Greta Gerwig narra amadurecimento de mãe e filha em “Lady Bird”

Greta Gerwig é a quinta mulher na história a ser indicada ao Oscar de direção e a única a concorrer por seu primeiro longa-metragem solo (Nights and Weekends, de 2008, foi realizado em parceria com Joe Swanberg). A carreira está apenas começando, mas quem estiver familiarizado com seus trabalhos anteriores como atriz e roteirista não vai demorar a reconhecer Lady Bird: A Hora de Voar como um filme totalmente, digamos, gerwigiano.

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A artista americana despontou em Hollywood associada ao chamado mumblecore, subgênero do cinema independente americano marcado, entre outros traços, pela naturalidade dos diálogos e atuações. Em seu primeiro trabalho solo na direção, Gerwig demonstra o mesmo interesse em criar um filme com cara de vida real e personagens de fácil identificação.

Christine MacPherson (Saoirse Ronan), que prefere ser chamada de Lady Bird, cursa o último ano do Ensino Médio em um colégio católico de Sacramento, “o meio-oeste da Califórnia”, como ela define. Seu plano é finalmente deixar a cidade para estudar em Nova York ou algum lugar da costa leste onde a arte e a cultura estejam. Seu desempenho acadêmico, porém, não atinge a excelência exigida pelas universidades que quer frequentar, e a situação financeira da família não é das melhores. O pai está desempregado e a mãe, Marion (Laurie Metcalf), trabalha duro em um hospital, além de manter a casa funcionando. Os sonhos de Lady Bird batem de frente com o realismo de Marion, que gostaria que a filha reconhecesse o valor do lar e da vida que tem – o que, é claro, a maior parte de nós só consegue fazer depois que a fase já passou.

Muito se falou sobre os paralelos entre a personagem de Ronan e a vida pessoal de Gerwig, que também nasceu e cresceu em Sacramento, estudou em colégio católico e se mudou para Nova York para cursar a universidade. Mas o filme é tanto sobre Gerwig quanto sobre qualquer pessoa que, durante a adolescência, sentiu estar destinada a algo maior, não fosse o incompreensível azar de ter nascido em uma cidade banal ou em meio a circunstâncias econômicas pouco favoráveis. Em outras palavras, Sacramento poderia ser qualquer município brasileiro, e Lady Bird, alguém como eu ou você.

Greta Gerwig no set de “Lady Bird: A Hora de Voar” / Foto: Divulgação

Gerwig se cerca de personagens similares aos que escreveu e interpretou em Frances Ha (2012) e Mistress America (2015): pessoas comuns que reagem como podem às situações que a vida apresenta. No caso de Lady Bird, tais situações são típicas da adolescência: as discussões com a família, o momento de escolher a profissão, a preparação para o baile de fim de ano, a descoberta do sexo, o primeiro amor, o primeiro coração partido.

Como nos outros filmes de Gerwig, pouca coisa acontece, além, é claro, da própria vida. Apoiada por excelentes interpretações, sobretudo de Ronan e Metcalf, a diretora faz de Lady Bird uma reunião de cenas bem escritas – algumas divertidas, outras emocionantes, e por vezes as duas coisas. Seu foco continua sendo a amizade feminina, mas, aqui, há o diferencial de as protagonistas serem mãe e filha, e Gerwig aproveita todas as possibilidades de um tipo de relacionamento em que, num piscar de olhos, é possível passar da total sincronia para uma briga furiosa.

Gerwig também tem plena compreensão de que personagens femininas bem desenvolvidas não precisam ser perfeitas. Lady Bird é confiante, segura de si e vai atrás do que quer, mas tem seus momentos de egoísmo, de querer impressionar os outros e de supervalorizar o que não importa (morar no bairro rico, ser amiga da garota mais popular). Por sua vez, Marion torce e faz tudo o que pode pela felicidade da filha, mas tem imensa dificuldade de expressar carinho e de voltar atrás em suas posições mais duras. Não há dúvida de que sejam “mulheres fortes”, um termo muito usado atualmente e do qual pessoalmente não gosto. Mas Gerwig sabe que uma representação feminina de qualidade nas telas não supõe, necessariamente, a ausência de dúvidas, inseguranças, vulnerabilidades, defeitos ou – por que não? – fraquezas.

A expectativa criada pelas cinco indicações ao Oscar e o enorme sucesso de crítica nos Estados Unidos talvez frustre espectadores que esperam uma trama especialmente elaborada ou um insight muito inovador. Quem busca o Boyhood feminino, por exemplo, talvez o encontre no conteúdo, mas não na forma. De todos os concorrentes à estatueta desse ano, é bem possível que Lady Bird seja o mais despretensioso: um filme que se propõe e acompanhar o amadurecimento de mãe e filha em um momento de transição, e se contenta com a modesta, porém complexa tarefa de se contar uma boa história.

Veja o trailer de Lady Bird: A Hora de Voar:

Este filme passa no teste de Bechdel-Wallace. Clique para saber mais.“Lady Bird: A Hora de Voar”
[Lady Bird, EUA, 2017]
Direção: Greta Gerwig
Elenco: Saoirse Ronan, Laurie Metcalf, Beanie Feldstein, Tracy Letts.
Duração: 94 minutos


Luísa Pécora é jornalista, criadora e editora do Mulher no Cinema.

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