Março foi o primeiro mês da campanha #52FilmsByWomen aqui no Mulher no Cinema. Para quem chegou agora, eu, Letícia Mendes, topei fazer parte desta iniciativa mundial e vou assistir a um filme dirigido por mulher por semana durante um ano – totalizando 52 títulos e dividindo a experiência com vocês, leitores.
Após termos iniciado a campanha com a portuguesa Salomé Lamas e seu “Eldorado XXI” (foto acima), as outras três diretoras escolhidas para este mês foram a alemã Maren Ade, a brasileira Marília Rocha e a francesa Valérie Donzelli. Relaciono os filmes delas para que possamos prestar mais atenção à abordagem feminina em histórias que trazem questões universais entre pai e filha, entre amigas e entre homem e mulher. Esses três longas de ficção, que estiveram em cartaz no Brasil ao mesmo tempo, mexem com vários tipos de sentimentos, e acho que é por conta dessa busca por um entendimento da humanidade que ainda há cinema.
Maren Ade é uma mulher poderosa da indústria de cinema na Alemanha, mas confesso que Toni Erdmann foi o primeiro filme dela que eu vi e do qual ouvi falar – uma vergonha que será reparada assim que eu assistir aos seus filmes anteriores: The Forest for the Trees (2003) e Todos os Outros (2009). O que mais gostei de Toni Erdmann é exatamente o que já sei que não vou gostar no remake americano com o Jack Nicholson (sim, eu julgo Hollywood): Maren Ade soube exatamente como apontar o distanciamento entre o professor primário Winfried (o pai) e a consultora Ines (a filha) sem ser piegas. A importância que Ines dá a agradar seus clientes e atingir seu objetivo profissional, afastando-se de seu lado humano, é a mesma que seu pai dá a aproximar-se da filha. Ambos vestem personagens: ele, o de Toni Erdmann, e ela, a de quem acredita na existência de Toni Erdmann. Assim, colocando e tirando máscaras, é que amadurecemos e aprendemos lições.
Já A Cidade Onde Envelheço é a primeira ficção da diretora Marília Rocha. Antes, ela fez documentários. Um deles sobre homens que conduzem gado no sertão (Aboio, 2005), outro sobre o etnólogo português Acácio Videira e sua mulher Maria da Conceição (Acácio, 2008), e outro sobre garotas que vivem na Serra do Espinhaço (A Falta que me Faz, 2009). E olha, Marília, essa sua ficção bateu forte na minha realidade. A atuação das portuguesas Elisabete Francisca e Francisca Manuel faz o filme ir além de um retrato sobre amizade entre mulheres imigrantes no Brasil. A relação delas com Belo Horizonte (MG) nos faz refletir sobre como vivemos na nossa própria cidade. Será que somos a Teresa, que acabou de chegar e vê brilho em tudo? Ou somos a Francisca, que já está lá e encara a rotina de outra forma? Acho que temos tanto a aprender com essas duas. Eu veria uma série de TV sobre elas, com certeza.
Outra diretora de imenso bom gosto e grande ousadia é Valérie Donzelli. Ela também é atriz e roteirista, e acho que seu filme mais conhecido no Brasil é A Guerra está Declarada (2011). Marguerite & Julien é seu primeiro “drama de época”. Coloco entre aspas porque Valérie deixa claro em uma introdução que essa história poderia se passar em todas as épocas. E ainda mais claro ao colocar, logo na primeira cena, helicópteros sobrevoando personagens com figurino dos tempos em que a França era uma monarquia. O caso de amor entre os irmãos Julien e Marguerite de Ravelet, filhos de Jean de Ravalet, o senhor de Tourlaville, realmente aconteceu em 1603. Mas Valérie pega a questão do incesto – um grandíssimo tabu histórico – e, com seus recursos cinematográficos, a atualiza de modo a nos fazer pensar que amores proibidos sempre existirão.
* Letícia Mendes é jornalista e aceitou nosso convite para aderir à campanha #52FilmsByWomen. Ela vai assistir a um filme dirigido por mulher toda semana durante um ano e dividir a experiência com a gente. Os títulos são revelados sempre às segundas-feiras no Facebook, Twitter e Instagram. Clique aqui para saber mais.