Do mumblecore ao blockbuster: quem é Greta Gerwig, diretora de “Barbie”

Greta Gerwig está de volta: a diretora e roteirista de Lady Bird: A Hora de Voar (2017) e Adoráveis Mulheres (2019) é a principal força criativa por trás de Barbie, aguardadíssimo filme inspirado na boneca da Mattel que estreia nesta quinta-feira (20) nos cinemas brasileiros.

Crítica: Em Barbie, Greta Gerwig navega entre a ironia e o merchandising
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Barbie representa um salto na carreira de Gerwig no que diz respeito a apelo comercial, escopo de lançamento e recursos de produção. Estima-se que o filme tenha custado US$ 145 milhões, um orçamento três maior do que o de Adoráveis Mulheres (US$ 40 milhões) e 14 vezes maior do que o de Lady Bird (US$ 10 milhões).

Quem é, então, a cineasta por trás de Barbie? Como uma artista que era conhecida como atriz de filmes independentes tornou-se diretora de um dos principal blockbusters do ano?

A trajetória de Gerwig tem alguns paralelos com à da protagonista de Lady Bird. Assim como a personagem, ela também nasceu em Sacramento, na Califórnia, frequentou uma escola católica e se mudou para Nova York para fazer faculdade. Sua intenção original era tornar-se dramaturga, um plano frustrado pelo fato de ter sido rejeitada em programas de mestrado da área. Gerwig interessou-se, então, pela atuação, e ainda durante os estudos na faculdade de Barnard conseguiu um papel em LOL (2006), de Joe Swanberg, sua estreia em longas.

imagem do filme "Nights and Weekends", dirigido por Greta Gerwig e Joel Swanberg
Imagem do filme “Nights and Weekends”, dirigido por Greta Gerwig e Joel Swanberg

A parceria com Swanberg rendeu outros frutos. Primeiro, os dois escreveram Hannah Sobe as Escadas (2007), com Gerwig atuando e Swanberg dirigindo. Depois, ambos atuaram, escreveram e dirigiram Nights and Weekends (2008), o retrato de um relacionamento à distância. Por causa destes filmes – e também de outros, como Baghead (2008), dos irmãos Jay e Mark Duplass -, Gerwig ficou conhecida como a it girl do chamado “mumblecore”: um subgênero do cinema independente americano bastante popular no período, marcado pelo baixo orçamento e pela naturalidade dos diálogos e atuações.

Em 2010, Gerwig atuou em O Solteirão, seu primeiro trabalho com o diretor Noah Baumbach (os dois começaram a namorar no ano seguinte, e hoje têm dois filhos). Contracenando com Ben Stiller e Jennifer Jason Leigh, a atriz manteve seu estilo de atuação. Na época, o crítico do New York Times A.O. Scott escreveu:

“Provavelmente sem ter essa intenção, Gerwig talvez seja a atriz definitiva de sua geração, um julgamento que ofereço com toda a sinceridade e certa ambivalência. Ela parece ter embarcado em um projeto, mesmo que muito modesto, de redefinir sobre o que falamos quando falamos sobre atuação. Parte da façanha dela é que, na maior parte do tempo, ela não parece estar atuando. A transparência de suas atuações tem menos a ver com uma técnica extremamente refinada do que com a aparente ausência de método. […] Ela é a embaixadora de um estilo cinematográfico que muitas vezes parece se opor à própria ideia de estilo.”

Após O Solteirão, Gerwig estrelou filmes como O Prato e a Colher (2011), de Alison Bagnall; Descobrindo o Amor (2001), de Whit Stillman; Lola Versus (2012), de Daryl Wein; e Para Roma, com Amor (2012), de Woody Allen. Mas foi Frances Ha (2012), dirigido por Baumbach, que lhe deu sua personagem mais conhecida.

Greta Gerwig em imagem do filme “Frances Ha” - Foto: Divulgação
Greta Gerwig em imagem do filme “Frances Ha” – Foto: Divulgação

Frances Ha é uma jovem que vive em Nova York e tem o sonho de ser dançarina, ainda que quase nada em sua vida aponte em direção a isso. Gerwig escreveu o roteiro ao lado de Baumbach, mas nem sempre os dois receberam o mesmo reconhecimento, como ela contou em entrevista à New York Times Magazine:

“Costumava me magoar muito quando as pessoas diziam: ‘Você ajudou a escrever o roteiro?’ E eu respondia: ‘Eu coescrevi, não ajudei a escrever.”

A dupla Gerwig-Baumbach escreveu mais um filme, Mistress America (2015), sobre duas irmãs postiças de personalidades radicalmente diferentes que vivem aventuras em Nova York. Mais uma vez, ele assumiu a direção, enquanto ela interpretou a protagonista. 

Foi quando terminou o roteiro de Lady Bird que Gerwig decidiu voltar ao papel de diretora – e desta vez, em um trabalho solo. À New York Times Magazine, ela disse:

“Pensei: ‘Sim, ainda há mais coisas para aprender. Mas você não vai continuar aprendendo sem fazer. Você só vai aprender a próxima parte se for em frente.’”

Lady Bird acompanha um ano na vida de Christine (Saoirse Ronan), que está prestes a concluir o colegial e quer estudar em universidades nova-iorquinas, apesar do histórico escolar mediano e das dificuldades financeiras de família. Como em Frances Ha e Mistress America, o coração do filme está na relação de duas mulheres – no caso, Christine e sua mãe, Marion (Laurie Metcalf). “Esta é a história de amor central”, contou a diretora. “Não conheço uma mulher que não tenha uma relação complicada, louca e linda com a mãe.”

Com Lady Bird, Gerwig tornou-se a quinta mulher da história a ser indicada ao Oscar de direção, tendo sido indicada, também ao prêmio de roteiro originalLady Bird ainda foi indicado a atrizatriz coadjuvante e melhor filme – na época, apenas o décimo terceiro longa-metragem dirigido por mulher a disputar na categoria. 

Greta Gerwig e o diretor de fotografia Yorick LeSaux no set de "Adoráveis Mulheres"
Greta Gerwig e o diretor de fotografia Yorick LeSaux no set de “Adoráveis Mulheres”

Antes de lançar Lady Bird, Gerwig foi contratada para escrever o roteiro de uma adaptação de Adoráveis Mulheres que estava sendo desenvolvida pela produtora Amy Pascal. Sucesso de vendas desde que foi publicada pela primeira vez, em 1868, a obra sobre as irmãs Jo, Meg, Beth e Amy March já fora levada ao cinema outras seis vezes entre 1917 e 2018, além de ter sido adaptada para teatro, TV, óperas e animes.

Em entrevistas, Gerwig contou ter lido Adoráveis Mulheres várias vezes durante a adolescência, quando começou a se interessar pela escrita assim como a protagonista, Jo March. Anos depois, quando releu a obra já adulta, sentiu que as palavras da autora Louisa May Alcott, publicadas há tanto tempo e já tão conhecidas, tinham algo a dizer sobre os tempos atuais. Ela procurou Pascal e conseguiu ser escolhida para escrever o roteiro. Após o sucesso de Lady Bird, foi convidada a assumir também a direção do filme.

O roteiro de Gerwig usa muitas passagens e diálogos da obra original, mas também faz algumas mudanças importantes, como abandonar a estrutura cronológica dos acontecimentos e tornar o final da história mais atual. Sucesso de crítica, o filme concorreu a seis Oscars, incluindo melhor filme.

Greta Gerwig com os atores Ryan Gosling e Margot Robbie no set de "Barbie" - Foto: Divulgação
Greta Gerwig com os atores Ryan Gosling e Margot Robbie no set de “Barbie” – Foto: Divulgação

Muita gente se surpreendeu quando, em 2019, Gerwig e Baumbach assinaram contrato para escrever um filme de live-action sobre a Barbie. O projeto era bem mais antigo: ao longo de dez anos, a Mattel manteve negociações com três estúdios e diferentes roteiristas (Jenni Bicks, Diablo Cody, Amy Schumer, entre outras), atrizes (Schumer, Anne Hathaway) e diretoras (Alethea Jones, Patty Jenkins). Fechou negócio, finalmente, com a Warner Bros. Pictures e a atriz Margot Robbie, que também assumiu a função de produtora. Foi ela quem convidou Gerwig para assumir o roteiro, prometendo liberdade para contar a história que quisesse.

Em entrevista ao jornal de Guardian, Gerwig disse ter sentido medo de aceitar o convite:

“Não é como [adaptar] super-heróis, pois eles já têm uma história. Sentia que era, sim, uma adaptação, mas o que estávamos adaptando era uma boneca – um ícone do século 21. Parecia que, de tão complicado, problemático e estranho, talvez pudesse haver algo interessante para ser descoberto ali.”

Foi só mais tarde, quando o roteiro já estava pronto, que Gerwig decidiu assumir a direção: “Eu tinha me apaixonado [pelo projeto] e não ia aguentar ver outra pessoa dirigir”, disse ao The Guardian.

No filme, a protagonista interpretada por Robbie começa a notar “falhas” em sua vida no mundo das Barbies, que até então era perfeita. Para solucionar o problema, ela tem de ir ao mundo real e se conectar com a menina que está brincando com ela. “A história é sobre a Barbie, uma boneca de plástico, mas também acaba sendo sobre o que é ser humano”, definiu Gerwig.

A estreia do longa acontece em um momento delicado para Hollywood: além de atores e roteiristas estarem em greve, a maior parte dos “filmes de verão” lançados até agora teve resultados abaixo do esperado. O mercado está apostando em Barbie para reverter a tendência, e prevendo que a arrecadação no primeiro fim de semana fique entre US$ 95 e US$ 110 milhões apenas na América do Norte. 

Independentemente do que acontecer, Gerwig já tem um novo trabalho em vista: ela vai escrever e dirigir dois filmes da série As Crônicas de Nárnia para a Netflix.


* Texto originalmente publicado em janeiro de 2020 e atualizado em 20 de julho de 2023

Foto do topo: Photo by Han Myung-Gu/WireImage

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