Mia McKenna-Bruce alça voo em “How To Have Sex”: “Atuei sem medo de errar”

O ano que passou foi no mínimo marcante para Mia McKenna-Bruce, protagonista do premiado filme How To Have Sex, disponível no catálogo da MUBI. Em questão de poucos meses, a atriz inglesa de 26 anos passou por duas experiências intensas em si mesmas, e mais ainda quando combinadas: tornou-se mãe e estrela de cinema.

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McKenna-Bruce estava grávida de seis meses quando How To Have Sex venceu a mostra Um Certo Olhar do Festival de Cannes, e deu à luz um menino, Leo, em agosto. Seis semanas depois, encarou uma maratona de entrevistas para divulgar o filme, e em dezembro ganhou o troféu de melhor atuação no British Independent Film Awards, principal prêmio do cinema independente britânico, vencendo artistas como Tilda Swinton e Andrew Scott. Agora, concorre ao BAFTA, o Oscar do Reino Unido, na categoria de Estrela em Ascensão. 

“Meus dois sonhos viraram realidade ao mesmo tempo”, disse McKenna-Bruce, em uma conversa com jornalistas do qual o Mulher no Cinema participou. “Tem sido uma loucura, incrível, mágico e um pouco assustador. Mas acho que tem ajudado a me manter equilibrada: estou fazendo um monte de coisas excitantes, mas também tenho vômito de bebê no meu ombro.”


Não é que McKenna-Bruce tenha começado a carreira há pouco tempo. Seu primeiro papel creditado foi na série EastEnders, em 2008, quando tinha 11 anos, e seu currículo inclui programas infantojuvenis como Tracy Beaker Returns (2010-2012) e The Dumping Ground (2013-2018). Mais recentemente, ela atuou em séries como The Witcher (2019) e Ninguém Mandou (2020) e em filmes como Persuasão (2022).

Foi em How To Have Sex, porém, que a atriz encontrou seu primeiro papel de destaque. Ela interpreta Tara, jovem britânica que desembarca em Mália, na Grécia, com as amigas Skye (Lara Peake) e Em (Enva Lewis). Aos 16 anos, elas acabaram de prestar o chamado GCSE, uma prova que pode definir seu futuro acadêmico e profissional, e agora estão prontas para um feriado de sol, piscina, balada, álcool e sexo.

Tara é a única virgem e sente a pressão para transar. A oportunidade não demora a aparecer, já que o quarto ao lado hospeda os garotos Badger (Shaun Thomas) e Paddy (Samuel Bottomley), que também estão prontos para curtir. Mas ao seguir o roteiro do que uma jovem mulher supostamente deve fazer para ter “as melhores férias de todos os tempos”, Tara se sente cada vez mais desconfortável e passa sozinha por situações traumáticas.

Mia McKenna-Bruce em cena de “How To Have Sex”, dirigido por Molly Manning Walker – Foto: Divulgação/MUBI

É um interessante estudo sobre consentimento, no qual a atriz precisa expressar os complexos sentimentos que sua personagem não consegue verbalizar e muitas vezes tenta esconder. “O que Mia tem de mais incrível é a capacidade de mostrar várias emoções ao mesmo tempo: ela faz uma coisa, mas seus olhos dizem outra”, elogiou a diretora Molly Manning Walker, em outra entrevista da qual o Mulher no Cinema participou.

A atriz credita grande parte da preparação ao período de ensaio, que ocorreu primeiro em Londres e, depois, em Mália. Nestes ensaios, a diretora, que também é autora do roteiro, focou menos nos diálogos e mais no entrosamento dos elenco e na construção de histórias prévias. Esta colaboração próxima com a cineasta foi fundamental para McKenna-Bruce. “Molly confiou em mim e me fez ter confiança em mim mesma. Por isso pude me sentir vulnerável o tempo todo”, afirmou. “Foi a primeira vez que atuei sem medo de errar.”

Leia, abaixo, as respostas de Mia McKenna-Bruce para as perguntas do Mulher no Cinema:

*** Atenção: a conversa revela detalhes sobre algumas cenas do filme. ***

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Há muitas nuances no modo como How To Have Sex aborda sexo e consentimento, uma nuance que também está presente na sua atuação. Após viver uma situação traumática, Tara experimenta muitos sentimentos diferentes, questiona muitas coisas, disfarça outras, tem momentos de tristeza e também de alegria. Fale um pouco sobre como você navegou por todas estas emoções para transmiti-las tão claramente ao público, sobretudo considerando a dificuldade da personagem em compartilhar o que está sentindo.

Para nós, era muito importante que o público embarcasse nessa jornada junto com a Tara. Quando alguém passa por uma situação como a que ela passa, principalmente nesta idade, é muito difícil articular as coisas com palavras. Então, era preciso fazer isso com o rosto – retratar no rosto da Tara tudo o que ela estava sentindo. Trabalhamos muito nisso desde o começo, durante o período de ensaio, e passamos bastante tempo criando a história prévia da Tara, pois era importante que eu soubesse exatamente quem ela era. Acho, também, que todo esse processo foi auxiliado pelo próprio modo como a filmagem ocorreu. Nas primeiras duas ou três semanas, rodamos todas as cenas de festa. Depois chegamos ao que vem depois, à quietude comparada ao caos, e acho que o contraste entre esses dois momentos me ajudou. De forma geral, o principal era ter muito claro, a todo momento, onde Tara estava, de onde vinha e para onde estava indo.

O filme tem um olhar crítico em relação a alguns aspectos do comportamento jovem nesse tipo de viagem e de festa, mas nunca chega a ser moralista ou a tentar dizer algo como “não bebam” ou “não façam sexo”. Como alcançaram esse equilíbrio?

Isso também foi algo sobre o que conversamos desde o começo. Muita gente tem alguns dos momentos mais felizes da vida em viagens e festas como as do filme, e nunca foi nossa intenção assustar as pessoas a não viajar, não ir à balada ou coisa parecida. O filme não atribui culpa a ninguém, apenas defende que todos devem poder falar sobre sexo sem sentir vergonha. Molly queria que a pressão viesse de todos os lados, para não excluir ninguém da conversa. Por isso, a pressão para que Tara transe não vem só de Paddy, mas também de Skye.

Mia McKenna-Bruce em cena do filme “How To Have Sex”, de Molly Manning Walker – Foto: Divulgação/MUBI

O que você pode contar sobre a cena da praia, na qual Tara perde a virgindade? Como se preparou para ela e como foi a filmagem?

Foi uma cena para a qual nos preparamos muito. Tínhamos uma coordenadora de intimidade [Jenefer Odell] que participou dos ensaios em Londres e coreografou tudo a partir do momento em que pisamos na praia. Ensaiamos tudo o que acontece na água para estarmos confortáveis no dia da filmagem, e rodamos em set fechado, ou seja, com o mínimo de profissionais da equipe que precisava estar lá. Durante o período de ensaios pude conhecer Sam [Samuel Bottomley, o ator que interpreta Paddy] muito bem e criar uma relação de confiança com ele. Podíamos ser totalmente honestos um com ou outro, dizer como estávamos nos sentindo ou se precisávamos de uma pausa. A filmagem durou uma noite e foi quebrada em três seções: a parte antes de entramos na água, a parte dentro da água e a parte depois que saímos da água, que é quando Tara de fato perde a virgindade. Filmamos a primeira parte até o fim, e só depois passamos para a segunda e assim por diante, o que foi muito bom para não termos de repetir a sequência inteira toda vez.

Quando entrevistei a Molly, ela comentou que a cena que mais gosta no filme é aquela em que Tara e Badger sentam juntos na sacada do quarto de hotel e ficam em silêncio um ao lado do outro. O que você pode contar sobre este momento?

Esta cena foi rodada nos últimos dias de filmagem, quando todos estávamos meio tristes, porque não queríamos que acabasse. Isso nos ajudou a entrar no clima necessário para aquele momento da história. Se não me engano, ensaiamos essa cena apenas uma vez, ainda em Londres. Não queríamos ficar muito tempo nela para que não parecesse ensaiada demais. E tive muita sorte de ter Shaun [Thomas, ator que interpreta Badger] como parceiro, pois ele é incrível. De certa forma, fomos apenas jogando a bola um para o outro.

Mia McKenna em dois momentos do British Independent Film Awards: deixando o palco após ser premiada e abraçando a diretora Molly Manning Walker – Fotos: Scott Garfitt/Shutterstock e Ash Knotek/Shutterstock, ambas publicada no site do BIFA

Como é ter Molly como diretora?

Adoro a Molly e poderia falar sobre ela o dia inteiro. Como diretora, ela confiou muito em mim, e também me fez ter confiança em mim mesma. Por isso, pude me sentir completamente vulnerável o tempo todo. Foi a primeira vez que atuei sem medo de errar: ela me dava espaço para brincar com diferentes ideias e se as coisas não funcionavam, não tinha problema. Nesse filme aconteceu uma coisa que nunca acontece: sobrou tempo para a gente gravar. Acho que talvez tenha a ver com o fato de a Molly ser muito calma e de o clima do set ter sido muito relaxado. Ninguém tinha de ficar mais estressado do que o necessário, e aí sobrava tempo. Nestes momentos, ela fazia algo que chamávamos de “experimentos da Molly”. Ela dizia coisas como: “Ok, vamos nadar até aquela pedra e começar a dançar”. Ou seja, mantinha a energia lá no alto o tempo todo. Além de tudo isso, Molly é uma pessoa fenomenal, que não tem ideia do quão incrível é. Ela criou uma família para todo mundo que participou deste projeto. E, ainda por cima, deu a muita gente essa história e a possibilidade de ter esse tipo de conversa. Sinceramente, não há palavras: Molly é incrível e sou muito grata por ter trabalhado com ela.

Você estava grávida quando o filme foi exibido no Festival de Cannes e teve o bebê poucos meses antes de o filme estrear no Reino Unido e em mercados internacionais como o Brasil. Fiquei tentando imaginar como teria sido me tornar mãe e estrela de cinema ao mesmo tempo, e me pareceu uma loucura. Como tem sido essa experiência para você?

Você acertou: tem sido uma completa loucura! É como se eu tivesse me dividido em duas versões de mim mesma: a mãe Mia e a profissional Mia. Mas também tem sido incrível, porque meus dois sonhos viraram realidade ao mesmo tempo. E acho que tem me ajudado e a me manter equilibrada: estou fazendo um monte de coisas excitantes, mas também tenho vômito de bebê no meu ombro. É isso: tem sido uma loucura, incrível, mágico e um pouco assustador, principalmente no começo. Tive meu filho no final de agosto e seis semanas depois estava falando com a imprensa para divulgar o filme. Pensei: como vou fazer isso? Como vou conseguir ter uma conversa com alguém se não estou dormindo direito? Ou se estou preocupada com o bebê? De certa forma, acho que tudo isso também me ajudou a voltar a ser um ser humano.


Luísa Pécora é jornalista e criadora do Mulher no Cinema

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