A atriz Uma Thurman afirmou ter sido assediada pelo produtor Harvey Weinstein em uma entrevista ao jornal The New York Times publicada no último sábado (3). Na mesma reportagem, ela revela uma longa e dura briga com o diretor Quentin Tarantino, com quem trabalhou em três filmes.
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Segundo Thurman, durante as filmagens de Kill Bill o cineasta a convenceu a dirigir um carro que não estava em bom estado. A atriz sofreu um acidente que causou danos permanentes, mas Tarantino se recusou a deixá-la assistir às imagens da batida. A filmagem, que pode ser vista no site do New York Times, foi obtida pela atriz agora, 15 anos após o ocorrido.
Weinstein distribuiu todos os filmes de Tarantino, incluindo Pulp Fiction (1994), também estrelado por Thurman. Quando o escândalo envolvendo o produtor foi a público, o diretor disse que “sabia o suficiente para fazer mais do que fez”.
Na reportagem do New York Times, Weinstein confirmou grande parte do relato de Thurman. Tarantino, não conversou com o Times, mas concedeu uma entrevista posteriormente para o site Deadline.
Leia os principais trechos da reportagem, traduzidos para o português:
Sobre Weinstein:
Thurman e Weinstein estavam [em Paris] falando sobre um roteiro quando o roupão apareceu. “Não me senti ameaçada”, recorda Thurman. “Pensei que ele estava sendo idiossincrático, como um tio excêntrico.”
Ele pediu que ela o seguisse por um corredor para continuarem conversando. “Eu o segui até chegar em uma sauna. E eu estava parada ali totalmente vestida de couro – botas, calças, jaqueta. Estava tão quente que falei: ‘Isso é ridículo, o que está fazendo?’ E ele foi ficando perturbado e bravo, levantou e saiu correndo.”
O primeiro “ataque”, segundo ela, aconteceu não muito depois, na suíte de Weinstein no Hotel Savoy, em Londres. “Ele me empurrou para baixo. Ele tentou se enfiar em mim. Ele tentou mostrar suas partes. Ele fez todo tipo de coisa desagradável. Ele não chegou a me forçar. Mas eu era como um animal tentando se afastar, quase como um lagarto.”
Ela estava hospedada com uma amiga, Ilona Herman. “No dia seguinte chegou um buquê de flores enorme e vulgar na casa dela”, diz Thurman. “Elas eram amarelas. Abri o bilhete como se fosse uma fralda suja, que dizia: ‘Você tem ótimos instintos.'” Depois, segundo ela, assistentes de Weinstein voltaram a ligar para falar de projetos.
Ela achou que podia confrontá-lo e esclarecer as coisas, mas levou Hermann com ela e pediu que Weinstein a encontrasse no bar do hotel. Os assistentes tinham uma coreografia especial para atrair as atrizes para a teia da aranha, e pressionaram Thurman, colocando Weinstein ao telefone para dizer que tinha sido um mal-entendido e que “temos tantos projetos juntos”. Finalmente ela concordou em subir, enquanto Herman esperou perto do elevador.
Segundo Thurman, quando os assistentes sumiram ela alertou Weinstein: “Se você fizer o que fez comigo com outras pessoas, você vai perder sua carreira, sua reputação e sua família, te prometo.” A memória dela do incidente para aqui, abruptamente. Por meio de um representante, Weinstein, que está fazendo terapia no Arizona, disse que “ela pode mesmo ter dito isso”.
Lá embaixo, Herman estava ficando nervosa. “Parecia estar demorando demais.” Finalmente, as portas do elevador se abriram e Thurman saiu. “Ela estava despenteada, muito chateada e tinha um olhar sem expressão”, relembrou Herman. “Os olhos dela estavam loucos, ela estava totalmente fora de controle. Entramos em um táxi e a levei para minha casa. Ela estava tremendo.” Herman disse que quando a atriz conseguiu falar, revelou que Weinstein tinha ameaçado atrapalhar sua carreira.
Por meio de um representante, Weinstein negou ter ameaçado Thurman, que considera “uma atriz brilhante”. Ele reconheceu os episódios contados por ela, mas disse que até a sauna em Paris eles tinham “um relacionamento de trabalho divertido e com flertes”. “Weinstein reconhece ter tentado seduzir Thurman na Inglaterra depois de interpretar equivocadamente os sinais que ela deu em Paris”, disse o comunicado. “Ele se desculpou imediatamente.”
Thurman disse que conseguia tolerar o empresário em ambientes supervisionados e que presumiu ter “ficado mais velha” do que as mulheres que ele assediava.
Sobre Tarantino:
Desde que as revelações sobre Weinstein vieram a público, Thurman tem revivido seus encontros com ele – e um horrível episódio durante as filmagens de Kill Bill no México que a fez se sentir tão enganada quanto a noiva, e tão determinada a conseguir justiça, mesmo se levasse muito tempo.
Depois de nove meses rodando a saga sádica, e faltando apenas quatro dias, [seria filmada] a famosa cena em que Thurman dirige um conversível azul para matar Bill. Foi pedido que a própria atriz dirigisse o veículo. Mas um motorista havia indicado que o carro, que tinha sido reconfigurado de manual para automático, talvez não estivesse funcionando muito bem.
Thurman disse ter insistido no fato de que não se sentia confortável operando o carro e que preferiria que um dublê o fizesse. Os produtores dizem não se lembrar de nenhuma objeção. “Quentin veio ao meu trailer e não gostou de ouvir ‘não’, como todo diretor”, diz a atriz. “Ele estava furioso porque eu tinha custado muito tempo para eles. Mas eu estava com medo. Ele disse: ‘Te prometo que o carro está funcionando. E é uma estrada reta.'” Ele a convenceu a fazer [a cena] e instruiu: “‘Chegue a 64 km/h, senão seu cabelo não vai voar do jeito certo e farei você repetir.’ Mas eu estava dentro de uma máquina da morte. O banco não estava fixado do jeito certo. A estrada não era pavimentada e não era reta.”
[No vídeo] É assustador ver Thurman lutando contra o carro, conforme ele sai da estrada e bate em uma palmeira, o torso dela parecendo contorcido e desamparado até que membros da equipe chegam para tirá-la dos destroços. Tarantino aparece e Thurman mostra um sorriso aliviado quando percebe que consegue ficar brevemente em pé. “O volante estava na minha barriga e minhas pernas estavam presas embaixo de mim”, diz. “Sentia muita dor e pensei, ‘Meu Deus, nunca mais vou andar’. Quando voltei do hospital com uma pescoceira, joelhos machucados, um grande galo na cabeça e uma concussão, queria ver o carro e estava muito brava. Quentin e eu tivemos uma briga enorme, e eu o acusei de ter tentado me matar. Ele ficou muito bravo com isso, acho que compreensivelmente, porque ele não achava que tinha tentado me matar.”
Duas semanas depois do acidente, após tentativas de ver o carro e as imagens, o advogado de Thurman mandou uma carta para a Miramax [empresa de Weinstein, produtor do filme], resumindo o que tinha acontecido e reservando o direito de processar. A Miramax ofereceu mostrar a filmagem se a atriz assinasse um documento “livrando [a empresa] de qualquer consequência relacionada à minha dor e sofrimento futuros”, disse. Thurman não assinou.
Ela diz que sua colaboração com Tarantino foi abalada. “Ficamos em uma briga terrível por anos”, explica. “E tínhamos de ir promover os filmes. Era tudo muito frio. Tivemos uma briga terrível no Soho House em Nova York, em 2004. Gritávamos um com o outro porque ele não me deixava ver as imagens e me dizia que era isso que eles tinham decidido.”
Agora, tantos anos após o acidente, inspirada pela apuração dos casos de violência contra mulheres, revivendo sua “desumanização ao ponto da morte” no México, e furiosa com o fato de que não houve maior repercussão legal contra Weinstein, Thurman diz ter entregue o resultado de suas próprias escavações para a polícia e aumentado a pressão para conseguir as filmagens do acidente.
“Quentin finalmente se retratou me dando as imagens 15 anos depois, certo?”, diz ela. “Não que importe agora, que meu pescoço está permanentemente machucado e meus joelhos têm problemas.” Thurman diz que, em Kill Bill, Tarantino fez as honras no que diz respeito a alguns dos momentos sádicos, cuspindo na cara dela na cena em que Michael Madsen é visto fazendo isso, e a enforcando com uma corrente na cena em que uma adolescente chamada Gogo é vista fazendo isso.
“Sempre senti uma conexão com o bem maior em meu trabalho com Quentin e a maior parte do que deixei acontecer comigo, e do que participei, foi um tipo de luta na lama horrível com um irmão raivoso. Mas pelo menos eu tinha uma voz, sabe?”. Ela disse que nada disso a fez se sentir com menos poder. Até o acidente.
“Pessoalmente, levei 47 anos para parar de chamar pessoas que são cruéis com você de ‘apaixonadas’ por você. Levou muito tempo porque, quando meninas, somos condicionadas a acreditar que crueldade e amor têm algum tipo de conexão. É dessa era que precisamos evoluir.”