5 perguntas para Julia Rezende, diretora de “Como É Cruel Viver Assim”

Era 2011 quando o ator Marcelo Valle apresentou o texto da peça Como É Cruel Viver Assim, de Fernando Ceylão, à diretora Julia Rezende. Ele pensava em um espetáculo para os palcos, mas ela achou que naquelas páginas existia um filme. “Fiquei encantada com a mistura de crítica social, drama humano, humor e pegada pop”, contou a cineasta, em entrevista ao Mulher no Cinema. “Tinha uma coisa nos diálogos que era bem ‘tarantinesca.'”

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Sete anos depois, Como É Cruel Viver Assim chega aos cinemas mantendo a verborragia e as principais características da peça de Ceylão (também autor do roteiro). Mas as mudanças pelas quais o País passou durante este período transformaram o modo como o público e a própria diretora enxerga os protagonistas. “Acho que estes personagens sem perspectiva, frustrados e desempregados são um retrato do Brasil de hoje”, afirmou Julia.

O filme é centrado em quatro amigos que levam vidas sem perspectivas na Baixada Fluminense. Vladimir (Valle) não consegue emprego e sente-se humilhado; sua namorada, Clívia (Fabiúla Nascimento), tenta manter os dois com o dinheiro que ganha em sua pequena lavanderia; Regina (Débora Lamm), foi dispensada do trabalho de babá; e Primo (Silvio Guindane) nunca conseguiu deixar a casa da mãe. Sem nenhum conhecimento sobre o mundo do crime, e buscando tanto dinheiro quanto uma espécie de respeito, eles se unem para uma missão ousada: sequestrar um homem riquíssimo.

Este é o quinto longa-metragem de Julia, após os sucessos de bilheteria Meu Passado Me Condena (dois filmes, de 2013 e 2015), Ponte Aérea (2015) e Um Namorado Para Minha Mulher (2016). Leia a entrevista ou assista aos principais trechos:

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O que te fez querer adaptar a peça para o cinema?
Fiquei encantada com essa mistura de crítica social, drama humano, humor e pegada pop. Tinha uma coisa nos diálogos que era bem “tarantinesca” e achei aquela mistura muito irreverente. Achei que dava um filme potente, forte. A gente adaptou com o próprio Ceylão, buscando manter a alma dos personagens e a verborragia que era uma característica muito presente no texto, e ao mesmo tempo ampliar o universo visual da peça, que se passava toda no mesmo cenário.

O texto chegou a você em 2011 e o filme está sendo lançando em 2018. Foi um período de sete anos em que muita coisa mudou no Brasil, então como você vê este momento do lançamento?
Quando a gente estava escrevendo o roteiro, e mesmo filmando, era um outro momento. Não tínhamos a 
consciência de que estávamos fazendo um filme que na hora do lançamento teria um viés tão político, tão analítico, de crítica da crise. Acho que esses personagens sem perspectiva, frustrados e desempregados são um retrato do Brasil de hoje, pós-golpe, com uma crise econômica muito forte. A sensação que a gente tem é a de que enxergamos essas pessoas nas ruas todos os dias.

Imagem do filme “Como É Cruel Viver Assim”, de Julia Rezende

O filme tem alguns elementos característicos da sua filmografia mas também mostra uma versatilidade sua. O humor é um pouco diferente e o romance existe, mas não é tão central na história. Você tem vontade de fazer trabalhos bem variados ou há um estilo ou gênero do qual gosta mais?
Tenho muito desejo de passear pelos gêneros. Fiz vários filmes que tinham humor, mas que de alguma maneira eram diferentes entre si. Nunca imaginei que fosse dirigir comédia, foi uma coisa que aconteceu. Mas acho que o humor é uma lente, uma ferramenta de empatia com o público, de contato com as pessoas. Acho que um filme como esse, que tem um olhar crítico e um drama forte, no momento em que tem humor, se aproxima muito das pessoas. Mas sim, adoraria fazer um filme de suspense, estou filmando uma série agora que é um drama de época. [Quero] ter a oportunidade de circular pelos gêneros, porque cada um tem suas particularidades visuais e estéticas. São exercícios diferentes de direção.

Você teve vários sucessos de bilheteria e a distribuição talvez seja a fase mais difícil do fazer cinema no Brasil. Qual a sua dica ou qual o segredo, o que é preciso buscar para se chegar ao público?
A gente está vivendo uma transformação muito grande no mercado audiovisual. Com a digitalização, as salas viraram outra experiência, porque você tem um filme em cada horário e isso mudou completamente a maneira de consumir cinema na sala. O streaming chegou com força irreversível, então muitas vezes as pessoas já [dizem]: “ah, esse filme não vou ver no cinema, vou esperar para ver em casa”. E acho que a gente ainda está digerindo isso. Os filmes médios estão sem espaço, os filmes pequenos estão sendo esmagados. É realmente uma crise na sala de cinema. Como a gente vai encontrar essa concorrência gigantesca? Os P&As [sigla em inglês para Print and Advertising Budget, o orçamento dedicado à produção de cópias do filme e à divulgação] dos lançamentos, para serem de fato competitivos, envolvem milhões e milhões de reais. E qual o espaço que um filme como esse pode ter? Acho que é uma pergunta para a gente discutir a fundo.

Que conselho você daria às mulheres que querem trabalhar no cinema?
Meu conselho é: se juntem com a sua turma. O cinema nasce do coletivo. A gente precisa encontrar nossa turma, nossos parceiros, não dá para fazer sozinho. Juntos, ficamos fortalecidos para reunir forças, energias e o talento de cada um.

 


Luísa Pécora é jornalista, criadora e editora do Mulher no Cinema

Foto do topo: Érika Mayumi para o FIM – Festival Internacional de Mulheres no Cinema

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