Uma das mais importantes cineastas de todos os tempos é tema de exposição inédita no Rio de Janeiro. Em cartaz no Oi Futuro até 27 de janeiro, Chantal Akerman: Tempo Expandido reúne videoinstalações da diretora belga na primeira grande exibição solo de seu trabalho desde sua morte, em 2015.
Akerman ainda estava viva quando o diretor artístico Beto Amaral começou a pensar a exposição. Os dois, aliás, chegaram a trocar e-mails e a fazer ligações de vídeo via internet para definir os primeiros passos do projeto. “Ela era muito direta, prática, sabia bem o que queria”, contou.
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A morte da diretora suspendeu os planos da exposição, retomados em 2016 com a montadora Claire Atherton, colaboradora de Akerman por mais de 30 anos e que hoje lidera a fundação que leva o nome da artista. Amaral seguiu o desejo da cineasta pela escolha de uma mulher na curadoria, que ficou a cargo de Evangelina Seiler. Para ela, foi um convite diferente: além de nunca ter trabalhado sem contato direto com o criador, Seiler também não conhecia a obra de Akerman. Em pouco tempo, porém, tornou-se fã. “Foi uma identificação imediata, pois vivemos os mesmos períodos e lugares”, afirmou, em entrevista ao Mulher no Cinema. “Isto criou a vontade de conhecer e explorar cada vez mais o universo da Chantal.”
Ela também disse entender a opção da diretora por uma curadora mulher. “Acho que uma mulher entra mais dentro do universo feminino que Chantal soube explorar tão bem, da domestificação da mulher e do feminino, que muitas vezes na época não era nem percebido como uma forma de encarceramento.” A pesquisa, segundo ela, foi fundamentada primeiro no que a própria cineasta disse sobre seu trabalho, e depois em textos de críticos e artistas que conviveram com ela ou tiveram sua obra como inspiração. “Foi com o olhar da Chantal que conheci o trabalho da Chantal. A base foi ouvir Chantal por Chantal.”
Seiler selecionou as obras em colaboração próxima com Atherton e norteada pelo conceito de tempo, central na obra da cineasta. “O título é Tempo Expandido porque foi com essa experiência visual e essa exploração dentro da obra da Chantal que fui me aproximando”, explicou a curadora. “É um tempo que se expande, que não está contido no tempo cronológico, porque a maneira de perceber o tempo é diferente para cada pessoa.”
“Foi com o olhar da Chantal que conheci o trabalho da Chantal. Depois li os textos de críticos, artistas que trabalharam com ela e que têm sua obra como inspiração. Mas a base da pesquisa foi ouvir Chantal por Chantal”
– Evangelina Seiler, curadora da exposição
Sendo assim, a exposição por princípio requer uma visita sem pressa. As instalações têm entre dez e 34 minutos e, como nos filmes da diretora, convidam o espectador a observar o tempo e a senti-lo passar diante de imagens nas quais, à primeira vista, pouco ou quase nada parece acontecer.
A primeira sala reúne duas obras nunca antes expostas juntas: La chambre (2012), desenvolvida a partir do filme homônimo de 1972, e Tombée de nuit sur Shanghai (2009), criada a partir de Anoitecer em Shanghai, parte do filme O Estado do Mundo (2007). Na primeira obra, a tomada panorâmica de um quarto passa lentamente pelos detalhes do cômodo e revela a figura da própria Akerman deitada na cama. A segunda usa a câmera estática que é característica da diretora para capturar o ambiente do porto chinês – e foi, segundo Amaral, uma das obras que a cineasta manifestou o desejo de exibir nas conversas iniciais sobre a exposição.
No andar seguinte, talvez o mais contundente da exibição, está Maniac summer (2009), instalação de projeção múltipla na qual as imagens de um vídeo central são isoladas, modificadas e repetidas em painéis adjacentes. Ali, uma câmera em frente à janela captura sons e imagens de Paris, além de voltar-se também ao cotidiano da própria diretora. Separada por uma parede está a obra My mother laughs, prelude (2012), que mostra a artista fazendo algo do qual gostava muito: ler em voz alta. No caso, trata-se de trechos de seu livro sobre a mãe, Natalia, influência-chave em seu trabalho e tema de seu último longa, Não É um Filme Caseiro (2015).
A exposição se completa com a projeção única In the mirror (2007), realizada a partir do filme A Amada Criança ou Eu Toco para Ser uma Mulher Casada (1971), no qual uma mulher olha o seu corpo no espelho de costas para o público, que a conhece apenas pelo reflexo.
“Não quero que as pessoas pensem que têm de entender isso ou aquilo, ou que não são inteligentes o bastante para entender o trabalho de Akerman. Ela era tão simples. Não era uma artista intelectual, complicada. Não há um jeito único de entendê-la.”
– Claire Atherton, colaboradora de Akerman e consultora artística da exposição
Por enquanto, há vontade dos realizadores em levar a exposição a outras cidades brasileiras, mas nenhum plano ou acordo fechado. Nas paredes do Oi Futuro, as salas de exibição são acompanhadas por frases de Akerman e também de Claire Atherton, expostas em paredes pintadas de azul.
Atherton aprovou estas escolhas por transmitirem simplicidade. “Não quero que as pessoas pensem que têm de entender isso ou aquilo, ou que não são inteligentes o bastante para entender o trabalho de Akerman”, afirmou. “Ela era tão simples. Não era uma artista intelectual, complicada. Não há um jeito único de entendê-la.”
Durante conversa com jornalistas momentos antes da abertura da exposição, a montadora repetiu várias vezes o desejo de não explicar o significado das obras e lamentou ter contado, em outra entrevista, o que Akerman sentira quando criou um dos trabalhos. “Isso não é interessante: o interessante é o que fica para cada um.”
Ela exemplificou dizendo que, ao observar os jornalistas na sala de Maniac summer, pensou em duas novas palavras para definir a obra: caos e carinho. “Não teria dito isso na semana passada”, afirmou Atherton. “O trabalho está vivo. Se você o trata com respeito e humildade, se deixa ele se mover e não o força a significar isso ou aquilo, ele continua vivo. Ele se move e continua se movendo.”
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Chantal Akerman: Tempo Expandido
Visitação: 27 de novembro a 27 de janeiro
Horários: terça a domingo, das 11h às 20h
Local: Oi Futuro – Rua Dois de Dezembro, 63 – Rio de Janeiro (RJ)
Entrada: franca – mais informações no site do Oi Futuro
Luísa Pécora é jornalista e editora do Mulher no Cinema. Ela viajou ao Rio de Janeiro a convite da Oi