Criar um site em português sobre a participação da mulher no cinema era uma ideia antiga e poderia apontar algumas razões pelas quais finalmente a concretizei em 2015. Entre todas, porém, esta é a razão mais forte: nunca se falou tanto sobre o assunto.
Ou ao menos não nos últimos anos e não de forma tão pública. É claro que nada do que aconteceu em 2015 surgiu de repente – as coisas, na verdade, vêm acontecendo. Mas nos últimos meses o volume de notícias cresceu tanto que não dava mais para esperar. E por isso desde junho Mulher no Cinema tenta reunir, filtrar e divulgar o máximo de informações relevantes ao público brasileiro.
Foi um ano para não esquecer. E para não esquecermos mesmo, eis alguns dos momentos que marcaram 2015 para a mulher no cinema.
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JANEIRO
Feminismo no Globo de Ouro
A premiação teve tom feminista graças às apresentadoras Tina Fey e Amy Poehler e aos discursos das premiadas. Maggie Gyllenhall chamou a presença de “mulheres reais” nas telas de “revolução”; Juliane Moore elogiou os produtores de “Para Sempre Alice” por fazerem um filme sobre uma mulher de meia-idade; e Patricia Arquette agradeceu ao diretor de “Boyhood” por “lançar luz sobre milhares de mulheres” que não são valorizadas.
Um Oscar branco e masculino
O anúncio das indicações ao Oscar foram um balde de água fria: Ava DuVernay poderia ser a primeira negra a disputar o prêmio de direção, mas foi esnobada pela Academia. Com isso, nenhuma diretora ou roteirista foi indicada. E mais: nenhum negro conseguiu vaga entre os 20 concorrentes aos prêmios de atuação. O Oscar “mais branco” desde 1998 escancarou a falta de diversidade de Hollywood em geral e da Academia em particular.
FEVEREIRO
#AskHerMore no tapete vermelho
Uma campanha do grupo Representation Project (#AskHerMore ou “pergunte mais a ela”) pressionou entrevistadores a fazerem perguntas melhores para as atrizes no tapete vermelho: mais foco no trabalho, menos no vestido. Difícil precisar se funcionou, mas a campanha teve apoio público de várias artistas e inspirou ação similar no Emmy, quando a organização Smart Girls, de Amy Poehler, pediu que usuários do Twitter enviassem suas perguntas.
No palco do Oscar, Patricia Arquette pede igualdade
Nenhuma imagem simboliza melhor o Oscar 2015 do que a de Meryl Streep e Jennifer Lopez vibrando durante o discurso de Patricia Arquette, vencedora do troféu de atriz coadjuvante por “Boyhood”. No palco, ela fez um apelo pela igualdade: “A toda mulher que deu à luz, a todas as que pagam impostos e são cidadãs dessa nação…nós lutamos pelos direitos iguais de todas as outras pessoas. É hora de termos igualdade salarial de uma vez por todas. E direitos iguais para todas as mulheres nos Estados Unidos”, afirmou.
ABRIL
Amy Schumer vira sensação
O programa “Inside Amy Schumer” está no ar há alguns anos, mas em 2015 a comediante explodiu e virou nome forte do humor americano. Um dos pontos altos foi o esquete no qual falou sobre como Hollywood trata homens e mulheres conforme envelhecem. No vídeo, Tina Fey, Julia Louis-Dreyfus e Patricia Arquette brindam o último dia em que Dreyfus fora considerada atraente o bastante para certos papéis (veja abaixo, em inglês).
MAIO
Uma diretora abre o Festival de Cannes
“De Cabeça Erguida”, de Emmanuelle Bercot, deu a largada para a edição deste ano do evento que é um dos mais importantes da indústria cinematográfica. Foi a primeira vez que um filme dirigido por mulher abriu o festival desde 1987.
Heels-gate, o escândalo do salto alto
Mas Cannes também ficou marcado por uma polêmica: várias mulheres – incluindo a produtora Valeria Richter, que tem parte do pé amputado – disseram ter sido barradas nas sessões por não estarem usando salto alto. No fim, elas conseguiram entrar e o festival negou se tratar de uma exigência. Mas o debate já tinha degringolado. Em junho, na estreia de “Jurassic World – O Mundo dos Dinossauros”, a polêmica continuou: muita gente criticou a caracterização da personagem de Bryce Dallas-Howard, que passa o filme correndo das feras sem tirar o salto.
Maggie Gyllenhaal…velha?
Há tempos se fala sobre como mulheres mais velhas têm dificuldade de conseguir bons papéis, enquanto homens da mesma idade seguem sendo protagonistas. Mas a discussão foi renovada esse ano com uma declaração da atriz Maggie Gyllenhaal ao site “The Wrap”. Ela contou ter sido recusada a um papel porque, aos 37 anos, foi considerada velha demais para fazer par romântico com um homem de 55. Outras atrizes falaram sobre o assunto e levantamentos mostraram a enorme diferença de idade entre casais do cinema.
AGOSTO
Um estudo dimensiona o desastre
De todos os dados sobre o tema divulgados em 2015, talvez o mais impressionante tenha sido este: apenas 30,2% de todos os personagens com fala em 700 filmes que foram sucesso de bilheteria nos Estados Unidos entre 2007 e 2014 foram interpretados por mulheres. A pesquisa, feita por Stacy L. Smith e um grupo da Universidade do Sul da Califórnia, também mostrou que apenas 28 mulheres estavam entre os diretores dos 700 filmes.
Europa adota declaração por igualdade no cinema
Durante o Festival de Sarajevo, representantes de ministérios da cultura e fundos cinematográficos de diferentes países europeus adotaram uma declaração pedindo políticas para corrigir a desigualdade de gênero no cinema e na TV. O documento afirmou que as mulheres são “consideravelmente mal representadas em funções-chave da indústria cinematográfica” e que uma democracia verdadeira “deve fazer uso igual da capacidade, talento e criatividade de mulheres e homens”.
A diferença de salários na lista da Forbes
O ranking anual da revista com os artistas mais bem pagos do mundo evidenciou mais uma vez a diferença de salários entre atores e atrizes. Líder entre as mulheres, Jennifer Lawrence ganhou US$ 52 milhões em 12 meses – um valor bem alto, mas US$ 28 milhões mais baixo do que o obtido pelo líder dos homens, Robert Downey Jr. A segunda colocada da lista feminina, Scarlett Johansson faturou menos do que o quinto lugar entre os homens, Adam Sandler (!).
“Que Horas Ela Volta?” estreia – e com debate
Dirigido por Anna Muylaert, o filme brasileiro do ano conquistou o público com a história de uma empregada doméstica e sua filha. A bem-sucedida trajetória do longa, que foi escolhido como o candidato brasileiro ao Oscar (e infelizmente não conseguiu a vaga), incluiu um momento triste: um debate no Recife no qual Muylaert dividiu o palco com os cineastas Lírio Ferreira e Cláudio Assis. Nas redes sociais, muitos dos presentes disseram que os diretores aparentavam estar bêbados e impediram Muylaert de falar. As críticas na internet levaram o assunto à imprensa e o episódio pautou boa parte das discussões sobre a mulher no cinema brasileiro que pipocaram no segundo semestre.
SETEMBRO
Sandra Bullock num papel de George Clooney
“Our Brand is Crisis” foi um dos filmes mais comentados do Festival de Toronto, principalmente pela história dos bastidores. Um dos produtores, George Clooney, tinha cogitado assumir o papel principal. Um dia, recebeu uma ligação da atriz Sandra Bullock: “Sandy ligou e disse que queria o papel, que fora pensado para um homem”, contou. “Quando você vê o quão fácil é fazer a mudança, percebe que um monte de personagens femininos poderiam existir se as pessoas começassem a pensar dessa forma.”
Ava DuVernay foca em mulheres e minorias
Importante voz no debate sobre diversidade em Hollywood, Ava DuVernay fez mudanças em seu coletivo de distribuição, o African American Film Festival Releasing Movement. A empresa dedicada ao cinema independente passou a se chamar Array e a ter como missão distribuir trabalhos de mulheres, negros e outras minorias.
Viola Davis faz história no Emmy
“A única coisa que separa as mulheres negras de qualquer pessoa é oportunidade”. Foi a frase que marcou o discurso de Viola Davis ao receber o prêmio Emmy de melhor atriz de série dramática – na primeira vez que uma mulher negra venceu na categoria. Na mesma noite, a maior premiação da TV americana também entregou troféus para duas outras negras: Udo Aduba e Regina King.
https://www.youtube.com/watch?v=Dfpcy7oc1-w
OUTUBRO
Governo dos EUA investiga Hollywood
A Comissão para Oportunidades Iguais de Emprego, órgão do governo americano, abriu uma investigação para determinar se há discriminação contra diretoras mulheres no cinema e na televisão. Se considerar que sim, poderá ser o primeiro passo para uma ação coletiva contra estúdios, emissoras e outras empresas.
J-Law pergunta: por que ganho menos que meu costar?
Em um artigo na newsletter Lenny, criada por Lena Dunham, Jennifer Lawrence criticou duramente a diferença de salários entre homens e mulheres em Hollywood. No fim do ano passado, um ataque de hackers contra a Sony Pictures mostrou que a atriz ganhou menos que Christian Bale, Bradley Cooper e Jeremy Renner, colegas de elenco em “Trapaça”.
63 mulheres estampam a capa da revista do NYT
A participação feminina no cinema já foi discutida muitas vezes pelo jornal “New York Times”, sobretudo em reportagens e artigos da crítica Manohla Dargis. Em novembro, o assunto ocupou um espaço ainda mais nobre: a capa da revista semanal do jornal mostrou 63 mulheres que trabalham na indústria cinematográfica, todas entrevistadas em uma reportagem de grande repercussão.
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Mas depois de tudo isso, o que de fato mudou?
Na prática, não muita coisa. Estudos continuam mostrando a reduzida participação feminina no cinema e é bem provável que o Oscar 2016 seja tão pouco diverso quanto o deste ano.
Ao mesmo tempo, a sensação é de que um passo foi dado. Tantos discursos, notícias e discussões indicam – ou ao menos sugerem – que as mulheres do cinema estão cada vez mais dispostas a falar, e o público, mais disposto a ouvir e apoiar.
A desigualdade de gêneros no cinema é o assunto do momento. Precisa, agora, ser o assunto de sempre, até não ser mais assunto.
A desigualdade de gênero realmente nunca esteve tão viva no cinema.
Mas para fechar o ano com chave de ouro, fiz uma homenagem com as diretoras que se destacaram em 2015: http://www.peliculacriativa.com.br/2015/12/retrospectiva-onze-diretoras-de-cinema-que-arrasaram-em-2015.html
É interessante ler essa matéria. Durante a leitura me veio um pensamento. Quando Patricia Arquette discursou sobre a desigualdade enfrentada pelas mulheres foi aplaudida de pé. Quando os negros reclamaram da falta de negros na premiação, foram acusados de “racismo contra brancos”. Curioso isso né? Interessante perceber como Hollywood é seletiva quanto às suas empatias.