Para começar, uma confissão: não sou grande fã de comédias americanas e menos ainda de franquias hollywoodianas. Filmes que cabem nessa descrição são os que assisto no avião, por dever profissional ou em um dia de pouca inspiração na Netflix. No cinema, raramente. Na estreia, provavelmente nunca.
Mas na última quinta-feira fui assistir à nova versão de Caça-Fantasmas. Por um motivo simples: sabia que o mundo estaria de olho na bilheteria do fim de semana de estreia e que era importante que o filme fosse um grande sucesso.
E, de fato, não faltam textos analisando os números de Caça-Fantasmas. Lado bom: o filme fez US$ 46 milhões (R$ 149 milhões) nos Estados Unidos, um recorde para o diretor Paul Feig e para a atriz Melissa McCarthy, e um ótimo resultado para uma comédia. Lado ruim: não foi suficiente para liderar a bilheteria americana e o filme provavelmente terá dificuldade para gerar lucro significativo, visto que custou cerca de US$ 145 milhões (R$ 470 milhões).
O desempenho internacional terá de ser forte (até agora, foi líder no Reino Unido e na Austrália e ficou em terceiro no Brasil), mas a temática sobrenatural deve impedir que o filme chegue à China, segundo maior mercado mundial. É possível, portanto, que Caça-Fantasmas não alcance o sucesso financeiro retumbante pelo qual eu torcia e com o qual tentei colaborar com meu humilde ingresso.
Mas quem liga para as bilheterias, pergunta o leitor. Parece inconcebível, até ridículo, que em 2016 – cinco anos depois de Missão Madrinha de Casamento – ainda tenhamos que provar a Hollywood que existe, sim, interesse por comédias protagonizadas por mulheres. No entanto, os números apontam que a ficha ainda não caiu, e o caso de Caça-Fantasmas é ainda mais emblemático do que o de outras comédias: trata-se, afinal, de um blockbuster de peso, com ação e efeitos especiais, o típico território praticamente proibido às mulheres tanto em frente quanto por trás das câmeras (e aqui vale ressaltar que o diretor de Caça-Fantasmas, aquele a quem o orçamento milionário foi entregue, é um homem).
Os números importam porque Hollywood está em busca de retorno financeiro. Um sucesso estrondoso nas bilheterias poderia não apenas assegurar uma sequência de Caça-Fantasmas como estimular a produção de outros filmes com mulheres, em mais um passo na longa caminhada do cinema comercial americano em direção à igualdade de gênero. Um resultado morno deixa margem para dúvida: provavelmente alguns poderosos dos estúdios vão encontrar combustível para a velha ideia de que é arriscado demais apostar tanto dinheiro em um filme com protagonistas femininas.
Parece exagero, mas não é, principalmente no caso de Caça-Fantasmas. Desde que a opção por um elenco feminino foi anunciada – e antes mesmo que uma única cena fosse filmada, que dirá vista -, críticas inundaram a internet. Tanto o diretor quanto as atrizes foram alvos de mensagens agressivas nas redes sociais (os ataques racistas a Leslie Jones são os mais recentes e lamentáveis). Blogueiros se recusaram a resenhar o longa. Nenhum outro trailer recebeu tantas opiniões negativas no YouTube. E até o pré-candidato à presidência dos EUA Donald Trump achou por bem demonstrar sua indignação: “Agora estão fazendo um Caça-Fantasmas só com mulheres. O que está acontecendo?!”
Claro, nem todos os críticos do novo filme são machistas, e é verdade que outros remakes de franquias provocaram protestos de fãs. Mas a proporção do boicote e o nível de agressividade foi muito além do normal. “Vocês estão destruindo a minha infância”, disseram os trolls, como se o Caça-Fantasmas original fosse alguma espécie de Cidadão Kane (e mesmo que fosse, o que haveria de tão ofensivo em recontar a história com uma mulher no papel principal?).
Como todo mundo, procuro obedecer à regra fundamental da internet: não leia os comentários. Ao mesmo tempo, me incomodava a ideia de que uma eventual decepção de Caça-Fantasmas representasse uma vitória deste movimento despropositado, agressivo e machista. Se não pude ficar imune aos comentários, quis dar uma resposta. E minha resposta foi ir ao cinema.
O que não significa que tenha gostado especialmente do que vi. Como disse, não é o meu tipo de filme, e não achei as piadas muito melhores do que a média do gênero. O vilão me pareceu fraco e pouco desenvolvido e, como muita gente, lamentei que Jones, a única negra do elenco, seja também a única não cientista do grupo, uma representação estereotipada em um filme que propõe quebrar expectativas. Compensou, um pouco, o fato de Jones estar em praticamente todos os melhores momentos do filme, o que também pode ser dito sobre Kate McKinnon (McCarthy e Kristen Wiig, na minha opinião, mereciam um pouquinho mais do roteiro).
Em outras palavras, Caça-Fantasmas me pareceu uma comédia mediana, que cumpre a missão de entreter (o mesmo que eu diria sobre o original). E não vejo problema em registrar isso aqui. Exigir igualdade de gênero no cinema também é exigir o direito das mulheres de fazerem filmes medianos, ruins, péssimos. Quantos filmes decepcionantes protagonizados por homens Hollywood despeja nos cinemas por ano? Seria impossível contar. No entanto, eles não se tornam grandes símbolos de como o público não quer ver homens nas telas. Ou de como homens não são engraçados. Ou de como histórias masculinas não são universais.
Caça-Fantasmas não deveria ter de ser nada além de uma boa diversão. Mas o fato de blockbusters protagonizados por mulheres serem raros os coloca sob um escrutínio muito maior do que o normal. Não basta atender às expectativas, é preciso ser mais.
Eis que finalmente faço minha defesa: Caça-Fantasmas de fato oferece algo mais. Se é um filme como outro qualquer na forma, nas piadas e nos efeitos visuais, também é dono de um inegável frescor. Estamos falando de um blockbuster de verão estrelado por quatro atrizes, três delas com mais de 40 anos; que mostra mulheres em papéis geralmente associados aos homens (cientistas, super-heróis); que não faz uma única menção a suas vidas pessoais (são casadas? namoram? têm filhos? não importa!); que não as retrata como donzelas em perigo; que coloca um homem no papel da secretária linda, mas burra; que essencialmente acompanha quatro amigas ocupadas em salvar o mundo enquanto vestem um dos uniformes menos sensuais que o cinema já viu.
Em outras palavras, Caça-Fantasmas pode não ser um grande filme, mas é certamente um filme importante. Fui ao cinema acompanhada de duas crianças, um menino de 9 anos e uma menina de 10, que nunca tinham visto o original e saíram da sala empolgadíssimas, cantarolando a música tema e recordando seus momentos favoritos (entre eles as invenções da personagem de McKinnon e a burrice do recepcionista bonitão). “Achei que ia morrer de tanto rir”, disse a menina, me fazendo perceber que pouco importava que eu mesma tivesse apenas esboçado alguns sorrisos. Quando essa geração pensar em cientistas caçadores de fantasmas, pensará em quatro mulheres inteligentes e divertidas. Diante disso, só há um recado possível aos haters da internet: sua infância já acabou.