Novo filme de Lynne Ramsay, Você Nunca Esteve Realmente Aqui finalmente chega aos cinemas brasileiros, mais de um ano após receber dois prêmios no Festival de Cannes: ator para Joaquin Phoenix e roteiro para a própria diretora.
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Fãs da escocesa estão de certa forma acostumados a esperar: em mais de 20 anos de carreira, ela lançou apenas quatro longas. O anterior, Precisamos Falar Sobre o Kevin, é de 2011 e deveria ter sido seguido por Em Busca da Justiça (2015), do qual Ramsay se desligou no início da filmagem por desavenças com os produtores. Situação similar ocorrera anos antes, quando sua adaptação do livro Uma Vida Interrompida, de Alice Sebold, foi substituída pela versão mais fiel e comercial oferecida por Peter Jackson, que não agradou nem público nem crítica com Um Olhar do Paraíso (2009).
O novo trabalho de Ramsay também leva uma obra literária ao cinema, no caso You Were Never Really Here, escrito por Jonathan Ames. O filme conta a história de Joe (Phoenix), solitário veterano de guerra que ganha a vida encontrando garotas desaparecidas – o que, em geral, envolve matar os responsáveis pelo desaparecimento. Tudo corre bem e sem erros até que Joe é contratado para resgatar Nina (Ekaterina Samsonov), filha de um político que foi levada a uma casa de prostituição. O que parecia ser apenas mais um trabalho acaba revelando uma rede criminosa que envolve gente poderosa, e Joe decide fazer tudo o que for possível para proteger a menina.
Há paralelos entre o filme de Ramsay e Taxi Driver (1976), de Martin Scorsese, mas a diretora negou se tratar de uma homenagem consciente. Ao Telegraph, ela definiu Você Nunca Esteve Realmente Aqui como “um filme de ação sobre crise de meia-idade”, e afirmou que a sinopse presta um certo desserviço a um trabalho que considera bastante experimental: “Gostaria que [o resumo] dissesse apenas: ‘aproveite a viagem.'”
“Aproveite”, porém, é uma palavra não tão facilmente associada aos filmes de Ramsay, que costumam tratar de traumas, culpa, violência. A diretora é craque em causar incômodo quase constante, não com imagens chocantes, excesso de sangue ou fetichização da violência, mas sim pelo clima pesado e desesperançoso que domina a tela. Você Nunca Esteve Realmente Aqui é igualmente duro de assistir, e Ramsay pesa um pouco a mão em alguns momentos, sobretudo quando recorre a flashbacks que levam Joe de volta aos abusos do pai na infância e às experiências vividas na guerra. Se Precisamos Falar Sobre Kevin partia da tragédia em uma escola, o novo filme explora outro drama americano contemporâneo ao abordar o estado emocional dos veteranos, abandonados pelo Estado, assombrados pelo trauma e incapazes de se afastar do ciclo de violência e morte.
A cineasta tem o cuidado, porém, de não reduzir Joe a um tipo, preferindo construir um personagem com várias camadas – um assassino que também ajuda a mãe idosa a polir talheres. “Me disseram que você é brutal”, diz um cliente. “Eu posso ser”, responde o protagonista, num diálogo que o define muito bem. Joe não é uma coisa só: é violento e carinhoso, destemido e inseguro, está no controle e também em estado de desespero.
Muito bem escalado, Phoenix tem uma das melhores atuações da carreira ao trabalhar tantas emoções conflitantes, além de lidar muito bem com o humor do roteiro. Há algo de ao mesmo tempo triste, engraçado e assustador toda vez que o ator está em cena, inclusive no próprio visual do herói justiceiro acima do peso, barbudo e desgrenhado. Ele é um ponto alto da viagem de Ramsay, que não é perfeita nem exatamente prazerosa, mas sempre muito interessante.
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“Você Nunca Esteve Realmente Aqui”
[You Were Never Really Here, Reino Unido/França/EUA, 2017]
Direção: Lynne Ramsay
Elenco: Joaquin Phoenix, Judith Roberts, Ekaterina Samsonov.
Duração: 89 minutos
Luísa Pécora é jornalista, criadora e editora do Mulher no Cinema.