
A música é parte fundamental da obra de Ana Rieper, que investigou o gênero brega em Vou Rifar Meu Coração (2012), narrou a trajetória de Clementina de Jesus em Clementina (2018) e retratou o processo criativo do Clube da Esquina em Nada Será Como Antes (2024). Agora, ela abraça o universo do funk em Massa Funkeira, documentário que passou pelo Festival do Rio e será exibido na Mostra Internacional de Cinema em São Paulo.
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Massa Funkeira combina filmagens em bailes funk com entrevistas e cenas cotidianas de artistas como Valesca Popozuda, Kevin O’Chris, Tati Quebra Barraco, MC Carol, e DJ Rennan da Penha, entre outros. Produzido pela Giros Filmes, o documentário parte da música para falar sobre sexo e sexualidade, entendendo o funk como forma de expressão de desejo, prazer e afirmação pessoal.
O Mulher no Cinema publica, com exclusividade, uma cena de Massa Funkeira e um depoimento da diretora Ana Rieper sobre o processo de realização do longa-metragem:
Leia o depoimento de Ana Rieper:
A ideia para este filme nasceu de um interesse muito forte em entender a música como expressão da cultura e de modos de estar no mundo. O funk, em especial, me fascina porque fala de sexo, de liberdade sexual e, ao mesmo tempo, é extremamente popular —uma música que ecoa em todo o Brasil, do centro às regiões mais remotas.
Já confirmei isso em viagens de trabalho: a juventude ouve funk, ouve funk putaria, e isso revela sua potência como expressão cultural. Além de tudo, eu amo funk —o ritmo, a batida, a energia de dançar e curtir. É um gênero que me coloca num estado de espírito leve e prazeroso. Perceber que, apesar de sua relevância imensa, o funk ainda é pouco representado, pouco compreendido e muitas vezes desrespeitado foi uma motivação decisiva para mergulhar neste projeto.
A parceria com a Giros Filmes foi fundamental. É uma produtora excepcional, com profissionais altamente competentes e sensíveis ao cinema documental, que é também a minha área. Trabalhar juntos foi uma experiência gratificante, que levou o filme a patamares maiores, e eu agradeço muito por essa caminhada.
Outro processo encantador foi a pesquisa de personagens: conviver, de maneira descontraída, com grandes artistas do funk, entrar em suas casas, circular pelas favelas e sentir de perto o comércio, o baile, a vida pulsante. Isso guiou escolhas difíceis, mas necessárias, para chegar a um elenco que representa gerações, subgêneros e orientações dentro do funk carioca.
Dirigir este filme foi, sem dúvida, a experiência mais alegre da minha carreira. Eu queria morar dentro dele, continuar filmando para sempre. Estar nesse universo de pessoas abertas, divertidas, inteligentes e profundamente talentosas é inspirador. O funk é diversão, corpo, dança, prazer — mas também enfrenta preconceitos atravessados por racismo e classismo. Fazer um documentário que, de alguma forma, atua contra essas barreiras foi uma escolha política e afetiva. Para mim, este filme é celebração e afirmação: um retrato da relevância cultural do funk e da potência das pessoas que o constroem.
Sobre a cena, foi muito difícil escolher apenas um trecho para representar o filme, porque cada personagem traz uma perspectiva única sobre música, arte e vida. É tanta gente especial, inteligente e potente que dá vontade de colocar todos. Mas acabei escolhendo a cena da Valesca Popozuda.
A Valesca é uma artista corajosa, direta e sem medo de falar abertamente sobre sexo e sexualidade. Ela se comunica de forma tão franca e natural, como se estivesse conversando com amigos, sem vergonha nem censura. Isso, para mim, é revolucionário, porque vivemos em uma sociedade em que o machismo e o patriarcado fazem com que as mulheres tenham vergonha de seus corpos, de seus desejos e de sua sexualidade.
A Valesca enfrenta isso de frente, mesmo pagando um preço alto por essa postura, e faz disso uma força criativa. A sua música é uma afirmação de liberdade e prazer, um gesto artístico que desafia as regras e reafirma a potência feminina dentro do funk.