Produzir conteúdo para o público infantil é uma das paixões de Carina Schulze, uma das criadoras da novela infanto-juvenil “Gaby Estrella”. Exibido pelo canal Gloob, o programa faz sucesso ao contar a história de uma garota no início da adolescência que muda de vida ao ir morar com a avó no interior.
“Queríamos criar um produto musical infantil brasileiro”, conta Carina. “Muitas crianças estavam consumindo conteúdo estrangeiro e a gente achou que estava na hora de colocar um fim nisto.”
Nascida em São Paulo, Carina se divide entre o mercado nacional e o internacional, já que sua empresa, a Chatrone, atua nos Estados Unidos e na América Latina. Ela foi produtora, por exemplo, do longa de animação “Festa no Céu”, dirigido por Jorge R. Gutiérrez.
Na entrevista a seguir, Carina fala sobre como desenvolver produtos audiovisuais com apelo internacional e os desafios de fazer conteúdo para o público infantil.
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Como surgiu “Gaby Estrella”?
Estava no [evento] Rio Content Market e conheci a Mara Lobão, [diretora-executiva] da Panorâmica, que depois virou a minha coprodutora. De cara a gente se conectou. Queríamos criar um produto musical infantil brasileiro. Muitas crianças brasileiras estavam consumindo conteúdo estrangeiro e a gente achou que estava na hora de colocar um fim nisto!
Por que escolheu uma menina protagonista?
A história dela é parecida com a minha. Ela tem de ir embora de casa e depois de muito tempo volta para encontrar sua voz e viver seu sonho. Me espelho muito na Gaby, então não tinha outro jeito: ela tinha de ser uma menina. A Gaby é forte e batalhadora, nunca foge das dificuldades que encontra no caminho. Mas ao mesmo tempo é delicada, graciosa e sensível. Ela encara tudo de um jeito especial, um jeito de menina que cativa todos. Ela tinha que ser menina!
Quais os desafios de produzir um programa para crianças?
Temos vários. Gravamos menos horas por dia, o que faz com que o período de gravação se estenda por vários meses. Às vezes é um desafio manter a energia e a dedicação do elenco infantil, que tem de ir para escola, estudar para provas e ainda por cima gravar quase todos os dias. Admiro muito as crianças! O elenco de “Gaby Estrella” é incrível e sempre foi muito fácil e divertido trabalhar com eles. Do ponto de vista social, é uma baita responsabilidade! Se a série faz sucesso e temos muitos espectadores, passamos a fazer parte da memória coletiva da infância destes pequenos adultos – muito como “Confissões de Adolescente” e “Anos Incríveis” fazem parte das minhas memórias de infância. A gente passa a influenciar estas crianças e é muito importante passar bons valores, falar de coisas relevantes, dar bons exemplos. Nosso objetivo, claro, é “divertir” as crianças, mas queremos passar coisas importantes.
Você tem a preocupação de criar personagens femininas que tenham uma imagem positiva na educação de meninas e meninos quanto à igualdade de gênero? De que forma?
Sim, sempre. Com o Gaby Estrella e em todos meus trabalhos sempre tento criar personagens femininas fortes, batalhadoras, intensas, poderosas e complexas. Acho isto muito importante. Cada ser humano é único, com sua própria personalidade e complexidade. Os personagens femininos têm de refletir isto. Cada menina ou mulher tem sua personalidade, então vamos sair dos estereótipos. Isto, além de ser uma responsabilidade para uma escritora, é um elemento essencial para criar narrativas fortes. Sempre procuro passar esta mensagem para as meninas com as minhas personagens: que você pode ser o que quiser; que as demandas do mundo externo não precisam te definir; que você pode e deve sempre acreditar que pode conquistar o que é importante para você.
Sua empresa criou conteúdos que foram vendidos para outros países. Há interesse pelo produto audiovisual brasileiro?
Ainda é muito difícil. Fora as novelas da Globo, temos poucos produtos que foram exportados. Estamos chegando cada vez mais perto, mas nosso conteúdo não é comercial ou internacional o suficiente. Os temas geralmente são mais pertinentes ao público brasileiro e ainda não conseguimos atingir o espectador de séries internacionais. Um grande problema que temos é a língua portuguesa, que é falada em poucos lugares fora Brasil, Portugal e alguns países na Africa. Com as séries de animação estamos começando a ver uma demanda internacional. Animação acaba sendo mais fácil de vender internacionalmente, pois o diálogo pode ser dublado em qualquer língua e ser facilmente acessível a qualquer público. O conteúdo infantil também tende a ser mais internacional, falando de temas acessíveis a qualquer criança do mundo.
A animação brasileira vive um bom momento?
É uma pergunta difícil. Comparado aos anos anteriores, é o melhor momento até agora. Temos várias produções de qualidade acontecendo. “Irmão do Jorel” [produto brasileiro do Cartoon Network] é um grande sucesso, por exemplo. Mas é complicado. Temos muitos animadores brasileiros incríveis morando fora e trabalhando em produções internacionais. A pergunta é: por que estes grandes talentos estão saindo do Brasil? Ainda não temos produções suficientes acontecendo para manter todo o talento aqui. E ao mesmo tempo, temos problemas para montar equipes de animação e pipelines porque faltam animadores no mercado. Então ainda é complicado do ponto de vista de produção. No momento temos algumas séries de animação que estão sendo exportadas para outros países. Isto é realmente incrível e uma evolução para o Brasil. Mas acho que temos que ampliar isso. E o único jeito é sempre criando projetos que visam o mercado internacional. Projetos de alta qualidade com conteúdo acessível a outros mercados.
Como criar um conteúdo que tenha identificação tanto com o público nacional quanto internacional?
Meu objetivo é sempre pensar em temas universais. Procuro sempre tocar em pontos com os quais qualquer pessoa pode se relacionar: família, medos, a adolescência, a desigualdade, poder, justiça, o desejo de superação. Porque assim os personagens falam com pessoas do mundo todo. Também sempre opto por fazer projetos com apelo comercial. Não deixo de falar de valores e passar elementos relevantes para o público, especialmente o infantil. Mas, ao mesmo tempo, penso no espectador que está do outro lado da tela, que tem o poder de trocar de canal simplesmente apertando um botão. Procuro fazer produtos divertidos, emocionantes, com ganchos fortes, personagens cativantes. Um produto só pode ser internacional se ele for primeiramente acessível a um público amplo, mas também ofereça algo de novo, de surpreendente.
De todas as etapas da produção de conteúdo, qual a sua preferida?
O que mais amo é escrever. Simplesmente sentar na frente do computador e escrever muito. No fundo tudo que queria era ficar de pijama e meia o dia inteiro em casa tomando chá ou chocolate quente e escrevendo páginas e páginas. Me imaginei escrevendo sem nunca sair de casa ou ter de falar com ninguém. A ironia da vida me levou para uma outra direção. Hoje em dia escrevo muito, mas raramente consigo fazer isso em casa. E na verdade passo a maior parte do tempo me reunindo com pessoas e trabalhando em conjunto para realizar os projetos. Ou seja, nem tenho um pijama!