essas divas que abriram portas para tantas outras. Histórias de vidas tocantes e super atuais.”

Emília Silveira, diretora de Galeria F e Silêncio no Estúdio
“Minha escolha é Era o Hotel Cambridge, de Eliane Caffé. Um filme que rompe com criatividade a barreira entre documentário e ficção. Poucos atores se misturam a personagens reais para contar o drama de um grupo que ocupa um prédio abandonado. Baseado em fatos reais, em alguns momentos temos a sensação de estar dentro do filme. Acompanhamos aqueles homens e mulheres em luta para garantir o mínimo: um lugar onde morar. Ao sair do cinema me acompanhou uma pergunta: Como seres entregues à própria sorte conseguem não perder a capacidade de reagir, de se indignar? E resistem. Um grande filme!”

Joana Mendes da Rocha, diretora de Tudo É Projeto
“Meu filme preferido desse ano é Era o Hotel Cambridge, dirigido por Eliane Caffé. É um filme que trata de temas atuais das grandes cidades e do mundo. Fala da questão da moradia, dos sem-teto, das ocupações, dos refugiados e ao mesmo tempo de urbanidade, das relações humanas e da vida em sociedade. A maneira como o filme é feito também é muito interessante, uma criação coletiva com os moradores, refugiados e estudantes de arquitetura. Parte do documental, mas insere atores, numa colagem de várias histórias. Super bem realizado e bom de assistir, um filme importante.”

Julia Murat, diretora de Pendular
Toni Erdmann é um filme impressionante. A construção de personagem, a relação pai-filha, a construção de um contexto histórico, que aparece em pequenos detalhes, sem que o filme precise enfatizar essa contextualização – tudo isso fez eu me relacionar com o filme de uma maneira muito, muito intensa. Ri e chorei – não considero rir e chorar em um filme uma qualidade necessariamente (afinal, choro por qualquer coisa), mas neste filme rir e chorar (às vezes na mesma cena) tinha uma potência especifica: esses sentimentos eram criados tanto pela história narrada, quanto pelas escolhas estéticas empregadas. Eu me identificava com os personagens ao mesmo tempo que reconhecia neles figuras impossíveis de existir – e portanto incríveis. Um filme que mistura fantasia e naturalismo, estranheza e reconhecimento.  Um filme que me fez pensar sobre a relação com meu pai e com as minhas filhas.”

Melissa Dullius, diretora de Muito Romântico
“Em fevereiro tive a chance de assistir Colo, de Teresa Villaverde, durante o Festival de Berlim, cidade onde vivo há mais de uma década. Era cedinho no enorme Berlinale Palast, uma sessão para a imprensa. Assistir a um filme em matinê em uma tela enorme é o cenário ideal para mim, mas não bastaria o contexto se não fosse um belo filme. A história da pequena família é melancólica, cheia de dramas em miniatura e suaves transformações, adaptações, revoluções. É assim que a cineasta traduz a opressão da crise, ou das crises, passageiras ou permanentes: de Portugal, da Europa, do mundo, de um modelo de família, de duas mulheres adolescentes, de uma mãe segurando as pontas, de um pai perdendo o foco. Crises coletivas, no sentido amplo: minhas, suas, nossas. O cinema de Teresa é uma espiral, um labirinto, um redemoinho, um mar calmo com repuxo. Vamos entrando ou sendo puxados, sem perceber, devagarinho e entramos em transe. Não é à toa que um de seus filmes se chama assim: Transe. Recomendo muito Colo e todos os filmes dessa notável diretora portuguesa.”

Mônica Simões, diretora de Um Casamento
Toni Erdmann, de Maren Ade. Cinematograficamente é muito bem realizado, mas o que me fez escolher foi o roteiro. Uma história extremamente original que me fez chorar, gargalhar e pensar, bastante, sobre as relações humanas.”

Patricia Rubano, diretora de Tudo É Projeto
Divinas Divas, de Leandra Leal. O filme é necessário para os tempos atuais e tem sensibilidade e respeito pelas personagens. Como Leandra está muito perto das artistas, o filme tem uma leveza, um clima familiar que só enriquece a obra. As Divinas Divas são a primeira geração de travestis brasileiros na década de 1960, abraçada pelo Teatro Rival, da família de Leandra. O filme diz muito sobre o Brasil e é para todo mundo. É a história do travesti de família! Imperdível!”

Paula Gomes, diretora de Jonas e o Circo Sem Lona
“Escolho Verão 1993, de Carla Simón, pelo relato sincero e pela forma realista – tão simples e tão potente – como a diretora aborda a questão do luto, atravessado nesse caso pela pequena Frida (Laia Artigas), que acaba de perder sua mãe. O roteiro sensível, o maravilhoso trabalho dos atores, a câmera à disposição das ações e não as ações encenadas para a câmera, tudo isso nos permite viver junto com os personagens o imenso vazio provocado pela morte, que, ao sacudir as peças do tabuleiro do seu universo, faz com que Frida tente encontrar um lugar numa nova família, enquanto a família também tem que desconstruir-se para então encontrar um lugar para Frida. Esse olhar, forte e sensível – tão feminino – nos ensina que da experiência da morte o que brota é vida, seguir em frente, recordando-nos também (principalmente nesses tempos tão difíceis) da ternura como importante ferramenta de transformação política.”

Susanna Lira, diretora de Intolerância.doc
“Meu filme preferido deste ano é Toni Erdmann, escrito e dirigido pela Maren Ade, que arrebatou dezenas de prêmios pelo mundo. A história é comovente e ácida pois trata da relação conturbada entre pai e filha, brilhantemente interpretados por Peter Simonischek e Sandra Hüller. O filme também nos faz refletir sobre o tempo, o trabalho, a família e as relações de afeto e ruptura que nos acompanham a cada escolha. Há uma cena específica que me marcou profundamente: nela o pai acompanha e meio que obriga a filha sisuda a cantar “Greatest Love of All”. Ela começa contrariada e com um performance sofrível, mas no avançar da música, ela se apodera de tal forma na canção que torna a cena arrebatadora!”

Tatiana Sager, diretora de Central – O Poder das Facções no Maior Presídio do País
“Sem dúvida, o filme que mais me tocou foi Como Nossos Pais, de Laís Bodanzky. Sou absolutamente fã da Laís desde seu primeiro longa, Bicho de Sete Cabeças, passando por Chega de Saudade e As Melhores Coisas do Mundo. Mas Como Nossos Pais sem dúvida supera todos os anteriores. Neste longa ela apresenta o universo feminino com muita sutileza e realismo. Fala de mulheres que defendem seus pontos de vista com unhas e dentes, apesar de viverem suas próprias contradições. O filme é muito bem conduzido pela diretora e roteirista, com uma fotografia sutil, sem a interferência de uma câmera na mão. Clarisse Abujamra e Maria Ribeiro arrasam nas interpretações de mãe e filha, personagens que vivem grandes conflitos familiares. O filme faz uma verdadeira reflexão sobre o papel da mulher na sociedade atual.”

Tatiana Lohmann, diretora de Todas as Manhãs do Mundo (parceria com Lawrence Wahba)
“Dizer que foi o melhor filme de 2016 é muito, né? Duvido que alguém, nessa vida urbana corrida que levamos, tenha visto todos os filmes e detesto ser injusta. Mas destaco Como Nossos Pais, da Laís Bodanzky, um filme maduro que trata de questões atuais. Um filme simples, de dramaturgia, de atuação, com direção precisa, roteiro preciso (importante citar a parceria com Luiz Bolognesi) a serviço da história a ser contada. Me conduziu, me fez refletir – e traz a personagem da Clarice Abujamra, magnífica, e cenas inesquecíveis. Sempre considero um feito quando direção, roteiro, atriz/ator, equipe, enfim, conseguem erigir um personagem de estatura, que passa a habitar meu imaginário.”


Luísa Pécora é jornalista, criadora e editora do Mulher no Cinema.

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