Mais de 130 filmes integram a programação deste ano da CineOP – Mostra de Cinema de Ouro Preto, em cartaz de 13 a 18 de junho na cidade mineira que em 2018 comemora 80 anos de tombamento como Patrimônio Mundial da Humanidade.
Patrimônio é a palavra-chave da CineOp, que desde a sua criação, há 13 anos, funciona como um espaço anual para a discussão sobre a importância da preservação do cinema nacional. “A Mostra de Ouro Preto se diferencia pelo objetivo de agregar valor de patrimônio à sétima arte”, afirmou a coordenadora do evento e diretora da Universo Produção, Raquel Hallak, em entrevista por telefone ao Mulher no Cinema. “A preservação deixa de ser um patinho feio na cadeia do audiovisual para se transformar na grande protagonista do evento.”
A expectativa é a de que 15 mil pessoas aproveitem a programação inteiramente gratuita que inclui exibições, debates e oficinas em três espaços: o Cine Vila Rica, a Praça Tiradentes e o Centro de Artes e Convenções. A CineOP engloba, por exemplo, o Encontro Nacional de Arquivos e Acervos Audiovisuais Brasileiros, e divide os filmes em mostra temáticas como Educação, com curtas produzidos no contexto escolar; Preservação, dedicada a casos de restauro; Contemporânea, com produções de 2017 e 2018 ; e Histórica, que neste ano é dedicada à vanguarda tropicalista.
O foco neste período também motivou uma homenagem à atriz Maria Gladys, destaque do Cinema Novo e Marginal. “A gente quer dar reconhecimento público à importância que ela teve”, afirmou Hallak. “Muitas vezes essa importância vai sendo esquecida, principalmente no caso das atrizes, à medida que vão ficando mais velhas e os papéis vão diminuindo.”
Além de receber o Troféu Vila Rica, a homenageada estará presente no festival com os filmes Maria Gladys, uma Atriz Brasileira (1980), de Norma Bengell; Vida (2008), de Paula Gaitán; Sem Essa, Aranha (1970), de Rogério Sganzerla; e Quebranto (2017), de José Sette, além de participar de uma roda de conversa sobre sua carreira ao lado de Neville d’Almeida, que a dirigiu em filmes como Rio Babilônia (1982) e Matou a Família e Foi ao Cinema (1991).
Abaixo, veja cinco perguntas que a reportagem do Mulher no Cinema fez à coordenadora-geral da CineOP, Rachel Hallak. Saiba mais informações sobre a programação no site oficial da mostra.
Nestes 13 anos de CineOP, cresceu a conscientização quanto à importância da preservação do cinema nacional?
Avançou-se muito na consciência de pesquisadores, historiadores, técnicos que trabalham nas instituições de guarda, pessoas que são mais sensibilizadas e envolvidas. Durante dez edições do evento, também foi elaborado um plano de preservação que tem o objetivo de se tornar uma diretriz de política pública para o governo federal. Percorremos um caminho, mas há muitos desafios pela frente. Nestes 13 anos vimos uma mudança grande no audiovisual, que passou da película para o digital. Tudo é muito recente, não temos histórico sobre como estas mídias serão acessadas daqui dez anos, em qual estado elas vão estar. Temos a preocupação de focar muitos debates do evento na preservação digital, e este ano estamos abrindo o diálogo com empresas que trabalham com tecnologia, software e plataformas voltadas para isso. Temos de ter a consciência da necessidade de preservar o que está sendo produzido, para que futuras gerações tenham acesso a esse material. Ainda não temos política pública implantada para o segmento de preservação, então o festival serve como instrumento de alerta e, ao mesmo tempo, de reflexão, de busca de soluções que atendam às novas regras de mercado.
Qual a importância de levar este e outros debates culturais a uma cidade fora do eixo Rio-SP?
A descentralização é fundamental. Quanto mais a gente puder oferecer ações que sejam espaços de encontro, que agreguem o Brasil como um todo, que valorizem a questão regional e ao mesmo tempo atraiam investimento, criem roteiros turísticos…Ouro Preto é uma das cidades históricas mais visitadas do País, tombada como Patrimônio da Humanidade. E a mostra oferece, neste cenário, um evento que pensa em cinema como patrimônio. Há um diálogo direto com o perfil da cidade e a oportunidade de gerar um fluxo turístico, econômico e social, criando uma mudança de mentalidade e paradigma. No caso de Ouro Preto, também temos a preocupação de atender aos 11 distritos da cidade. Não é só um diálogo para fora: é dar acesso para pessoas que muitas vezes ficam restritas às condições do seu distrito.
Muitas mostras e festivais enfrentam dificuldades para obter financiamento e realizar novas edições. Diante de um cenário incerto quanto às políticas públicas para a cultura, como assegurar a continuidade do trabalho?
Está havendo um desmanche nacional na área da cultura, a que mais sofre em épocas de crise e, ao mesmo tempo, a que mais se reinventa. Os profissionais da cultura têm um perfil de dedicação muito grande, de consciência da importância dessas ações. Não há como mensurar o prejuízo da descontinuidade, sobretudo no caso de eventos com edições anuais. Estamos vivendo um momento bom de investimento do governo de Minas, principalmente através da Codemig, e a produção mineira cresceu em função desses investimentos. Mas temos uma preocupação porque nem sempre as políticas são contínuas – e sem política pública, a área cultural como um todo, não só de difusão, não sobrevive. Não existe. A Agência Nacional do Cinema (Ancine) também tem verbas, tem programas, e a classe do audiovisual está lutando muito para que não exista uma descontinuidade das conquistas do setor nos últimos dez anos.
O que motivou a escolha de Maria Gladys como a homenageada do ano?
Ela foi escolhida no contexto da temática Histórica, que revisita o movimento tropicalista do final da década de 1970. A Gladys representa um papel muito importante no cinema dessa época, era musa das produções de Júlio Bressane, Rogério Sganzerla, Neville d’Almeida. Hoje ela é uma atriz quase esquecida, que luta todos os dias para se manter, e a gente quer dar um reconhecimento público da importância que ela teve. Muitas vezes essa importância vai ficando esquecida com o passar do tempo, principalmente no caso das atrizes, pois à medida que elas vão ficando mais velhas os papéis vão diminuindo. A proposta é mostrar uma atriz que brilhou tanto nas telas e que merece reconhecimento público.
Além da CineOP, você também realiza as mostras de Tiradentes e Belo Horizonte. Qual o maior aprendizado que você tirou desta carreira focada na produção de festivais audiovisuais?
É preciso ser ousado e ter certa inquietude – estes foram os ingredientes que mais me impulsionaram, especialmente no início da carreira. É preciso ter ousadia e inquietação para conseguir firmar a pedra fundamental de projetos, ações e ideias que muitas vezes geram estranheza num primeiro momento. Em segundo lugar, é preciso aprender a viver um dia de cada vez, pois a gente trabalha sem garantia nenhuma, recomeça a cada ano. Muitas vezes o reconhecimento vem tardiamente, então é preciso controlar a ansiedade e viver um dia de cada vez. E por fim, a questão do legado: sempre ir pensando que tem de deixar uma semente florescendo para além do tempo em que você está ali realizando o evento.
Luísa Pécora é jornalista, criadora e editora do Mulher no Cinema
Foto do topo: Leo Lara/Universo Produção