Exibido em Gramado, documentário sobre Alcione chega ao streaming

Após competir no Festival de Cinema de Gramado, o documentário O Samba É Primo do Jazz, dedicado à trajetória da cantora Alcione, agora pode ser visto no streaming. Reunindo material de arquivo, entrevistas e imagens de ensaios e shows, o filme é dirigido por Angela Zoé, conhecida por documentários biográficos como Betinho, a Esperança Equilibrista (2015), Meu Nome É Jacque (2016) e Henfil (2018).

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Por causa destes trabalhos prévios, Zoé foi convidada pela TV Mirante, emissora afiliada à Rede Globo no Maranhão, a dirigir um especial sobre os 70 anos de Alcione, completos em 2017. Logo após a primeira reunião com Solange Dias Nazareth, irmã e empresária da cantora, a diretora propôs que o projeto também evoluísse para um documentário, que logo se tornou uma coprodução de sua empresa, a Documenta Filmes, com a Globo Filmes, a Globonews e o Canal Brasil (a distribuição é da O2 Play). 

Apesar deste interesse, até então a diretora não era especialmente fã da cantora. “Achava Alcione legal, mas não era uma música que escutava”, contou Zoé, em entrevista por email ao Mulher no Cinema. Em seus documentários anteriores, a escolha de biografados se deu ou pela proximidade com a pessoa retratada (caso de Jacque, como é conhecida a ativista transexual brasileira Jaqueline Rocha Côrtes) ou com seus herdeiros (caso dos filmes sobre Henfil, Betinho, Ary Barroso e Di Cavalcanti, o próximo da lista). “Meu critério é um pouco essa proximidade e também o tesão que vai me dando durante o processo”, definiu a cineasta.

O filme sobre Alcione inicialmente se chamaria “Eu Sou Marrom” e abordaria não apenas a trajetória da cantora, mas também a relação com suas fãs e o que a diretora chama de “backstage emocional” que existe ao seu redor.  “Ela é uma pessoa que mexe muito com todo mundo”, afirmou. No entanto, quando a equipe de Alcione decidiu usar “Eu Sou Marrom” como nome de uma turnê, Zoé decidiu mudar o foco. “Enquanto a filmava nos ensaios, ficava intrigada com o que ela fazia com a voz. Ela não é só samba, é a nossa Sarah Vaughan”, completou, fazendo uma comparação com a cantora de jazz americana.

Alcione em imagem de arquivo recuperada por “O Samba É Primo do Jazz”

O interesse da diretora pelo diálogo entre jazz e samba aumentou durante a pesquisa. O documentário mostra, por exemplo, uma entrevista na qual o produtor Roberto Menescal conta ter convidado Alcione para gravar um disco de samba porque não tinha uma cantora do gênero na gravadora em que trabalhava, a Polygram, e precisava fazer frente ao sucesso de Beth Carvalho e Clara Nunes. Assim, Zoé decidiu retratar principalmente as relações familiares e as influências musicais de Alcione, emprestando o título de uma de suas canções, “Primo do Jazz”. E os pontos altos do filme são justamente as imagens de arquivo nas quais Alcione toca trompete e canta canções de Louis Armstrong, bem como as entrevistas nas quais fala do treinamento musical dado pelo pai (uma destas entrevistas, aliás, é conduzida por Grande Otelo).

O documentário, porém, aborda vários outros aspectos da trajetória de Alcione, sem de fato se aprofundar em nenhum deles. De forma geral, o filme apenas ensaia entrar em questões mais complexas, como quando Solange relata o descrédito enfrentado por ela e sua outra irmã, Maria Helena, quando tornaram-se empresárias de Alcione. “No começo foi muito difícil”, conta Solange em entrevista dada à Angela Zoé. “O grande problema meu e de Maria Helena, como empresárias dela, era de as pessoas acreditarem na gente. Esse meio é meio…tem umas coisas meio assim”, completa. Entende-se que ela se refere a machismo e racismo, mas estas duas palavras não são mencionadas neste ou em qualquer momento do filme, algo surpreendente tanto pela trajetória de Alcione quanto pelas declarações que já deu sobre o assunto. No ano passado, por exemplo, ela falou ao programa Altas Horas sobre episódios racistas pelos quais passou, e fez críticas ao presidente da Fundação Palmares, Sergio Camargo, durante uma live de grande repercussão com a cantora Teresa Cristina.

Zoé disse que a decisão de não abordar estes temas foi dela, não da cantora. “Alcione viu o filme pronto e não deu pitaco. Foi sempre deliciosa, simpática”, afirmou. “Eu não queria falar de racismo ou feminismo em nenhum momento. Não tenho essa pegada nos meus filmes, não sou assim. Sou cinebiógrafa: ligo [a câmera] e deixo o meu biografado contar sua história. Acho que meus dispositivos são mais centrados no personagem. Deixo o personagem falar. Me meto pouco nos filmes, e talvez este seja um dos meus maiores talentos.”

Segundo a diretora, o material de arquivo veio do acervo da Rede Globo e da própria Alcione e, de tão rico, poderia render um documentário inteiro. Mas ela complementou filmando ensaios, shows e as entrevistas com a cantora e suas irmãs. “Não consegui filmar muito, porque a agenda da Alcione era completamente impossível. E ela tem um entourage, então foi difícil ficarmos sozinhas”, disse Zoé. Os momentos mais íntimos com a diretora foram dois: uma entrevista em sua casa e um passeio em Lisboa a bordo de um “tuk tuk”, espécie de triciclo com cabine que roda pela cidade. O Samba É Primo do Jazz pode ser visto no Now, Vivo Play, Oi Play, iTunes, Apple TV, Google Play, YouTube Filmes e Looke. Assista ao trailer:


Luísa Pécora é jornalista e criadora  do Mulher no Cinema

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