Belize Pombal: “A gente não é o que dizem que a gente é”

Ainda estamos no mês de abril, mas já dá para dizer que 2024 tem sido um ano e tanto para a atriz Belize Pombal. Depois de se destacar como Quitéria na primeira fase da nova versão de Renascer, ela agora volta às telas como Geíza em Justiça 2, série original da Globoplay que estreia nesta quinta-feira (11).

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Na vida de Belize, Geíza chegou antes de Quitéria, já que a série foi filmada antes da novela. No entanto, Renascer estreou primeiro e apresentou a atriz ao grande público. Como Quitéria, mãe de Maria Santa e mulher do violento Venâncio, Belize protagonizou cenas fortes e desafiadoras, que causaram comoção quase diária nas redes sociais. Os elogios entusiasmados dos espectadores ecoaram entre jornalistas e críticos de televisão, que com frequência associaram o nome da atriz a termos como “roubou a cena” e “revelação”.

O sucesso repentino pode dar a falsa impressão de que a atriz de 38 anos começou sua carreira há pouco tempo. Na verdade, Renascer e Justiça 2 representam não os primeiros trabalhos de Belize, e, sim, as primeiras oportunidades de interpretar papéis de destaque em obras televisivas de grande alcance. “É compreensível que muitas pessoas estejam me conhecendo agora, e estou muito feliz e grata pela reverberação”, afirmou, em entrevista ao Mulher no Cinema. “Ao mesmo tempo, tenho a consciência de que há uma história anterior, de que tudo isso é parte de um processo e de uma trajetória.”

Belize Pombal em imagem de Justiça 2 — Foto: Globo/Bruno Stuckert

Belize começou a ter aulas de teatro aos 11 anos e formou-se em Artes Dramáticas pela Universidade de São Paulo. Sua carreira consolidou-se primeiro nos palcos, a partir de espetáculos como Cidade Desmanche (2012), dirigido por José Fernando Azevedo; Movimento n°1 – O Silêncio de Depois (2012), de Jé Oliveira; Teatro Nosso de Cada Dia (2013), de Celso Frateschi; e Negra (2014), de Carolina Erschfeld. A atriz integrou o coletivo Os Crespos, formado apenas por artistas negros, e estendeu sua atuação aos bastidores, trabalhando também como dramaturga e compositora. Em 2023, Belize escreveu, protagonizou e compôs as músicas do espetáculo Fulaninho e Menininha, que acompanhava duas crianças durante a transição para a adolescência.

A atriz entrou para o radar da Globo em 2017, quando participou da Trupe em Cena, uma oficina de novos talentos dirigida por Ary Coslov. Nos anos seguintes, atuou em três séries exibidas na TV paga: Confissões Médicas (2018), do Discovery; Sessão de Terapia (2019), do GNT; e Irmãos Freitas (2019), do Space.

Um antigo desejo de experimentar a vida fora do Brasil levou a atriz ao Canadá, numa estadia que inicialmente seria breve, mas acabou prolongada pela pandemia. Belize não tinha planos imediatos de voltar para casa, até que Justiça 2 a fez mudar de ideia. “Desde os testes, e mesmo sem ter acesso ao texto todo, pude perceber que se tratava de uma oportunidade muito bonita de fazer o que amo num projeto potente que já tinha um histórico de muita força”, afirmou a atriz. “Pude perceber um pouco da beleza da Geíza e ver que era uma personagem cheia de possibilidades. Aí já fui fisgada e senti grande desejo de participar.”

Gi Fernandes e Belize pombal interpretam Sandra e Geíza em “Justiça 2” — Foto: Globo/Estevam Avellar

Responsável pela direção artística de Justiça 2, Gustavo Fernandes disse ter ficado “chocado” com o primeiro teste em vídeo enviado por Belize, no qual ela atuou como se estivesse conversando com alguém que estava fora de quadro. “Fiquei pensando: ‘Não é possível, essa mulher não é atriz, ela é realmente a personagem”, relembrou Fernandes, em entrevista ao portal GShow. “Desde o primeiro momento a gente teve certeza de que ela era a Geíza e fez de tudo para poder tê-la no projeto”.

Compromisso

Criada por Manuela Dias, Justiça 2 é uma série em formato de antologia, que segue a mesma estrutura narrativa de Justiça (exibida pela Globo em 2016 e disponível para streaming no Globoplay), mas tem novos personagens e novas tramas. Desta vez, o programa será ambientado em Brasília e Ceilândia, no Distrito Federal, e exibido exclusivamente no Globoplay, com quatro episódios liberados semanalmente, ao longo de sete semanas.

As nuances e desigualdades do sistema judicial brasileiro serão exploradas a partir das histórias de quatro pessoas presas no mesmo dia – entre elas Geíza, uma manicure batalhadora que vive com a filha Sandra (Gi Fernandes) na comunidade do Sol Nascente, na Ceilândia. Mãe solo, Geíza estimula os estudos da filha por ver na educação a possibilidade de uma vida melhor. Mas a rotina das duas é alterada pela chegada de um novo vizinho, Renato (Filipe Bragança), um jovem de classe média que mantém som alto constante, impedindo mãe e filha de dormir e estudar. A situação se agrava quando Geíza interfere em uma briga e, na tentativa de salvar Sandra, mata Renato e é condenada a sete anos de prisão.

Belize vê em Geíza o reflexo de muitas brasileiras: uma mãe solo, negra, que vive na periferia e é vítima de injustiças ligadas ao racismo e à sua classe social. Não é exatamente o mesmo contexto da Quitéria de Renascer, mas as personagens se conectam pelo amor às filhas e por estarem inseridas em tramas que debatem os desdobramentos da violência e das diferentes desigualdades que marcam o País.

“São histórias que nos dão a possibilidade de olhar para a situação de muitas pessoas que estão precisando desse olhar coletivo, e de uma ação mais consciente por parte de todos nós”, definiu a atriz. “Para mim, é importante ter esse compromisso e tratar essas histórias com respeito, entendendo que são as histórias de muita gente.”

É principalmente a esta conexão entre ficção e realidade que Belize credita a repercussão de seu trabalho em Renascer. “Acho que houve um conjunto de fatores, incluindo o texto, que humanizava muito a personagem. Mas aquela história trazia à tona questões sociais urgentes”, afirmou. “Ali já havia um gancho muito forte para que a gente se conectasse com as dores daquela mulher, dores que conversam com as dores de muitas outras mulheres e com questões com as quais precisamos lidar.”

Construção

Belize se diz ansiosa pela estreia de Justiça 2, mas tranquila em relação à atenção que passou a receber. “Estou respirando, lidando com as novidades um dia de cada vez. Mas não há nada de extraordinário ou de muito glamour”, brincou. “Há potência, há beleza, há coisas novas surgindo. Mas continuo com a minha vida.”

Belize Pombal na pré-estreia de “Justiça 2” no Rio de Janeiro (RJ) – Foto: Globo/Reginaldo Teixeira

Quando o Mulher no Cinema pede que ela dê um conselho às mulheres que querem trabalhar no audiovisual, ela primeiro hesita, mas depois diz, com convicção: “A gente não é o que dizem que a gente é”.

“Me disseram que eu era muitas coisas que não sou. Coisas pejorativas, bem negativas, por ser mulher, por ser uma mulher negra, por não ser magra, por ter nascido e crescido na periferia. Mas a gente não é o que dizem que a gente é. Nossas escolhas têm importância e merecemos que elas tenham espaço para que se concretizem, seja no audiovisual ou em qualquer lugar”, afirmou.

“Talvez tentem dizer, sim, que o audiovisual não é nosso lugar, que nunca vai dar certo, que não é possível, seja lá por que motivo – por ser mulher, por ser mulher negra, por ser mulher trans. Mas a gente está construindo história a cada dia e, nessa construção, também criando caminhos e possibilidades”, completou. “Então o audiovisual também é nosso lugar, sim.”


Luísa Pécora é jornalista e criadora do Mulher no Cinema

Foto do topo: Globo/Reginaldo Teixeira

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