7 cineastas pioneiras e como ver os filmes delas no streaming

Você sabia que mulheres como Alice Guy-Blaché, Lois Weber e Mabel Normand estavam fazendo filmes antes mesmo de poderem votar? No contexto das comemorações dos 125 anos do cinema, é fundamental recuperar, conhecer e celebrar a trajetória das mulheres que ajudaram a criar e a desenvolver a linguagem audiovisual, mas foram historicamente ignoradas por livros, cursos, festivais e retrospectivas.

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Este reconhecimento serve de guia para a mostra Pioneiras do Cinema, escolhida pelo Telecine para abrir o Festival 125 Anos de Cinema. A comemoração marca a data da primeira exibição pública de imagens em movimento (realizada pelos irmãos Lumière, em Paris, em 28 de dezembro de 1895) e a decisão de começar com as pioneiras buscou reforçar que as mulheres não apenas fazem cinema, como fizeram cinema desde sempre.

“Quando você pesquisa sobre o início do audiovisual, encontra listas de filmes que quase só têm homens brancos. É assim que a história é contada”, afirmou a curadora do Telecine Cult, Karina Branco, em entrevista ao Mulher no Cinema. “Quando sentamos para analisar o projeto do festival e vimos que a pesquisa só trazia homens, decidimos correr atrás das mulheres e ter essa questão cada vez mais em mente.”

O resultado é que o streaming do Telecine agora oferece 16 filmes de sete diretoras pioneiras, compondo um retrato do quão forte e variada era a produção feminina já nas primeiras décadas do cinema. Vale lembrar que novos assinantes têm 30 dias de acesso gratuito à plataforma.

Saiba mais sobre as cineastas e os filmes que estão no catálogo:

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Sete filmes de Alice Guy-Blaché, a primeira diretora da história, podem ser visto no Telecine – Foto: Divulgação/Be Natural

Alice Guy-Blaché (1873-1968)

Assista no streaming do Telecine:
O Amor Maior de um Homem (1911); Algie, O Mineiro (1912); A Garota na Poltrona (1912); Americanização (1912); O Cair das Folhas (1912); Casamento Às Pressas (1913) e A Órfã do Oceano (1916)

Antes de tornar-se a primeira cineasta mulher da história, Alice Guy trabalhava como secretária na companhia fotográfica Gaumont e foi a uma das históricas exibições dos irmãos Lumière. Os primeiros filmes eram breves registros de cenas da vida (pessoas saindo de uma fábrica, um trem chegando à estação), mas a francesa, que era filha de livreiro e gostava de teatro, achou que aquela nova invenção poderia ser usada para contar histórias. Ela perguntou ao chefe, Léon Gaumont, se poderia usar equipamentos da empresa para filmar algumas cenas, e ele concordou, com a condição de que não prejudicasse seu trabalho como secretária. No ano seguinte, Guy já estava lançando o primeiro de mais de mil filmes que dirigiu até 1920 na França e nos Estados Unidos.

Sete destes filmes estão disponíveis no streaming do Telecine, e o Mulher no Cinema destaca três: O Cair das Folhas, que tem a talentosa Magda Foy no papel da pequena Trixie, uma criança que cria um plano para salvar a irmã com tuberculose; A Garota da Poltrona, que conta a história de um homem atormentado por uma dívida de jogo e inclui uma das cenas mais famosas da diretora, na qual efeitos especiais criam um pesadelo com cartas de baralho; e A Órfã do Oceano, obra que não foi inteiramente preservada, mas é uma boa amostra do período final da carreira da diretora. O filme combina drama e comédia e tem Doris Kenyon no papel de Millie, jovem que foge do padrasto abusivo e se refugia em uma mansão recém-comprada por um escritor.

Três filmes de Lois Weber podem ser vistos no Telecine, incluindo “Suspense” – Foto: Reprodução

Lois Weber (1879-1939)

Assista no Telecine: Suspense (1913); Insatisfação (1916) e A Mancha (1921)

Primeira mulher americana a dirigir filmes, Lois Weber começou sua carreira por trás das câmeras em 1908. Vários de seus primeiros curtas foram dirigidos em parceria com o marido, Phillips Smalley, incluindo o ótimo Suspense, que está no streaming do Telecine. O filme cumpre a promessa feita no título, criando clima de tensão para contar a história de uma mãe (interpretada pela própria Weber) cuja casa é invadida por um ladrão. Entre vários recursos técnicos e enquadramentos ousados, destaca-se a divisão de tela que permite ao espectador ver três personagens em ambientes distintos simultaneamente.

Weber fez vários trabalhos solo, abriu sua própria produtora e foi das cineastas mais bem-sucedidas das primeiras décadas do cinema americano – não só entre mulheres, mas também entre  homens. Em mais de cem trabalhos realizados até 1934, ela abordou temas sociais e controversos, como drogas, pena de morte, desigualdade, controle de natalidade e aborto, em geral a partir de um viés conservador e moralizante. Em A Mancha, por exemplo, uma jovem bibliotecária filha de um humilde professor desperta sentimentos em três homens: um herdeiro riquíssimo, o filho de um comerciante e um reverendo. Weber usa estes personagens para falar sobre solidariedade e a importância de não se valorizar apenas os que possuem bens materiais.

Olga Preobrazhenskaya é a diretora de “Mulheres de Ryazan”, disponível no Telecine – Foto: Reprodução/VUFKU

Olga Preobrazhenskaya (1881-1971)

Assista no Telecine: Mulheres De Ryazan (1927)

Pioneira do cinema soviético, Olga Preobrazhenskaya começou a carreira como atriz percorrendo os palcos da Rússia e estreou no cinema em 1923, integrando o elenco do longa The Keys to Happiness, dirigido por Vladimir Gardin e Yakov Protazanov. Mesmo após passar para o outro lado da câmera, Preobrazhenskaya continuou trabalhando como atriz, sendo professora e uma das fundadoras do curso de atuação da escola russa de cinema conhecida como VGIK, ainda em funcionamento.

O filme mais celebrado de Preobrazhenskaya é justamente o que está disponível no Telecine: Mulheres de Ryazan, dirigido em parceria com Ivan Pravov. O longa acompanha a trajetória de duas mulheres: Anna, órfã pobre que se casa com o filho de um fazendeiro; e Vasilisa, expulsa de casa por causa do romance com o ferreiro Nicolai. O início da Primeira Guerra Mundial (1914-1918) separa os dois casais e dá destinos diferentes para Anna e Vasilisa. “Há uma sororidade bem legal entre as personagens, embora isso não seja explicitado verbalmente”, comentou a curadora Karina Branco sobre Mulheres de Ryazan, seu título favorito entre os selecionados para mostra. “É um filme que foge ao que estamos acostumados a ver no cinema soviético da época e que tem um fundo feminista muito à frente de seu tempo.”

“O Cigarro” e “A Sorridente Madame Beudet”, de Germaine Dulac, estão no Telecine – Foto: Reprodução/Kino

Germaine Dulac (1882-1942)

Assista no Telecine: O Cigarro (1919) e A Sorridente Madame Beudet (1923)

Germaine Dulac começou a carreira como jornalista, escrevendo para revistas feministas. Sua entrada no cinema se deu em 1915, quando abriu a produtora DH Filmes ao lado de Irène Hillel-Erlanger, inspirada por uma viagem à Itália na qual acompanhou uma amiga em uma filmagem. Além de dirigir dezenas de filmes, ela também teve grande atuação no circuito cineclubista francês e escreveu importantes artigos, muitos dos quais defendiam um cinema de vanguarda que fosse livre das interferências do teatro e da literatura. “O filme que sonhamos em compôr”, escreveu Dulac em 1925, “é uma sinfonia visual feita de imagens rítmicas coordenadas e projetadas na tela unicamente pelos sentimentos de um artista.”

Dois interessantes filmes de Dulac podem ser vistos no streaming do Telecine, a começar por O Cigarro, sobre o diretor de um museu que suspeita estar sendo traído pela mulher bem mais jovem do que ele. Inspirado na antiga história de um príncipe, ele planeja um inusitado suicídio: coloca veneno em apenas um dos vários cigarros que guarda em sua mesa, deixando que o destino decida o dia da sua morte. Já A Sorridente Madame Beudet é um bom exemplo da abordagem feminista de Dulac e de como ela foi se aproximando do impressionismo ao longo da carreira. O filme conta a história da personagem título, Madame Beudet, uma mulher presa a um casamento abusivo que cria um plano para se livrar do marido.

Mabel Normand é atriz e diretora de “Carlitos no Hotel” – Foto: Biblioteca do Congresso Americano

Mabel Normand (1892-1930)

Assista no Telecine: Carlitos no Hotel (1914)

A americana Mabel Normand foi uma das principais comediantes do cinema mudo, atuando em mais de 200 curtas e longas antes de sua morte precoce, aos 37 anos. Mas ela também deixou uma importante obra como roteirista e diretora, sendo uma das primeiras artistas (entre homens e mulheres) a dirigir os filmes dos quais era protagonista. Há grande divergência sobre quantos trabalhos Normand fez por trás das câmeras, mas na estimativa da Women Film Pioneers Project, uma iniciativa da Universidade de Columbia, foram pelo menos 26 títulos como diretora entre 1912 e 1915.

O filme disponível no Telecine, Carlitos no Hotel, é um dos 12 nos quais Normand contracenou com Charlie Chaplin, de quem foi mentora (o relacionamento dos dois, porém, nem sempre foi dos melhores). Este curta cria uma série de confusões a partir de dois personagens: um homem bêbado (Chaplin) que entra em um hotel e uma jovem de pijama (Normand) que, sem querer, fica trancada para fora do quarto. Uma curiosidade: este foi o primeiro filme no qual Chaplin interpretou o personagem Carlitos, mas não foi o primeiro a ser lançado.

Marie-Louise Iribe é a diretora de “O Rei dos Elfos”, disponível no Telecine – Foto: Reprodução/Mein Film

Marie-Louise Iribe (1894-1934)

Assista no Telecine: O Rei dos Elfos (1931)

Como Mabel Normand, a francesa Marie-Louise Iribe também é mais conhecida como atriz do que como diretora, e também morreu muito cedo, aos 39 anos. Mesmo nesta breve carreira, deixou uma importante marca no audiovisual francês e dirigiu tanto no cinema mudo como no falado.

Iribe estudou no Conservatório de Paris e fez sua estreia como atriz de cinema em Fleur fanée…coeur aimé (1913), de René Le Somptier. Nos anos 1920, criou a produtora Les Artistes Réunis em parceria com o marido Pierre Renoir, filho do pintor Pierre-Auguste-Renoir e irmão do cineasta Jean Renoir, que também dirigiu alguns filmes da empresa. A estreia de Iribe na direção foi com Hara-Kiri (1928), que concluiu após Henri Debain deixar o projeto. O filme disponível no Telecine é seu único trabalho solo como diretora: O Rei dos Elfos, baseado em um folclore dinamarquês que também inspirou um poema de Johann Wolfgang von Goethe. Na versão do filme, um pai desesperado tenta salvar o filho doente levando-o para a cidade mais próxima. No caminho, o menino começa a ter visões do chamado “rei dos elfos”.

Mary Ellen Bute foi pioneira da animação e do cinema experimental – Foto: Reprodução/Light Industry

Mary Ellen Bute (1906-1983)

Assista no Telecine: Parábola (1937)

Pioneira da animação e do cinema experimental, a americana estudou pintura e teatro e foi aprendiz de vários artistas de vanguarda antes de começar sua carreira no cinema. De 1934 a 1966, fez mais de 15 curtas – vários deles em colaboração com o diretor de fotografia Theodore Nemeth, com quem era casada, e exibidos antes de outros filmes em salas selecionadas, como o Radio City Music Hall, em Nova York.

Em geral, os curtas de Bute usam animação, efeitos visuais e truques de iluminação para produzir imagens nas quais formas abstratas se movimentam no ritmo da trilha sonora. É como se criasse uma “música visual”, ou, como ela definiu em 1936, uma “nova forma cinética de arte visual que reúna som, cor e forma”. O filme que você pode ver no Telecine, Parábola, é em preto e branco mas segue a mesma ideia. Bute divide a direção com Rutherford Boyd, Bill e Theodore Nemeth, e a canção da vez é “Création du Monde”, de Darius Milhaud.


* Este texto foi produzido pelo Mulher no Cinema e é patrocinado pelo Telecine

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