Série “The Seduction” adapta “Ligações Perigosas” para os tempos de #MeToo

Numa das cenas mais memoráveis de Ligações Perigosas, o filme de Stephen Frears lançado em 1988, Vicomte de Valmont, personagem de John Malkovich, confessa seu fascínio pela figura de Marquesa de Merteuil, interpretada por Glenn Close: “Eu sempre me pergunto como você conseguiu inventar a si mesma”. 

Responder a esta indagação é a proposta de The Seduction, série francesa que estreia nesta sexta-feira (14) na HBO Max. Dividida em seis episódios, a serem lançados semanalmente pela plataforma, a trama acompanha os primeiros passos da jovem Isabelle de Merteuil no cruel universo da alta sociedade dos anos 1700.

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Como Ligações Perigosas, The Seduction é baseado no romance Les Liaisons Dangereuses, lançado em 1782 por Pierre Choderlos de Laclos (1741-1803). Várias outras adaptações para o cinema e a televisão levaram o universo da obra a diferentes épocas e lugares do mundo, de um colégio de elite de Nova York (no longa-metragem Segundas Intenções, de 1999) ao Brasil dos anos 1920 (na minissérie Ligações Perigosas, exibida pela Globo em 2016). Uma série americana baseada no livro também foi produzida apenas três anos atrás pela Starz, e uma nova versão, esta ambientada na Londres moderna, está sendo desenvolvida pela Netflix.

O contínuo apelo do romance não surpreende Jessica Palud, diretora de todos os episódios de The Seduction. “É uma verdadeira obra de arte da literatura, que contém tudo o que é necessário para a construção de estruturas dramáticas: manipulações, traições, personagens extremamente complexos, inteligentes e fascinantes, além de uma grande história de amor”, afirmou, em entrevista ao Mulher no Cinema.

Quando os produtores da série lhe apresentaram o projeto, Palud viu como arriscada a tarefa de adaptar uma história que já havia sido contada tantas vezes (o filme de Frears, em especial, ela considera “espetacular”). Ao mesmo tempo, a diretora se interessou pela ideia de mudar o ponto de vista e centrar a narrativa na personagem feminina (no francês, o título da série é apenas Merteuil). “Isso me fez pensar que seria possível fazer uma adaptação realmente ousada, original e relevante para os dias atuais”, explicou.

The Seduction não é exatamente um prequel, pois muito do que acontece no romance de Laclos e no filme de Frears também acontece na série. Criado por Jean-Baptiste Delafon —autor do roteiro ao lado de Palud e Gaëlle Bellan—, o programa se inspira livremente no material original, optando por retratar os personagens como mais jovens e promover uma série de alterações nas relações entre eles.

Quando a série começa, a Marquesa de Merteuil ainda é Isabelle, uma jovem inocente que foge de um convento para se casar com Valmont, de quem ouviu juras de amor. Ao despertar da noite de núpcias, ela descobre que o casamento fora forjado e que a única intenção do falso noivo era ir para a cama com ela. Com a reputação arruinada e sem poder voltar à vida de antes, Isabelle é recrutada pela tia de Valmont, Madame de Rosemonde, para seduzir Gercourt, um homem rico, poderoso e de grande influência entre os nobres libertinos de Paris.

Cena de “The Seduction”, série original da HBO que é dirigida por Jessica Palud

É a partir daí que a protagonista aprende a encarar a sedução como arma para conseguir o que quer, seja ascensão social, independência ou vingança. The Seduction é, na essência, a história de uma sobrevivente, de alguém que vai de vítima a “implacável e impenetrável” —ou, para voltar à memorável cena do filme de Frears, a história de uma mulher que segue um único princípio: ganhar ou morrer.

É uma adaptação que busca dialogar com os tempos de #MeToo e, ao mesmo tempo, manter o caráter manipulador e calculista da protagonista. A chamada no material promocional de The Seduction anuncia que “para ser a heroína de sua própria história, às vezes é preciso ser vilã na história dos outros”, e a Marquesa de Merteuil não hesita em passar por cima também das mulheres em meio às suas maquinações.

Sua relação mais próxima, porém, é com Madame de Rosemonde, numa das principais alterações promovidas pela série em relação ao material original. No livro (e no filme de Frears), Rosemonde tem cerca de 80 anos; em The Seduction, é apenas algumas décadas mais velha do que Merteuil. A aliança das duas ilustra diferentes gerações de mulheres: uma pensa que é possível controlar os homens, mas não vencê-los; a outra quer subverter as regras e fazer com que “o medo mude de lado”.

Cena de “The Seduction”, série original da HBO que é dirigida por Jessica Palud

Palud se uniu cedo ao projeto e envolveu-se em todas as etapas de desenvolvimento. Para o papel principal, pensou imediatamente em Anamaria Vartolomei, atriz revelada por O Acontecimento (2021) e a quem já tinha dirigido em Meu Nome É Maria (2024). Valmont é interpretado por Vincent Lacoste, enquanto Diane Kruger vive Madame de Rosemonde e Lucas Bravo dá vida a Gercout.

Para criar o visual da série, Palud trabalhou de perto com a figurinista Pascaline Chavan, o diretor de arte Florian Sanson e o diretor de fotografia Sébastien Buchmann. Juntos, eles montaram um painel de referências que incluía algumas imagens de filmes, mas principalmente pinturas, fotografias de moda e referências de cores e tecidos. “Queria que a série fosse bastante cinematográfica, com cores fortes e elementos pop, mas sem cair na vulgaridade e sempre mantendo certa elegância.”

Os figurinos, sobretudo, refletem tanto as características quanto a evolução narrativa dos personagens. A transformação mais evidente é a de Merteuil, que ao longo da série passa a vestir tons mais escuros, sobretudo o vinho, e a se vestir de forma parecida à de Madame de Rosemonde. Esta, por sua vez, costuma usar adereços no pescoço, numa tentativa de esconder as rugas e, portanto, a passagem do tempo.

Cena de “The Seduction”, série original da HBO que é dirigida por Jessica Palud

Palud teve três semanas de ensaios com os atores, durante as quais buscou sobretudo um “equilíbrio na linguagem”: “Fizemos muitos ajustes nos diálogos para que nada soasse falso ou artificial, mas eles também tinham de preservar uma certa estrutura no modo como diziam suas falas”, afirmou.

Os ensaios também contemplaram as muitas cenas de sexo e nudez previstas no roteiro, que foram amplamente discutidas com os atores. Segundo Palud, a experiência de dirigir Meu Nome É Maria alterou sua forma de encarar essas sequências, já que o filme aborda a carreira da atriz Maria Schneider (1952-2011) e o abuso que sofreu durante as filmagens de O Último Tango em Paris (1952), de Bernardo Bertolucci (1941-2018).

Foi em Meu Nome É Maria que Palud trabalhou pela primeira vez com uma coordenadora de intimidade, experiência que repetiu em The Seduction. “Não é preciso ter medo desses profissionais, pois eles não interferem de forma alguma na direção”, disse a diretora. “Eles estão lá para prepararmos a cena, da mesma forma que preparamos cenas nas quais o ator precisa andar a cavalo ou fazer um duelo com espadas.”

A diretora também pontuou que as cenas íntimas de The Seduction não são “gratuitas” e buscam dizer algo sobre os personagens. “Temos cena de sexo com amor, cena de sexo pela primeira vez, cena de sexo que machuca, cena de sexo em grupo, e todas carregam diferentes significados. Decupamos as sequências juntos e tudo foi extremamente bem preparado”, afirmou. “E como não houve surpresa quanto ao que íamos fazer”, completou, “a atmosfera no set foi muito agradável.”


Luísa Pécora é jornalista e criadora do Mulher no Cinema

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