Presidente do júri do Festival de Veneza deste ano, a diretora argentina Lucrecia Martel defendeu a adoção de cotas para filmes dirigidos por mulheres nos festivais de cinema. Em entrevista coletiva nesta quarta-feira (28), ela também afirmou que vai assistir ao filme do diretor Roman Polanski que está em competição, mas não vai participar do jantar de gala em sua homenagem ou parabenizá-lo.
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De acordo com relatos da imprensa americana, tanto as cotas quanto Polanski representaram dois pontos de discordância entre Martel e o diretor do Festival de Veneza, Alberto Barbera. Entre os principais festivais, Veneza tem se mostrado o menos empenhado em melhorar a representação feminina e, neste ano, tem apenas dois filmes dirigidos por mulheres entre os 21 selecionados (o dobro do ano passado, diga-se de passagem). Barbera já concedeu inúmeras entrevistas posicionando-se contra as cotas e dizendo que a reduzida presença feminina se dá por falta de qualidade, e não de oportunidade.
Durante a coletiva, Martel assumiu posição diferente: a de que as cotas não são ideias mas podem trazer mudança a curto prazo. “A questão é difícil e a resposta nunca é satisfatória”, afirmou, de acordo com o Hollywood Reporter. “Acho que as cotas são pertinentes por enquanto. Gosto delas? Não. Mas não sei de nenhum outro sistema que forçaria esta indústria a pensar diferente e a considerar os filmes dirigidos por mulheres.”
A diretora argentina ainda questionou Barbera diretamente, perguntando: “Imagine uma situação em que o line-up é 50-50 [número igual de filmes dirigidos por homens e mulheres]. Você tem certeza de que a qualidade iria cair? Ou será que, ao contrário, isso levaria a uma situação diferente na indústria? Este tipo de transformação é tão profunda que talvez não fosse tão ruim implementar uma situação como essa.”
Barbera discordou e revelou que cerca de 23% dos mil filmes inscritos para o Festival de Veneza foram dirigidos por mulheres. “Seria ótimo se tivéssemos 50% de filmes dirigidos por mulheres para colocar na competição. Seria um sinal de que as barreiras e limites foram quebrados. Adoraria ter convidado mais diretoras, mas acho que alguns dos filmes dirigidos por mulheres não tinham qualidade para serem convidados”, afirmou, segundo o site Deadline.
Os dois únicos filmes dirigidos por mulheres que atenderam ao padrão de qualidade de Barbera e seu comitê de seleção foram The Perfect Candidate, de Haifaa Al-Mansour, e Babyteeth, de Shannon Murphy.
Roman Polanski
Durante a coletiva, Barbera e Martel também foram questionados sobre a presença de J’acusse, de Roman Polanski, na competição, e se é possível separar o homem da arte. O cineasta polonês é foragido da justiça americana após ter sido condenado, em 1978, pelo estupro de uma menina de 13 anos.
Barbera afirmou que não apenas separa o homem da obra como orientou os espectadores a fazer o mesmo: “Sou juiz de cinema. Este é meu trabalho e ele acaba aqui. O mesmo deve ser feito pelo espectador que vá assistir a esse filme.” De acordo com o Hollywood Reporter, esta foi a resposta de Lucrecia Martel:
“Não separo os artistas de suas obras. Acho que aspectos importantes da obra emergem do homem. Também acho que, para todos vocês, é difícil encarar a presença de Polanski aqui, dado o que sabemos sobre ele e seu passado. Fiz pesquisas na internet, consultei alguns jornalistas e vi que a vítima considera este um caso encerrado, que o Sr. Polanski já cumpriu o que era devido. Eu não posso julgá-lo depois que um tribunal o julgou. Eu posso expressar minha solidariedade à vítima, e, para mim, é difícil entender se este caso realmente está encerrado para a vítima. Eu não vou participar do jantar de gala organizado por Polanski, porque represento muitas mulheres que estão lutando por questões como esta na Argentina. Eu não vou estar lá para cumprimentá-lo. Mas acho que é correto que seu filme esteja neste festival. Temos que desenvolver nosso diálogo com ele e este é o melhor lugar possível para este tipo de discussão.”
Mulher admirável!