Olga Baillif fala sobre os bastidores e a música de “Ao Redor de Luisa”

A cineasta suíça Olga Baillif tem um motivo e tanto para estar em São Paulo: a cidade é palco da estreia mundial de seu primeiro longa-metragem de ficção, Ao Redor de Luisa, drama que integra a competição de novos diretores e a seção dedicada ao cinema suíço da Mostra Internacional de Cinema.

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Como o título indica, Ao Redor de Luisa gira em torno de uma mulher: uma cantora de 40 anos que tem uma banda com seu companheiro, o guitarrista Julien. Depois de um show, o pai de Luisa, que ela não vê há anos, a procura para contar que sofre de uma doença grave. Ela, então, passa a questionar seus relacionamentos, decisões e identidade artística. No centro desta investigação está a música, com forte presença em cenas de shows, ensaios, gravações e momentos de composição. Para filmar um retrato autêntico do processo criativo musical, Baillif não usou playback e escalou músicos de verdade: a americana Pieta Brown e o francês Bertrand Belin, que criaram letra e música para as canções da ficção.

Com experiência no curta-metragem (entre eles o premiado Nuit de Noces, de 2002) e no documentário (com Kint, de l’autre côté, de 2004), Baillif considerou a estreia no longa de ficção um grande aprendizado. Na entrevista a seguir, ela fala sobre os bastidores da filmagem, dá detalhes sobre a escolha de elenco e conta como é ser uma cineasta mulher na Suíça.

A produtora Eugenia Mumenthaler e a diretora Olga Baillif, de "Ao Redor de Luisa" - Foto: Mario Miranda Filho/ agenciafoto.com.br
A produtora Eugenia Mumenthaler e a diretora Olga Baillif – Foto: Mario Miranda Filho/ agenciafoto.com.br

Por que você quis contar essa história em seu primeiro longa-metragem de ficção?
Eu tinha lido uma entrevista com uma cantora americana [Lisa Germano] e ficado surpresa ao saber que, no intervalo das turnês e das gravações, ela trabalhava em uma livraria. Pensei: “Ela é famosa, tem um nome. Que estranho.” Fiquei com vontade de fazer algo sobre uma cantora, ver o modo de vida dela…esta foi a primeira ideia. Depois, vi um show de outra banda [preferiu não revelar qual] em um pequeno clube de Nova York e fiquei bem perto da cantora. Ela era incrível, tinha muita presença. Fiquei curiosa para saber o que havia por trás do palco, como o processo criativo musical começava e como se desenvolvia. Então decidi fazer um filme sobre uma cantora, ainda que eu mesma não seja uma musicista.

Você escalou músicos de verdade como protagonistas. Como foi o processo de escolha?
Foi longo. Desde o começo pensei que o filme precisava ter músicos de verdade, porque com música não dá para enganar. Trabalhei com o diretor de elenco francês Alexandre Nazarian, vimos muitos vídeos e fomos a vários shows. Era complicado porque queria que uma pessoa do casal falasse francês e a outra, inglês. Não importava tanto se seria o homem ou a mulher, mas queria que fossem duas origens diferentes. E havia outra dificuldade, que era o fato de os personagens terem 40 anos. No caso das mulheres, aos 40 ou você é muito famosa e tem uma carreira, ou já desistiu porque é muito difícil viver de música. Há muitas opções se você procura alguém com 30 anos, mas dez anos depois é outra coisa.  Buscamos primeiro na França, na Suíça e na Bélgica, e posteriormente abrimos a países da Escandinávia. Depois de um tempo, ficou claro que eu tinha boas opções para o personagem de Julien na França. Então passamos a buscar a atriz nos Estados Unidos. Procuramos em festivais, falamos com muita gente e finalmente eu tinha duas cantoras americanas e dois músicos franceses. Fizemos testes musicais e de atuação entre eles e rapidamente ficou claro [qual era o casal ideal].

A própria dupla de protagonistas compôs as músicas do filme. Você participou desse processo?
Sim, dei instruções. No caso dela, disse que queria letras com este e aquele tema, porque as canções entrariam em determinado momento do roteiro. No caso dele, dei algumas referências, mas de uma forma bastante aberta, porque a música que ele faz foi uma das razões de tê-lo escolhido. O mais interessante foi que realmente houve um encontro musical entre os dois. Eles fazem tipos de música bem diferentes, ele tem o mundo musical dele e ela tem o dela, mas combinou.

Pieta Brown e francês Bertrand Belin em cena de "Ao Redor de Luisa"
Pieta Brown e Bertrand Belin em cena de “Ao Redor de Luisa”

É possível ouvir as músicas da banda do filme? Há um disco ou playlist disponível?
Não. É claro que falamos sobre isso, mas trata-se de um pequeno filme independente e não conseguimos dar conta de tudo. Sonhamos com isso, mas no fim não foi possível.

Talvez vocês ainda lancem?
Talvez.

As cenas musicais do filme são muito autênticas. Tudo foi gravado ao vivo?
Claro. Eu queria ter momentos musicais reais, então eles precisariam tocar de verdade durante as filmagens.

Foi muito complicado em termos de questões técnicas, captação de som?
Não foi tão complicado. Todo mundo me disse que ia ser muito difícil, mas no fim não foi tão difícil assim. Tínhamos dois engenheiros de som: um para o filme e um para a música. E eles trabalharam juntos para fazer o melhor possível. Também tivemos duas mixagens diferentes, que depois foram combinadas em uma só. Foi mais difícil para os atores, que tinham de tocar sua música e interpretar os personagens ao mesmo tempo. Foi um desafio, mas ensaiamos bastante, tanto a atuação quanto a música, e eles aprenderam. Era absolutamente necessário, e eles se acostumaram.

O filme faz sua estreia mundial em São Paulo. Como tem sido essa experiência?
Muito boa. Estou muito feliz [com a estreia na Mostra] e também por poder descobrir esta cidade incrível e descobrir como o cinema é vivo aqui. Fiquei triste de os atores e a equipe não estarem na estreia. Mas acontece.

Cena do filme "Ao Redor de Luisa", de Olga Beillif
Cena do filme “Ao Redor de Luisa”, de Olga Beillif

Qual foi o maior desafio nesta passagem para o longa-metragem?
Foram muitos! Em primeiro lugar, o processo de escrita do roteiro. Depois, a direção de atores: dirigi-los bem e encontrar uma boa maneira de trabalhar com ele. Depois, a mise-en-scène. Mesmo eu tendo feito outros filmes antes, foi para mim o que em francês chamamos de baptême du feu  um batismo de fogo [risos].

Como é ser uma cineasta mulher na Suíça?
Temos falado muito sobre este assunto. De certa forma, não posso dizer que é difícil, porque consegui traçar meu caminho. Mas as estatísticas estão mostrando que há uma grande desigualdade. E isso me faz pensar. Acho que minha carreira aconteceu devagar – se é que podemos usar essa palavra, da qual não gosto -, porque sou uma pessoa devagar, que faz as coisas por etapas. Mas talvez isto não seja algo totalmente independente do fato de eu ser mulher. Claro que um pouco [do ritmo no qual a carreira se desenvolveu] se deve a quem eu sou, minha personalidade, meu caráter. Mas provavelmente há este outro aspecto. Acho importante dizer, também, que não é tão fácil gerenciar uma grande equipe, estar nessa posição de poder. Quando você está na direção, precisa aprender a estar nesta posição – e este foi um dos maiores aprendizados que tive durante as filmagens. Não é só uma questão de mulheres versus homens, é também algo dentro de nós mulheres. É interessante perceber que às vezes não nos permitirmos estar ali, ou até nos permitimos, mas colocamos algumas barreiras. Acho que as coisas estão se mexendo, mudando. É muito bom focar nesse aspecto, refletir sobre ele e debatê-lo.

Qual conselho você daria para as mulheres que querem ser diretoras?
Saiam e façam. Confiem em si mesmas e façam.


Sessões na Mostra Internacional de Cinema em São Paulo:

  • 25/10, às 15h45, no Espaço Itaú de Cinema – Frei Caneca
  • 28/10, às 13h30, no Espaço Itaú de Cinema – Frei Caneca

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