O julgamento do produtor Harvey Weinstein por crimes sexuais começou nesta segunda-feira (6) em Nova York, mais de dois anos após a explosão do escândalo que escancarou o assédio em Hollywood e impulsionou o movimento #MeToo. Apenas horas depois de o julgamento começar, procuradores de Los Angeles que investigavam Weinstein desde 2017 também anunciaram suas próprias acusações criminais contra ele.
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Em setembro de 2017, o jornal New York Times e a revista New Yorker revelaram décadas de acusações de assédio e abuso sexual contra o produtor, muitas delas mantidas em segredo graças a acordos judiciais e à pressão contra vítimas, funcionários e empresas de comunicação. Desde que as primeiras reportagens foram publicadas, dezenas de mulheres contaram suas histórias (envolvendo Weinstein e outros profissionais), e o debate sobre o assunto, antes feito a portas fechadas, chegou à imprensa, a eventos e às redes sociais.
O julgamento marca a chegada deste movimento ao sistema judiciário, com Weinstein respondendo formalmente por estupro, ato sexual criminoso e agressão sexual predatória. O produtor, que nos anos 1990 e 2000 era um dos homens mais poderosos de Hollywood, alega ser inocente, e um veredicto só deve sair em março. Abaixo, relembre os principais acontecimentos do caso e saiba mais sobre o julgamento:
O caso
A primeira reportagem sobre os abusos de Harvey Weinstein foi publicada em 5 de outubro de 2017 pelo New York Times. As repórteres Jodi Kantor e Megan Twohey falaram com atrizes como Ashley Judd e ex-funcionárias das empresas do produtor, a Miramax e a Weinstein Company, além de consultarem documentos legais, emails e relatórios internos. De acordo com o jornal, os episódios de assédio costumavam acontecer em quartos de hotel, para os quais as mulheres eram convidadas supostamente a trabalho.
Cinco dias depois, uma reportagem de Ronan Farrow na New Yorker trouxe depoimentos de outras mulheres, afirmou que Weinstein foi acusado de estupro e publicou um áudio no qual o produtor tenta convencer uma mulher a entrar em seu quarto e admitindo contato físico indevido. A gravação fora obtida em 2015 por uma escuta depois de a modelo Ambra Battilana Gutierrez ter feito uma denúncia para a polícia de Nova York. Posteriormente, ela assinou um acordo e a investigação foi abandonada.
Uma vez que o escândalo foi revelado, dezenas de mulheres vieram a público contar episódios de assédio envolvendo Weinstein, entre elas Uma Thurman, Angelina Jolie, Cara Delevingne, Eva Green, Gwyneth Paltrow, Heather Graham, Kate Beckinsale e Lena Headey. Reportagens posteriores, sobretudo de Farrow, mostraram como o produtor intimidava jornalistas, policiais e outras pessoas para manter os abusos em segredo.
As consequências
Logo após o escândalo ganhar as manchetes de todo o mundo, Weinstein foi demitido de sua própria empresa e renunciou ao seu posto no conselho diretor. Em março de 2018, a companhia entrou com um processo de falência. Weinstein também foi expulso da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas, responsável pela entrega do Oscar, da Academia Britânica de Cinema e Televisão e do Sindicato dos Produtores. Sua mulher, a estilista Georgina Chapman, anunciou o fim do casamento e investigações criminais sobre o caso foram abertas pelas polícias de Nova York, Los Angeles e Londres. A de Nova York foi a que avançou mais rápido: em maio de 2018, Weinstein se entregou à polícia, sendo solto no mesmo dia sob fiança. No mesmo mês, o produtor foi formalmente indiciado. O julgamento começou em 6 de janeiro de 2020.
As acusações
Em Nova York, Weinstein responderá por três acusações: estupro, ato sexual criminoso e agressão sexual predatória. Se for considerado culpado dos dois primeiros crimes, o produtor poderá ser sentenciado a até 25 anos de prisão. A alegação de agressão sexual predatória é mais séria, pois o acusa de ter cometido crimes sexuais graves contra mais de uma pessoa e prevê prisão perpétua como sentença máxima.
Apesar de cerca de 80 mulheres terem publicamente acusado Weinstein de assédio e/ou abuso sexual, o processo criminal se refere às alegações de apenas duas. Uma delas é a assistente de produção Mimi Haleyi, que disse ter sido forçada a fazer sexo oral no produtor no apartamento dele em Nova York em 2006. A outra, que permanece anônima, afirma ter sido estuprada por Weinstein em um hotel de Manhattan em 2013.
Muitas acusações contra Weinstein não se transformaram em indiciamento por se referirem a episódios muito antigos, que aconteceram fora da cidade de Nova York ou por representarem comportamento que é considerado abusivo, mas não criminoso. O New York Times também afirmou que algumas mulheres preferiram não participar do indiciamento, temendo danos pessoais e profissionais.
As testemunhas
Embora apenas duas mulheres estejam formalmente envolvidas no processo, a promotoria pretende chamar outras seis para testemunhar. Uma delas é a atriz Annabella Sciorra, que acusou Weinstein de tê-la estuprado em Nova York em 1993, mas não pode processá-lo porque o caso prescreveu. A defesa de Weinstein buscou bloquear o testemunho de Sciorra, mas a tentativa foi rejeitada pelo juiz James Burke.
Poder levar outras acusadoras ao tribunal foi uma vitória da promotoria, que tentará mostrar um padrão de comportamento criminoso por parte do produtor. Segundo o New York Times, ter testemunhas como estas fez a diferença no julgamento do ator Bill Cosby. Na primeira tentativa de julgamento, em 2017, depoimentos de vítimas adicionais não foram permitidos e o júri não chegou a um veredito. No segundo julgamento, um ano depois, as testemunhas adicionais foram permitidas e ele foi condenado à prisão por agressões sexuais.
Os obstáculos da acusação e da defesa
Tentar prever o desfecho do julgamento de Weinstein é impossível, pois tanto a acusação quanto a defesa tiveram e seguem tendo grandes obstáculos. Um dos maiores golpes sofridos pela promotoria foi ter de abandonar a acusação que era tida como principal na época do indiciamento: a da atriz Lucia Evans, que afirmava ter sido forçada a fazer sexo oral no produtor em 2004. Segundo os procuradores, o detetive Nicholas DiGaudio não os informou de que Evans tinha contado uma versão diferente do episódio a uma testemunha. As contradições levaram ao descarte da acusação e ao afastamento de DiGaudio.
Além disso, Weinstein divulgou e-mails trocados com as duas acusadoras depois das supostas agressões, na tentativa de mostrar que as relações foram consensuais. Muitas mulheres disseram ter mantido contato com o produtor por causa de seu poder e influência em Hollywood, mas não há dúvida de que a defesa, liderada por Donna Rotunno, buscará descreditar seu depoimentos.
No entanto, a defesa também não tem um caso fácil nas mãos. Ainda que em tese a opinião pública não possa decidir o veredicto, o impressionante volume de acusações públicas contra Weinstein pode impactar os jurados. O produtor, que trocou várias vezes de advogado, contrariou recomendações de seu time legal ao comentar o caso na imprensa. Recentemente, por exemplo, deu uma entrevista alegando ter sido “pioneiro” no que diz respeito a valorizar o trabalho das mulheres em Hollywood. Muito criticada e compartilhada, a entrevista provavelmente não ajudou a melhorar sua percepção pública.
O New York Times também afirmou que em mais de uma ocasião o juiz James Burke mostrou-se irritado com o réu. Ele teria censurado Weinstein duramente quanto a usar o celular no tribunal e dito que o processo não seria interrompido por questões de saúde do produtor, que fez uma cirurgia nas costas por causa de um acidente de carro. Supostamente por causa da cirurgia, Weinstein tem usado um andador em suas aparições públicas.
O julgamento
Não haverá transmissão televisiva do julgamento de Weinstein e não é esperado que ele testemunhe. A expectativa é que o processo leve cerca de dois meses, com as primeiras semanas dedicadas à escolha dos 12 jurados e seus seis suplentes. A definição do júri é considerada especialmente delicada dada a notoriedade do réu, e logo na primeira sessão o juiz pediu que a defesa não fale sobre as testemunhas em público. “Já vai ser difícil conseguir um júri imparcial e justo, e [comentar sobre o caso e as testemunhas] não vai ajudar em nada”, afirmou, segundo o Hollywood Reporter.
Investigação em Los Angeles
Horas depois de o julgamento começar em Nova York, procuradores de Los Angeles que investigavam Weinstein desde 2017 anunciaram suas próprias acusações criminais contra ele. O produtor foi acusado de estuprar uma mulher e de cometer crimes sexuais contra outra em 2013, tendo ambos os casos acontecido em hotéis da cidade. “As provas demonstram que ele utilizou seu poder e influência para ter acesso às vítimas e, logo, cometer crimes violentos contra elas”, disse a procuradora Jackie Lacey, segundo a agência France Presse. Se condenado pelas acusações feitas em Los Angeles, Weinstein pode pegar até 28 anos de carreira.
Vale lembrar, também, que Weinstein e os chefes de sua antiga empresa, a Weinstein Company, foram alvo de uma ação civil que representou mais de 30 mulheres. No ano passado, um acordo prévio estimado em US$ 25 milhões foi alcançado e, por ele, o produtor não é obrigado a admitir culpa.
Luísa Pécora é jornalista e criadora do Mulher no Cinema. O texto tem informações do jornal New York Times, da agência France Presse e do site Hollywood Reporter.