Por que tão poucas mulheres dirigem blockbusters?

É bem provável que há alguns meses você nunca tivesse ouvido falar de Colin Trevorrow. Agora, talvez já saiba que ele bateu recordes de bilheteria com “Jurassic World – O Mundo dos Dinossauros” e foi escolhido para dirigir o próximo “Star Wars”. Nada mal para um cineasta que antes de assumir a franquia de Steven Spielberg só tinha um longa no currículo: “Sem Segurança Nenhuma”.

Na sexta-feira (21), um seguidor de Trevorrow o questionou, via Twitter: “Você acha que teria tido a chance de dirigir ‘Jurrasic World’ se fosse uma cineasta mulher em Hollywood?”

Colin Trevorrow no set de 'Jurassic World'
Colin Trevorrow no set de ‘Jurassic World’

Não foi uma pergunta inesperada. Desde que Trevorrow foi anunciado como diretor de “Jurassic World”, tornou-se o principal nome de uma lista de cineastas pouco conhecidos que conseguiram a confiança dos estúdios para comandar projetos milionários. Um grupo que também inclui Josh Trank, diretor do novo “O Quarteto Fantástico”; e Marc Webb e Jon Watts, escalados em diferentes momentos para assumir a franquia “Homem-Aranha”.

Mulheres na lista? Michelle McLaren foi contratada para dirigir “Mulher Maravilha” e depois foi substituída por Patty Jenkins, e ambas tinham mais experiência em TV.

Daí, portanto, a pergunta no Twitter. Eis a resposta do diretor:

“Quero acreditar que uma cineasta com o desejo e a habilidade de fazer um blockbusters terá essa oportunidade. Enfatizo ‘desejo’ porque, honestamente, acho que esse é parte do problema. Muitas das principais diretoras da indústria não estão interessadas em fazer um filme de estúdio.

Estas cineastas têm vozes claras e histórias para contar que não necessariamente envolvem super-heróis, naves espaciais ou dinossauros. Para mim, não se trata de um simples caso de exclusão em um sistema corporativo impenetrável. É complexo e envolve um componente raramente discutido: o alto nível de integridade artística e criativa entre as diretoras mulheres.

Talvez essa opinião me faça ser ingênuo, mas como funcionário de duas empresas comandadas por mulheres brilhantes, não acho que sou. Nos mais altos níveis da nossa indústria, há um desejo sincero de corrigir esse desequilíbrio. E sim, me sinto terrível por ser visto como sintoma de uma injustiça social. Sou uma pessoa. Ninguém quer ser parte do problema.”

Foi mais ou menos na mesma linha do que ele disse há algumas semanas ao jornal “Los Angeles Times” quando questionado sobre se existe uma atitude de dois pesos e duas medidas em Hollywood:

“Obviamente [o cenário] é muito desequilibrado, e espero que mude com o tempo. Mas fico chateado quando sou usado como exemplo do privilégio masculino e branco. Conheço muitas das cineastas mulheres que estão sendo mencionadas nestes artigos [sobre a desigualdade de gênero no cinema]. Essas mulheres estão recebendo ofertas para fazer esse tipo de filme, mas estão escolhendo não fazê-los.

Acho que sugerir que elas não estão tendo oportunidades faz com que elas pareçam vítimas, e não artistas que sabem claramente que tipo de histórias querem contar e que filmes querem fazer. Para mim, esta é a realidade.”

Ava DuVernay, diretora de
Ava DuVernay, diretora de “Selma”

Das duas declarações de Trevorrow tira-se uma boa oportunidade de debate. E há alguns pontos a serem considerados.

Comecemos atestando o óbvio: poucos blockbusters são dirigidos por mulheres. No ano passado, elas representaram menos de 2% dos diretores dos 100 filmes de maior bilheteria nos Estados Unidos. Não há dúvida de que os festivais dão mais espaço para as cineastas do que Hollywood – e o cenário se repete em outros países: recentemente, a diretora suíça Bettina Oberli disse acreditar que alguns filmes ainda são “território masculino”, principalmente os que custam caro. “Quanto mais dinheiro, menos mulheres.”

Também é justo dizer que algumas diretoras realmente não aceitaram convites para dirigir filmes de grande orçamento. Ava DuVernay, por exemplo, conversou com a Marvel sobre a possibilidade de dirigir o longa “Pantera Negra”, mas não foi adiante alegando diferenças criativas. O mesmo motivo foi dado para a saída de McLaren de “Mulher Maravilha”.

Talvez outras mulheres tenham recusado convites similares e o mundo não tenha ficado sabendo, como Trevorrow sugere? Sim. Mas a declaração é infeliz ao colocar mais ênfase na suposta falta de interesse das mulheres por blockbusters do que nos entraves da indústria, que são vários: a já citada menor confiança dos estúdios para deixar grandes orçamentos nas mãos de diretoras; a persistente ideia de que elas são mais apropriadas para certos gêneros de filmes (dramas e comédias românticas, não ação e super-heróis); e o fato de muitos desses novos talentos dependerem do apoio de diretores consagrados – a maioria homens.

Tanya Wexler, diretora de “Hysteria”

Para diretoras iniciantes, um blockbuster pode significar o mesmo que “Jurassic Park” significou para Trevorrow: atenção, apoio, dinheiro, convites, mais chances de continuar trabalhando.

Ao menos uma já demonstrou interesse em trabalhar com os grandes estúdios: pelo Twitter, a diretora Tanya Wexler, do indie “Hysteria”, enviou uma mensagem a Trevorrow dizendo que sua declaração foi “ingênua e equivocada”. “Tenho todo o desejo do mundo”, escreveu. “Mataria por um blockbuster.”

Em resposta, Trevorrow buscou reforçar que se importa com a questão e quer ajudar a resolvê-la. Em uma mensagem enviada ao site Slash Film, disse que vem tentando fazer sua parte:

“Continuo dizendo que muita gente na indústria cinematográfica quer que [a situação] mude. Sempre fiz tentativas de mudar a maré e continuarei fazendo isso. Quando recebi o roteiro de “Lucky Them”, lançado no ano passado, briguei para que minha amiga Megan Griffiths dirigisse. Ela dirigiu e fez um filme ótimo (assista, por favor). No meu próximo projeto, “Book of Henry”, quase todas as chefes de departamento e produtoras são mulheres.

Será que um dia vou dar a uma cineasta a mesma chance que Steven Spielberg me deu? Vamos torcer para que, quando eu der, nem chame a atenção. Que seja o status quo.”

Mas até virar status quo, haja filme de super-herói.

Via Slash Film, Variety, LA Times e Hollywood Reporter

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