Vamos conversar sobre essa bela bagunça que é o novo “Gilmore Girls”

* Esse texto contém muitos spoilers sobre Gilmore Girls: Um Ano Para Recordar. Muitos spoilers MESMO *

Gilmore Girls estreou na televisão quando eu tinha 13 ou 14 anos. Eu gostava de ler, gostava de filmes, gostava de música, conversava bastante com a minha mãe e queria ser jornalista – ou seja, basicamente achava que era a Rory e torcia para que isso significasse que um dia eu seria tão legal quando a Lorelai.

Dezesseis anos depois, sei que vi séries melhores, mas nunca com o mesmo apego emocional. Por isso, estava tão empolgada quanto o resto do mundo para o revival, Um Ano Para Recordar, que estreou na Netflix no fim de novembro. Um pouco preocupada com o hype e a alta expectativa? Sem dúvida. Ao mesmo tempo, não tinha como ser muito pior do que a sexta temporada e toda aquela lama sobre a filha do Luke, ou do que a sétima temporada e aquele terrível episódio em Paris. Então apertei play. E imediatamente me senti em casa: la-la-la da Sam Phillips, plaquinha de Stars Hollow, Lorelai tomando café no coreto. Esqueci todas as reservas e pensei sobre como tinha seis horas de alegria pela frente.

Eis que a Rory chegou e as duas começaram a conversar. Hmmmm. Algo estranho no ar. Uma certa falta de timing, um diálogo meio forçado, aquela sensação de que não era bem assim que a coisa costumava funcionar.

Gilmore Girls

Vi “Inverno”. Vi “Primavera”. Comecei a ver “Verão” e parei no meio. Cadê a alegria?, pensei. Entendo que a morte de Richard (e do ator Edward Herrmann) deu o tom do programa e que as duas personagens estão em crise. Mas Gilmore Girls nunca foi essa melancolia toda, e sem o brilho e a diversão, mãe e filha ficam mais chatas e mimadas do que o normal. Quando Lorelai começou a criticar o musical sobre Stars Hollow, considerei abandonar de vez. Como assim ela odiou tudo? A Lorelai de verdade teria amado aquela breguice toda!

A sorte foi que não abandonei. Porque “Outono” é um episódio tão superior aos outros que acaba melhorando tudo o que veio antes. E ao voltar à essência das personagens, também contextualiza parte do que pareceu fora de lugar.

Parte, mas não tudo. Assistir Um Ano Para Recordar foi passar do bom para o ruim para o péssimo para o maravilhoso, às vezes na mesma cena. É tanta coisa para comentar. Então vamos por partes:

* Com muitos spoilers, vale lembrar *

+ Resumindo os problemas do revival em uma palavra: Rory. A premissa de ela ser uma freelancer tentando entender o que vai ser do jornalismo me pareceu boa, mais interessante do que ela ser uma editora renomada do New York Times, por exemplo. Mas Rory dormindo durante uma entrevista? Transando com a fonte? Indo despreparada para um possível emprego? Difícil visualizar. Rory namorando o tal Paul e esquecendo dele toda hora? Não embarquei (nem achei engraçado). Rory sem segurar um único livro (salvo engano) ou fazer uma listinha? Oi? Isso sem contar o relacionamento aberto com o Logan, que não faz sentido nenhum considerando que 1) os dois já terminaram porque ela precisava de compromisso; 2) todo o drama Rory-Dean-Lindsay; 3) o Logan tinha dito que era casamento ou nada. As pessoas podem mudar? Podem. Mas ela mudou tanto que ficou irreconhecível, e acho que foi demais para a Alexis Bledel. Minha impressão é que ela nunca achou o compasso dessa nova Rory, e isso pesou na atuação. Os únicos momentos em que ela vai bem são os que trazem lampejos da personagem de antes: o sapateado anti-estresse no meio da madrugada, a crise pós-Wookie, as pazes com a Lorelai, a cena em que relembra momentos marcantes na casa dos avós. Em geral, porém, não rolou.

+ Lauren Graham, ao contrário, parece nunca ter deixado de ser Lorelai. Apesar de a falta de alegria e bom humor do começo ter me incomodado, “Outono” amarra a história dela muito bem e traz de volta o brilho de sempre. A caminhada de Livre não foi das ideias mais criativas, mas eu achei que funcionou, principalmente porque acabou antes de começar. Sem contar que a ligação para a Emily foi um dos momentos mais emocionantes da série inteira – não só do revival.

+ Não importa se a Rory pagou as mil passagens para Londres ou se Logan/Emily/Lorelai/Christopher ajudaram. Porém, não peça para a gente se comover com a falta de dinheiro para comprar calcinha.

+ Outro problema do revival: ter muito tempo e orçamento para gastar. Num episódio da série normal, veríamos só um pedacinho do musical sobre Stars Hollow; aqui, a cena durou dez minutos – eu contei – e dez minutos de televisão é muita coisa. Na série normal também nunca haveria espaço e dinheiro para aquele horroroso clipe da Life and Death Brigade, que periga superar a filha do Luke como a pior coisa que já se passou na série. Além de a montagem ter destoado completamente do resto, esses amigos do Logan já eram ridículos aos 20 anos, imagina aos 30.

+ Troco o musical sobre Stars Hollow, a montagem da Life and Death Brigade, o sonho com o Paul Anka e até o filme do Kirk por uma cena digna com a Lane. Ela é a vítima mais grave de um roteiro que, na ânsia de colocar todo mundo de volta, deixa de criar histórias de verdade e se contenta em ser uma reunião de cameos. É imperdoável que a Mrs. Kim tenha aparecido menos do que Jason Stiles, Mitchel Huntzberger, Colin, Finn e April Nardini.

+ Se não tivemos Lane, ao menos tivemos Paris! Não acho que ela falaria das mulheres daquele jeito, sendo uma das mais feministas da série. Mas Liza Weil é tão boa que o conjunto falou mais alto. E o pé na porta do banheiro – ÉPICO.

+ Luke se declarando para a Lorelai na cozinha também foi inesquecível. Dos melhores momentos dele na série toda.

+ Da aparição do pai da Lane à menção ao marido do Michel, deu para perceber que Amy Sherman-Palladino e Daniel Palladino tentaram “responder” algumas das eternas questões do público. Também houve um claríssimo esforço para colocar mais atores negros em cena, mas a mudança foi em número e não em qualidade de representação. A maior parte dos personagens entrou e saiu de cena sem falar ou fazer grande coisa.

+ Emily: apenas a melhor. Talvez o principal ponto forte desse especial tenha sido fazer jus ao talento da Kelly Bishop. Tenho a impressão de que, apesar do sobrenome, nem sempre a Emily foi considerada uma das Gilmore Girls. Agora, não há dúvida de que a série, assim como os fãs, considera a avó tão importante quanto a mãe e a filha. A cena em que ela taca o terror na reunião do DAR é tão boa que justifica esse revival inteiro ter acontecido. E também adorei o final. Ao contrário de Lorelai e Rory, Emily era definida pelo casamento. Chegou a vez dela de aprender a ser independente.

+ Nunca tive grande curiosidade quanto às quatro palavras com as quais a Palladino sempre quis encerrar a série. Quando ouvi, achei surpreendente. Depois, meio óbvio. Na série em geral, e no revival em particular, há sempre esse clima de ciclo da vida (ao qual, aliás, Lorelai e Emily fazem um brinde). A própria escolha de uma narrativa que segue as estações do ano aponta para isso. Da mesma forma, o especial começa no coreto e termina no coreto; a série começa com Lorelai pedindo dinheiro para os pais e termina com Lorelai pedindo dinheiro para a mãe; e a história que começou quando Lorelai ficou grávida termina com Rory ficando grávida. Sei que muita gente está inconformada, já que não haverá próxima temporada para saber o que aconteceu e quem é o pai. Confesso que a princípio achei legal o final aberto, permitindo que cada pessoa imaginasse o que quisesse. Mas estou convencida de que o final não é aberto – está tudo absolutamente dito e explicado, sobretudo na conversa de Rory com Christopher, no olhar de Jess pela janela, e na própria obsessão da série pela história que se repete. Não precisamos de uma nova temporada para saber o que vai acontecer: já vimos outras sete, já sabemos.

+ Esqueça “quem é o pai?”. Minhas perguntas sem resposta são: Que fim deu a carta que a Emily recebeu e a Lorelai diz que não escreveu? A aula de composição musical mudou a vida da Rory e a gente nunca tinha ouvido falar disso? Conseguiram trazer a Melissa McCarthy para o revival, mas não o Chad Michael Murray? Não dava para ter colocado o falso Tristan de costas? Lorelai e Luke nunca falaram sobre filhos em nove anos, sendo que o assunto surgiu até quando não estavam juntos, e sendo que Lorelai não fica quieta dois segundos? Luke nunca ouviu falar de barriga de aluguel? E mais importante: quem foi o responsável por aquela peruca horrorosa?

+ Casar era algo tão importante para Luke e Lorelai que não achei convincente demorarem tanto para resolver a questão. A desculpa foi que ela não faz as coisas como a mãe, mas está bem claro que a real razão foi a vontade dos Palladinos de encerrar a série com uma cena tão aguardada. Teria sido bonito ver a cerimônia em si – o vestido, a cidade inteira feliz, a lagriminha que a Emily certamente deixaria cair. Mas também gostei daquela loucura toda ao som de “Reflecting Light”, a música da primeira dança de Luke e Lorelai. Foi meio excessivo, destoante e constrangedor. Mas também foi meio mágico, bonito e emocionante. Ou, como o revival inteiro, uma bela bagunça.

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