“Não deixo meu filme parado”, diz produtora Renata Paschoal

A atriz Fernanda Montenegro e o diretor Domingos Oliveira são os nomes mais famosos de “Infância”, filme que está em cartaz em São Paulo, Rio de Janeiro e Brasília. Mas outra pessoa teve papel fundamental não apenas em realizar o longa, mas também em colocá-lo nas salas: a produtora mineira Renata Paschoal.

Baseado nas memórias de Oliveira, o filme acompanha um dia na vida de uma família carioca dos anos 1950, comandada pela severa Dona Mocinha, ouvinte assídua dos discursos de Carlos Lacerda.

Sem conseguir uma distribuidora para o longa, Paschoal decidiu assumir a tarefa de fazê-lo chegar até o público. “Pensei: ‘Tenho um filme lindo, bem cuidado, com a Fernanda Montenegro, e ninguém quer colocar no cinema?'”, conta, em entrevista ao Mulher no Cinema. “Eu não deixo meu filme parado.”

Domingos Oliveira e Fernanda Montenegro em
Domingos Oliveira e Fernanda Montenegro em “Infância”

Distribuir é mais uma nova função para Paschoal, que começou como atriz (atualmente, está em cartaz em São Paulo com a “Eu e Ela”, no Teatro MuBE) e fez seus primeiros trabalhos como produtora nos palcos. Foi Oliveira quem a levou ao cinema: depois de ela produzir o espetáculo “Profissão Âncora”, em 2004, o diretor a convidou a repetir a dose na versão cinematográfica, “Carreiras”.

Paschoal topou a proposta, fundou a produtora Forte Filmes e lançou, além de “Carreiras” e “Infância”, outros quatro longas do diretor: “Juventude” (2008), “Todo Mundo Tem Problemas Sexuais” (2011), “Paixão e Acaso” (2013) e “Primeiro dia de um Ano Qualquer” (2013). Além disso, produziu um documentário sobre o cineasta, “Domingos”, dirigido por Maria Ribeiro.

Os trabalhos cinematográficos não-relacionados a Oliveira, que se resumiam a um curta de Cacá Mourhé, estão começando a aparecer. Os próximos filmes da produtora incluem “Elogio aos Planetas”, de Matheus Souza, e “Simonal”, cinebiografia do cantor Wilson Simonal, que terá direção de Leonardo Domingues. Além, é claro, do novo de Oliveira, “Barata Ribeiro 176”.

Na entrevista a seguir, Paschoal fala sobre a parceria com o diretor, a experiência na distribuição e o motivo de não protagonizar os filmes que produz – ainda.

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Você começou como atriz. Como a produção te conquistou?
Comecei a produzir no teatro, porque [trabalhar apenas como atriz] era difícil e percebi que, para me sustentar, teria que fazer outra coisa. Produzi “Profissão Âncora” com o Domingos e a gente se deu super bem, foi um encontro mesmo. Ele me perguntou se eu não queria produzir cinema. Eu disse que nunca tinha feito, que não entendia nada. Mas ele disse: “Eu te ensino tudo”. Foi assim que comecei. Fui atrás de entender as leis, saber como funciona, fiquei lendo e me metendo em tudo [risos]

Muitas atrizes começam a produzir para assegurar bons papéis para si mesmas. Você pensa nisso?
Fiz isso no teatro, mas acho que no cinema é um pouco mais difícil. Não sou famosa, quase não faço televisão…Sempre peço papéis para o Domingos, mas geralmente pequenos, uma pontinha. Mas muita gente tem me falado isso [para produzir filmes estrelados por ela]. Estou criando essa coragem de escolher um personagem. Talvez não a protagonista.

Faz muita diferença ter um protagonista famoso na hora de conseguir patrocínio para o filme?
Faz. Imagina eu chegando numa reunião e a primeira pergunta é “quem é o ator?”. Eu vou falar que sou eu? [risos]

Priscila Rozembaum, Maria Flor, Domingos Oliveira e Renata Paschoal / Foto: Marianna Müller
Priscila Rozembaum, Maria Flor, Domingos Oliveira e Renata Paschoal / Foto: Marianna Müller

O que você aprendeu com o Domingos?
Generosidade. E o que é a arte, o que é o ser humano, ver o lado bom das coisas. Ele me deu uma profissão nova. Eu não sabia produzir cinema e hoje sou elogiada pela Fernanda Montenegro.

O que te atraiu na ideia de levar “Infância” ao cinema?
Produzi a peça “O Fundo do Lago” [na qual o filme é baseado] com o Domingos no papel da avó. Um dia a Fernanda foi assistir e disse para o Domingos: “Acho que eu faria esse personagem melhor do que você.” Ela escreveu uma carta e quando ele leu para mim, felei: “Domingos, isso é para ontem. Vou colocar nos editais agora”. Não era um projeto que estava na minha cabeça na época. Não era o projeto da vez. Mas com o pedido da Fernanda, se tornou.

No Festival de Gramado você recebeu o prêmio de melhor roteiro em nome do Domingos e leu uma carta na qual ele dizia que o cinema brasileiro tem de ser “útil”. Você concorda com ele?
Ele fala muito que cinema é para educar, é uma coisa social, que tem que ser útil. Que temos de dar ao público o que ele precisa, não o que ele quer, do contrário não sai da comédia blockbuster nunca. Filmes históricos ensinam muito – às vezes na emoção você aprende mais do que na escola, naquela coisa didática. Com isso eu concordo, e amo fazer os filmes que faço. Mas a gente não vive de vento: tem de haver algum retorno. Tenho de achar um equilíbrio, um meio termo, porque cinema não é hobby, é profissão. Pode não ser um filme que renda milhões, mas algum retorno tem de ter.

Quais desafios encontrou ao assumir a distribuição de “Infância”?
Assumi a distribuição por força do destino. Comecei procurando as distribuidoras grandes, e não sei se pela temática, pelo roteiro, [as empresas] não vislumbraram bilheteria. Levei um não de todas as grandes. Aí fui para as médias. Elas também acharam que seria uma mercado difícil, tinham medo de investir e não ter retorno. Aí fui para as pequenas e elas também negaram. Pensei: “Tenho um filme lindo, bem cuidado, com a Fernanda Montenegro, e ninguém quer colocar esse filme no cinema?”. Então reservei uma verba dentro do orçamento obtido com as leis de incentivo para o lançamento. Chamei a Tatiana Mouro, que tinha experiência em distribuição, e estamos super felizes porque chegamos a nove salas no País. Inclusive no Cine Roxy, da [rede] Severiano Ribeiro, o que nunca tinha acontecido com um filme do Domingos.

Pensa em continuar na distribuição?
Só se houver necessidade. Eu não deixo meu filme parado. Ouço muita gente dizer: “Estou com meu filme parado, está tão difícil”. Eu não lamento, vou lá e faço. Em algum lugar vai ser lançado, alguém vai ver, alguma coisa vai acontecer.

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