‘A Favorita’ diverte com trio de atrizes e desafio às regras do filme de época

A Favorita chega aos cinemas nesta quinta-feira (24) embalado por dez indicações ao Oscar (o líder ao lado de Roma), incluindo melhor filme, direção, atriz para Olivia Colman e coadjuvante para Rachel Weisz e Emma Stone, na 19ª vez em 91 anos em que três ou mais atuações femininas são reconhecidas pelo mesmo longa.

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Tal estatística já sugere um dos motivos de A Favorita parecer algo diferente do que se costuma ver no cinema. Coprodução de Reino Unido, Irlanda e Estados Unidos, o longa do diretor grego Yorgos Lanthimos tem não uma, não duas, mas três protagonistas femininas muito bem desenvolvidas e unidas por um bem-humorado jogo de gato e rato motivado por ambição, poder, vingança, desejo e amor.

A primeira versão do roteiro de A Favorita foi escrita há 20 anos, quando Deborah Davis, sem nenhuma experiência na área, decidiu que a história da rainha Anne (1665-1714), que governou a Inglaterra entre 1702 e 1714, merecia um filme. Seu interesse pela monarca surgiu após ler um artigo de jornal sobre o suposto relacionamento amoroso entre ela e a Duquesa de Marlborough, Sarah Churchill (1660-1774).

Assim, no início de A Favorita a Inglaterra está em guerra com a França e a rainha (Colman), que tem saúde frágil e vida marcada por tragédias, governa seguindo as orientações de Churchill (Weisz). Defensora de uma participação ativa no conflito, a ser financiada por aumento de impostos, a duquesa enfrenta a oposição política de frente, mas demora a se dar conta de que sua grande adversária é a prima Abigail Masham (1670-1734), ex-lady que caiu em desgraça e quer conquistar a monarca para voltar à boa vida. 

Todas as três mulheres realmente existiram e cartas trocadas entre a rainha e a duquesa sugerem que o romance pode ter ocorrido. Mas detalhes históricos são mesmo detalhes em A Favorita, já que Lanthimos trabalhou com Davis e o corroteirista Tony McNamara para transformar o texto em uma comédia moderna. Isso significa que, embora seja um filme de época sobre a realeza britânica, A Favorita deixa de lado tanto o tom solene quanto a pretensão de mostrar o que de fato aconteceu.

Grande parte da graça do longa está no contraste entre o que é típico do cinema de época e o que não é. Por um lado, há a reconstrução de cenários, objetos e roupas do século 18 (a figurinista Sandy Powell e as diretoras de arte Fiona Crombie e Alice Felton também concorrem ao Oscar), mas por outro há diálogos permeados por palavrões. Há um esqueleto narrativo baseado em pesquisa histórica, mas há liberdade para se imaginar como tudo aconteceu. Há a fotografia baseada em iluminação natural e luz de velas (já que não havia eletricidade), mas há também o uso das lentes olho de peixe e grande angular, além de diferentes ângulos e movimentos de câmera que a todo momento buscam distorcer, exagerar, divertir ou causar o estranhamento que acompanha a obra de Lanthimos – e que, até agora, tem funcionado.

Para o cineasta, ser fiel ao período histórico não é tão importante quanto entreter, e A Favorita parece menos um filme de época e mais uma variação da slapstick comedy, cheio de diálogos rápidos e mordazes. Amparadas pelo roteiro, as atrizes fazem um excepcional trabalho conjunto, levantando a bola uma para a outra conforme se alternam nos papéis de protagonista e antagonista, e conforme o próprio espectador alterna sua torcida e o modo de encarar as três personagens. Que Olivia Colman consiga se destacar em meio a este ensemble acting é prova do tremendo alcance dramático da atriz, que, como o filme, transita rapidamente e inúmeras vezes entre o ridículo, o comovente, a alegria e a dor.

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Este filme passa no teste de Bechdel-Wallace. Clique para saber mais.“A Favorita”
[The Favourite, Irlanda/Reino Unido/EUA, 2018]
Direção: Yorgos Lanthimos
Elenco: Olivia Colman, Rachel Weisz, Emma Stone.
Duração: 119 minutos


Luísa Pécora é jornalista, criadora e editora do Mulher no Cinema

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