Um Congresso Nacional tomado por mulheres aprova leis que garantem privilégios femininos. Um jovem é ridicularizado ao sugerir um projeto de lei que instaure “cotas para homens” como forma de se atingir a igualdade de gênero. Conversando com o assessor, a senadora diz: “Você tem futuro, só não engorda.”
As cenas parecem de ficção científica, mas pertencem a Mulheres no Poder, comédia escrita e dirigida por Gustavo Acioli que está em cartaz no Brasil. Ao narrar o esquema montado pela senadora Pilar (Dira Paes) e pela ministra Ivone Feitosa (Stella Miranda) para fraudar uma concorrência pública, o filme coloca mulheres num papel mais comumente reservados aos homens: governantes corruptos que agem de acordo com seus próprios interesses.
Produtora do filme, Lara Pozzobon contou ao Mulher no Cinema que o roteiro foi escrito em 2009, quando era impossível imaginar que o filme chegaria às telas logo após o afastamento da primeira presidente do País e no início de um governo interino que tem zero mulheres nas chefias dos ministérios.
Leia a entrevista:
Como surgiu o projeto e como foi a escolha do elenco?
[O filme] surgiu da vontade de falar dos vícios da história política brasileira com uma abordagem diferente, que chamasse a atenção e se comunicasse com o público. A comédia, em sua origem grega, servia para ridicularizar os poderosos. Acho que o resultado foi um filme que leva à reflexão. Há dezenas de citações a fatos históricos no filme. O roteiro foi escrito em 2009, quando havia três pré-candidatas mulheres, ainda não confirmadas para as eleições daquele ano. Dira [Paes] já foi pensada para o papel. Quando li os diálogos na primeira versão, já dava para ouvir a voz da Dira falando, porque o Gustavo soube mimetizar seu jeito de falar nas falas da personagem. Pela Stella [Miranda] nós tínhamos muita admiração. A vontade de trabalhar com ela se concretizou nesse convite. Ficamos encantados com o resultado. O trabalho das duas no filme é espetacular. Sou fã de todo o elenco do filme.
A inversão de papéis (mulheres dominando a sociedade, homens lutando por direitos iguais) é a alma do filme. Você e o Gustavo pensaram nessa inversão apenas como recurso de humor ou tinham a intenção de fazer uma crítica?
A ideia era fazer a crítica da política feita pelos homens. Em uma cena logo no início, há uma inversão de sinais de gênero que mostra claramente essa intenção, quando uma senadora madura aproveita uma oportunidade para “abusar” de um deputado jovem. Prefiro não descrever a cena para não tirar a graça. O humor do filme em grande parte é amargo, porque ali está o que não queremos ver, o que não acreditamos que possa acontecer. É um retrato de uma inversão simples de papéis, localizada em um futuro próximo. Com isso, o filme chama à reflexão.
O filme estreou depois da votação do impeachment no Senado, que afastou do poder a única presidente mulher que o Brasil já teve. Esse timing foi acidental ou planejado?
Não houve ligação entre as duas coisas, até por que o filme não trata desse assunto. O lançamento depende de muitos fatores de diversas naturezas e é definido com muita antecedência. A realidade é que está mudando em uma velocidade alucinante.
Acha que o filme acaba sendo um retrato do momento do País?
É um retrato da história política brasileira, construída por homens desde que o Brasil se tornou independente. As pessoas ligam o nome do filme à situação da presidência, tanto para o bem quanto para o mal. Mas o ideal é que entendam o filme como uma proposta de reflexão anterior a esse cenário lamentável que estamos vivendo.
É raro vermos filmes que mostram mulheres em altos cargos políticos. Neste, elas são corruptas e atuam de acordo com seus próprios interesses. Houve algum receio ao fazer esse retrato? Ou seja, vocês se preocuparam com a possibilidade de o filme ser interpretado como um retrato negativo das mulheres no poder?
Não imaginávamos que o filme pudesse ser mal-interpretado, porque o cenário que tínhamos em 2009 era totalmente diferente da situação atual. O filme serve como reflexão sobre o Brasil, mas sem falar do momento atual. A realidade tornou o filme até meio ingênuo, pelo menos na superfície da trama. Mas as referências à história do Brasil são poderosas; elas preenchem as outras camadas de sentido do filme e fazem pensar.
Qual a sua opinião sobre a extinção do Ministério da Cultura, que foi incorporado à pasta de Educação?
Acho lamentáveis todas as fusões de ministérios porque todos correm o risco de perder a autonomia e a estrutura de funcionamento duramente conquistadas. É limitador falar apenas na extinção do MinC. Me preocupo muito com as pastas da Educação, da Ciência e Tecnologia e das Comunicações, para citar apenas os ministérios que dizem respeito mais diretamente ao meu trabalho como produtora. Por outro lado, sempre senti uma falta de diálogo e compreensão entre os ministérios, especialmente entre o do Trabalho e o da Cultura. Mas não acredito que essas fusões tenham chance de melhorar essa situação.