Empresa por trás de séries como P-Valley, The Spanish Princess e Power, a Starz anunciou uma iniciativa para “aprofundar seu compromisso com narrativas criadas e protagonizadas por mulheres, pessoas negras e outros grupos sub-representados”. Intitulada #TakeTheLead [assuma a liderança ou o protagonismo, em tradução livre], a iniciativa será desenvolvida a partir de um relatório recém-divulgado que avaliou o grau de diversidade das produções originais da empresa, exibidas no Brasil pela plataforma Starzplay.
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Entrevista: “A mudança é lenta, mas está acontecendo, diz Stephanie Levi-John
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Encomendado pela própria Starz ao Centro para Estudiosos e Contadores de Histórias da Universidade da Califórnia (UCLA, na sigla em inglês), o relatório analisou séries que foram ou serão exibidas entre janeiro de 2020 e dezembro de 2021, bem como as que estavam em produção até o mês de fevereiro de 2021. De acordo com o estudo, as mulheres são maioria em três posições: showrunners (54,6%), roteiristas (54,7%) e protagonistas (57,9%). Na direção, representam 43,7%, e na produção executiva, 41,2%.
As pessoas não brancas são maioria entre os protagonistas (63,2%) e os roteiristas (53,9%), representando 49,3% dos diretores, 47,1% dos produtores executivos e 45,5% dos showrunners. Falando especificamente de mulheres negras, elas são 18,1% dos diretores e 29,1% dos roteiristas. O relatório também avaliou a diversidade na própria liderança executiva da Starz, que tem 47,2% de mulheres e 30,8% de pessoas não brancas.
Mulheres são 43,7% dos diretores, 54,6% dos showrunners e 57,9% dos protagonistas das séries originais da Starz. Já pessoas não brancas representam 49,3% dos diretores, 45,4% dos showrunners e 63,2% dos protagonistas.
“Ainda estamos analisando os dados, mas planejamos fazer mudanças a partir deles”, afirmou Superna Kalle, vice-presidente executiva de redes digitais internacionais da Starz, em entrevista por e-mail ao Mulher no Cinema. “Embora a proporção de mulheres na direção esteja acima da média da indústria (43,7% contra 30%), nós pensávamos que ela seria mais alta, então esta provavelmente será uma área à qual estaremos atentos.”
Depois da divulgação do estudo, a próxima ação prevista pela #TakeTheLead é a realização de palestras sobre inclusão e transparência que envolverão líderes de agências, sindicatos, empresas e outras organizações do audiovisual. Mensais e com início em abril, estas palestras culminarão em um seminário, o Starz Summit.
Na entrevista ao Mulher no Cinema, Superna Kalle destacou o interesse do público, inclusive brasileiro, por séries com equipes, atores e temas mais inclusivos. “Alguns dos nossos conteúdos mais populares no Brasil, e também no mundo, são aqueles nos quais ouvimos as vozes das mulheres e minorias. Está claro para mim que a demanda por conteúdo inclusivo existe”, afirmou a executiva. “Ao buscarmos e cultivarmos vozes novas e histórias não contadas, oferecemos experiências mais originais e autênticas, levamos os espectadores a outro mundos e os apresentamos a personagens que eles não tinham visto na televisão antes.”
“Alguns dos nossos conteúdos mais populares no Brasil, e também no mundo, são aqueles nos quais ouvimos as vozes das mulheres e minorias. Está claro para mim que a demanda por conteúdo inclusivo existe” – Superna Kalle, vice-presidente executiva de redes digitais internacionais da Starz
A executiva também defendeu que empresas produtoras e distribuidoras de conteúdo sejam honestas em relação à diversidade de sua equipe e dos talentos por trás dos programas. “É importante que sejamos transparentes com a plateia quanto a quem somos e o que representamos. E acho que vivemos em um mundo no qual essa transparência vai se tornar regra”, opinou. “Como plataforma global de streaming, temos o importante papel de oferecer entretenimenro às massas. É importante que os consumidores possam saber quem está contando as histórias e quem está trabalhando dentro da empresa para que essas histórias façam sucesso.”
Duas das séries originais de maior sucesso da Starz foram criadas por mulheres negras: Power, de Courteney A. Kemp, e P-Valley, de Katori Hall. Produzida em parceria com Curtis Jackson, mais conhecido como 50 Cent, Power foi ao ar de 2014 a 2020 e contou a história de um traficante que quer deixar o crime. No estilo “universo Marvel”, o programa deu origem o spin-off Power Book II: Ghost, atualmente em exibição, e mais três estão em desenvolvimento: Power Book III: Raising Kanan, Power Book IV: Force e Power Book V: Influence.
Já P-Valley estreou no ano passado e foi rapidamente renovada para a segunda temporada. Buscando retratar o universo dos clubes de striptease pela ótica das mulheres, a série tem elenco formado majoritariamente por atrizes negras e escalou apenas diretoras em todos os seus primeiros oito episódios.
Em entrevista por telefone ao Mulher no Cinema, realizada em julho de 2020, Hall contou ter estabelecido uma espécie de “código de conduta” para definir como o universo de P-Valley deveria ser “articulado visualmente”. “Da posição ao movimento da câmera, buscamos não focar demais em nenhuma parte do corpo das mulheres, e sim na experiência delas”, afirmou a showrunner, destacando a frequência de closes no rosto que buscam “colocar o espectador na cabeça da personagem”.
Também entre os sucessos do Starzplay está a minissérie The Spanish Princess, que em duas temporadas narrou a história de Catarina de Aragão (1485-1536), a princesa espanhola que virou rainha da Inglaterra. Outras mulheres da corte de Henrique 8º também ganharam destaque no programa, desenvolvido como continuação de outras séries da Starz: The White Queen e The White Princess.
No caso de The Spanish Princess, tanto os criadores (Emma Frost e Matthew Graham) quanto a protagonista (Charlotte Hope) são brancos. Mas a série chamou a atenção por ser um dos raros dramas históricos sobre a realeza britânica que incluiu personagens e atores não-brancos. Durante a pesquisa, Frost e Graham descobriram registros de que Catarina chegara à Inglaterra acompanhada de uma dama de companhia de origem africana. Mesmo sem informações detalhadas, decidiram criar a personagem de Lina, que na ficção é filha de mouriscos e se apaixona por Oviedo, soldado espanhol fiel ao Islã.
A atriz Stephanie Levi-John, escolhida para interpretar Lina, vê sinais positivos no que diz respeito à representação dos negros no cinema e na televisão. “Há mais reconhecimento e mais luz está sendo lançada sobre atores não brancos”, afirmou, em entrevista ao Mulher no Cinema realizada via Zoom em setembro do ano passado. “Acho que embora a mudança seja lenta, ela está acontecendo.”
Luísa Pécora é jornalista e criadora do Mulher no Cinema
Foto do topo: Katori Hall e Kimberly Peirce no set de P-Valley – Crédito: Divulgação