Os cineastas colombianos Ciro Guerra e Cristina Gallego são conhecidos pelo elogiado O Abraço da Serpente (2016), longa-metragem que ele dirigiu e ela produziu e que foi indicado ao Oscar de filme estrangeiro. Agora, voltam aos cinemas com Pássaros de Verão, que narra a ascensão, a queda e o fim trágico de um clã wayúu. Em cartaz no Brasil desde quinta-feira (22), a produção chegou a ser chamada de “O Poderoso Chefão indígena” pela imprensa internacional quando foi exibido na Quinzena dos Realizadores do Festival de Cannes em 2018.
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Pássaros de Verão usa elementos da tragédia clássica grega, como a divisão da história em cantos, para narrar a destruição de uma família de Guajira, região ao norte da Colômbia, envolvida na criação do narcotráfico no país (muito antes de Pablo Escobar e dos cartéis de cocaína, tá?).
A história começa no fim dos anos 1960, com o ritual do “encerro” da mulher, quando a garota Zaida (Natalia Reyes) atinge a puberdade e é preparada para o casamento, mesmo sem ter ainda um pretendente. Durante a tradicional dança que Zaida tem de fazer para ser apresentada à comunidade, Rapayet (José Acosta) se apaixona por ela. A cena é tão bela, filmada bem no meio do deserto, com a jovem usando uma roupa vermelho-sangue, que os espectadores criarão altas expectativas em relação à personagem. Rapayet se dispõe a cumprir todas as condições da mãe de sua amada, que se chama Úrsula, como uma das personagens de Cem Anos de Solidão, de Gabriel García Márquez. Ele se envolverá com a produção e venda de marijuana para os Estados Unidos, quando a planta ainda era legalizada, para pagar o dote exigido (cavalos, cabras e colares).
O filme dá a entender que jovens voluntários da Peace Corps, agência federal norte-americana feita para “ajudar” os povos em desenvolvimento com propaganda anti-comunista, foram os primeiros consumidores da maconha colombiana. Numa cena, Rapayet é abordado por gringos que querem comprar a droga para dar uma relaxada. Por conta disso, três ex-voluntários da Peace Corps chegaram a publicar um artigo na revista americana The Hollywood Reporter , dizendo que Pássaros de Verão os acusa falsamente de iniciar a dependência econômica da Colômbia na produção de entorpecentes.
Quando a maconha é criminalizada nos anos 1970, a vida do clã sofre impacto. O contexto cultural machista passa a ser também super violento. A cultura indígena é ocidentalizada. As mulheres, que usavam vestidos e adornos indígenas, surgem com bolsas de couro. Os homens usam camisas e óculos de sol ocidentais nada discretos. A velha aldeia e suas redes de dormir são substituídas por uma mansão moderna, vigiada por homens armados.
Guerra e Gallego misturam gêneros como o faroeste, o realismo mágico e, principalmente, referências de filmes de gângsteres para abordar o narcotráfico como economia paralela do país. O conselheiro ou advogado do mafioso, os duelos de honra, e as guerras entre as famílias estão lá, e, por isso, a breve associação com filmes de Francis Ford Coppola, Scarface, e até mesmo a série de TV Os Sopranos.
O lado intuitivo e a relação das mulheres wayúus com os espíritos e com os sonhos, que antevêem o futuro, são interessantes, mas pouco explorados. Tão cheia de personalidade no início, Zaida murcha quando se casa e tem filhos com Rapayet. Este trecho é bem decepcionante, porém realista. Os diretores acertam ao não entrar tanto na questão do “business” para focar no drama familiar, pois este sempre será atual e universal.
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“Pássaros de Verão”
[Pájaros de Verano, Colômbia, 2018]
Direção: Ciro Guerra e Cristina Gallego
Elenco: Natalia Reyes, José Acosta, Carmiña Martínez.
Duração: 125 minutos
Letícia Mendes é jornalista e mestranda em estudos sobre as mulheres.