Diretoras brasileiras respondem: qual o melhor filme dirigido por mulher do ano?

Quais os melhores filmes de 2019 na opinião de quem faz cinema? Pelo quarto ano consecutivo, o Mulher no Cinema publica uma lista muito especial: nela, os destaques do ano que termina são escolhidos não pelos críticos ou pelo público, mas por cineastas brasileiras.

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A reportagem conversou com diretoras que lançaram longas-metragens nos cinemas este ano para saber: qual foi seu filme favorito dirigido por uma mulher em 2019? E por quê? Elas puderam escolher qualquer título, nacional ou estrangeiro, desde que tivesse sido lançado nos cinemas brasileiros desde janeiro.

No total, 13 filmes diferentes foram escolhidos, e oito deles foram citados mais de uma vez. Confira:

Varda por Agnès, de Agnès Varda

Alice Riff, diretora de Eleições
“Escolho Varda por Agnès, de Agnès Varda. Foi uma experiência maravilhosa passar junto com ela por uma vida dedicada ao cinema. Varda compartilhou com a gente seu espírito livre, seu olhar alegre e radical, nos deixando obras deliciosas e generosas. Varda é inspiração para que a gente continue na luta, sempre com amor.”

Bel Bechara, diretora de Onde Quer que Você Esteja
“Escolho destacar Varda por Agnès. É impossível dissociar o filme do conjunto da obra, então a escolha é por tudo que Agnès Varda significou para mim desde sempre, por sua obra ter sido uma presença inspiradora em minha vida. O tema da morte e da finitude esteve muito presente e este filme me parece um balanço final, uma despedida mesmo. É simples, uma espécie de bate-papo, mas Agnès está inteira ali, falando sobre si mesma e suas escolhas. A única forma de ser artista é exercer o direito à liberdade de falar o que quiser como quiser. E desde jovem isso foi muito espontâneo para ela, mesmo sabendo que às mulheres esta liberdade de expressão sempre foi muito controlada ou até negada. Às mulheres sempre foi reservado o estereótipo do olhar feminino: a delicadeza. Mas Agnès foi muito além disso, muito além. Em Varda por Agnès conheci mais sobre a artista que julgava já conhecer. Sua ligação estreita com a fotografia, um pouco de suas videoinstalações, e sua relação com o cinema, que a própria Agnès se encarregou de sintetizar: inspiração, criação e compartilhamento. Nada mais generoso do que isso: o sentido de tudo, no final das contas, é o compartilhamento. Quando se fala em cinema de mulheres, o mais importante para mim é desconstruir o estereótipo do olhar feminino e reforçar a importância da presença feminina em toda a sua diversidade. Eu só tenho a agradecer à Agnès, não só por sua obra inventiva e maravilhosa mas também por me provar que é possível uma mulher realizadora com um olhar tão próprio, tão livre. Ela foi uma das grandes. A lista de lançamentos deste ano está maravilhosa e gostaria de destacar também filmes como Los Silencios, de Beatriz Seigner, Torre das Donzelas, de Susanna Lira, e Tarde para Morrer Jovem, de Dominga Sotomayor.”

Diz a Ela que me Viu Chorar, de Maíra Bühler

Beth Formaggini, diretora de Pastor Cláudio
“Meu filme predileto deste ano é Diz a Ela Que Me Viu Chorar, da diretora Maíra Bühler. Chega um momento em que não podemos mais virar o rosto e olhar para o lado para não ver os seres humanos que povoam cada vez mais as ruas das nossas cidades. Maíra Bühler decidiu se aproximar e conhecer estes seres invisibilizados bem de perto, dosando com respeito essa distância. Seus personagens são complexos, de vários gêneros, são usuários de crack e outras drogas e são majoritariamente negros. Eles apresentam performances expondo seus momentos de afeto e intimidade, de revolta e violência, de solidão e de abandono e de alegria. Maíra observa pacientemente provocando estas expressões pela presença de sua câmera e equipe. A cidade de São Paulo é sempre vista de longe, através de seus ruídos e de uma paisagem distante anunciando que essa população não está convidada a participar de sua festa. A gestão Fernando Haddad criou o hotel social Parque Dom Pedro, no centro da cidade, que funcionou entre agosto de 2016 e janeiro de 2017, acolhendo estes usuários de drogas numa política de saúde baseada na redução de danos, autonomia e liberdade. O projeto foi  ‘descontinuado’ na gestão posterior, do então prefeito João Dória, que despejou as 105 pessoas que ali viviam numa política punitiva que encara esta questão social como caso de polícia. Durante uma longa jornada de imersão neste universo, Maíra acompanha o cotidiano da vida dos então moradores do Parque Dom Pedro que, como todos, amam, sofrem violência e perdas, se alegram e se apegam à vida.”

Bruna Carvalho Almeida, diretora de Os Jovens Baumann
Diz a Ela Que Me Viu Chorar, da Maíra Bühler, foi uma experiência cinematográfica tão intensa que ficou reverberando em mim por vários dias. A generosidade com que as personagens são apresentadas me colocou numa corda bamba entre a brutalidade e a doçura. A cada frase, a cada rosto, a cada gesto, um mundo inteiro se abria, como se a cidade invadisse aquela ocupação, com todos os seus conflitos e contradições. Um filme muito importante para o cinema brasileiro, tanto pela urgência de seu tema, como pela maneira única de se aproximar de um universo tão delicado e potente.”

"A Sombra do Pai", de Gabriela Amaral Almeida

Clara Linhart, diretora de Domingo
“A lista dos filmes dirigidos por mulheres no Brasil em 2019 é expressiva, e isso me deixa muito, muito feliz. Gosto de muitos, difícil escolher o meu preferido. Destaco A Sombra do Pai, de Gabriela Amaral Almeida, pelo rigor estético e a crítica social embutida no drama vivido pelo pai da história. Não costumo ver filmes de suspense e me surpreendi com a crítica à desumanização das relações de trabalho e a sutileza das questões do luto da menina e do pai. Quero mencionar Deslembro, de Flavia Castro, Espero Tua (Re)volta, de Eliza Capai, e Torre das Donzelas, de Susanna Lira, como filmes que me tocaram imensamente.”

Claudia Priscilla, diretora de Bixa Travesty
“Minha escolha é o filme Los Silencios. A diretora e roteirista Beatriz Seigner nos leva para um universo em que as fronteiras são borradas. A  narrativa nos conduz para um espaço em que realidade e fantasia se misturam. Não estamos mais em ambientes sólidos, estamos tentando curar dores e encontrar os fios narrativos da triste história da América Latina. Nos ‘escombros’ submersos flutuamos entre ficção e documentário, fantasia e realidade e também entre vivos e mortos.” 

"Los Silencios", de Beatriz Seigner

Flavia Castro, diretora de Deslembro
“Passei muito tempo viajando, acompanhando Deslembro, e vi menos filmes do que gostaria neste ano que passou. Mas, vi sim, vários filmes de cineastas brasileiras que me tocaram muito, e é uma alegria enorme sentir que estamos a cada ano mais presentes. Pouco antes dos noventa anos, Agnès Varda estava cansada demais para seguir saltitante mundo afora pelos festivais nos quais era convidada a falar de sua obra. Ela imaginou que um filme sobre o seu processo criativo poderia cumprir essa função no seu lugar. E assim nasceu Varda par Agnès. Agnès Varda nos diz que seu cinema se alimenta dos encontros, do acaso, da sua intimidade, e das questões seu tempo: direitos civis, feminismo, injustiça social…No filme, percebemos como o seu caminho de cineasta é cheio de bifurcações, feito de acasos e de rupturas. Para ela, o que se cria, o que se faz, é inseparável do que se vive, do que se experimenta. Varda inventa para si um espaço, uma forma de estar no mundo e de exercer a sua criatividade que é profundamente inspiradora para qualquer artista, mas especialmente para nós, mulheres. É a mais bela despedida que ela poderia nos deixar: Varda par Agnès é um filme de transmissão.”

"Bixa Travesty", de Claudia Priscilla e Kiko Goifman

Gabriela Amaral Almeida, diretora de A Sombra do Pai
“O meu voto vai para Bixa Travesty, de Claudia Priscilla e Kiko Goifman. Assisti ao filme no Festival de Cinema de Brasília, com uma plateia lotada e participativa. Linn da Quebrada e Jup do Bairro reinam absolutas num filme feito para e com elas, um raro caso de coautoria entre diretores e personagens em um documentário. O recurso de quebra da quarta parede, quando Linn se dirige frontalmente ao público, é sobretudo político. É através deste diálogo (literalmente) direto que a personagem endereça à plateia a principal questão do filme – a saber, o que fazer ante as estratégias de acossamento e silenciamento do feminino na nossa sociedade?”

Giovanna Giovanni, diretora de Um Dia para Susana
“Meu filme favorito de 2019 foi Diz a Ela Que Me Viu Chorar, de Maíra Buhler. É um filme que me tocou por ter um olhar profundamente generoso e empático a pessoas em uma situação de exclusão extrema nas grandes cidades brasileiras. São poucas as experiências de cinema que mergulham nos sentimentos de afeto que nos aproximam como seres humanos. Imperdível.”

"Deslembro", de Flavia Castro

Graziela Mantoanelli, diretora de De Peito Aberto
“O filme que gostaria de destacar é Deslembro, dirigido por Flavia Castro. O que amei no filme foi como a narrativa foi construída de forma sutil, se contrapondo ao tema que é seco e duro. Na minha opinião, a experiência do espectador fica muito mais potente quando o sangue é mostrado sem que de fato o vermelho tome a tela. E Deslembro faz isso poeticamente. Delicado e forte, mostra a atuação sanguinária da ditadura brasileira e a complexidade de seus desmembramentos. Intimista, nos transporta para dentro da tela. Mesmo sendo uma história distante, faz com que ela seja minha também. Fato importantíssimo na realidade que estamos vivendo, pois precisamos entender que essa história é de todos nós, que ela nos deixou marcas profundas, e que precisamos sempre valorizar a liberdade.”

"O Chalé é uma Ilha Batida de Vento e Chuva", de Letícia Simões

Julia Ariani, diretora de Fernando
O Chalé É Uma Ilha Batida de Vento e Chuva, dirigido por Letícia Simões, é uma preciosidade. O filme é de uma delicadeza singular, extremamente generoso no mergulho que cruza as navegâncias da diretora e do autor Dalcídio Jurandir escutando e escrevendo sobre o Marajó e suas pessoas. O filme cria tempos, faz descansar os olhos, os ouvidos, e apenas descemos nas correntezas das palavras da Letícia, que nos leva por um mundo que se revela nas pequenezas, nos encontros, nas paisagens, nas conversas. É lindo ver o passado e o presente se encontrando quando Letícia revisita os lugares por onde Dalcídio passou. O filme ficou em mim por muito tempo. Alguns meses depois de assistir, por acaso, fiz uma longa viagem pelo Pará, passando pela Ilha de Marajó. Por outro acaso, antes de chegar na ilha, fui presenteada com um livro do Dalcídio Jurandir. Antes do filme da Letícia, nunca tinha ouvido falar nele.”

"O Menino que Fazia Rir", de Caroline Link

Julia Martins, diretora de Antártica por um Ano
“Um filme que me emocionou bastante neste ano foi O Menino que Fazia Rir, da cineasta alemã Caroline Link. Conta um pouco da infância do humorista, também alemão, Hape Kerkeling, a influência que as mulheres tiveram em sua vida, principalmente sua mãe, e como ele desenvolveu o humor a partir dessas relações. Delicado, amoroso, com uma cinematografia discreta e ótimas atuações, é um filme que te faz esquecer que se está vendo um filme, que te convida a entrar. E que deixa, ao final, aquela sensação doce e saudosa de quando se testemunha a beleza da experiência humana e de uma existência singular.”

Julia Rezende, diretora de De Pernas pro Ar 3
“Movimento estudantil é um tema que me interessa muito, tanto por uma vivência pessoal como por observação social. Espero Tua (Re)volta, de Eliza Capai, é um filme que traz um olhar passional sobre esse universo e ao mesmo tempo é informativo, abrindo uma reflexão sobre os acontecimentos no país de 2013 pra cá a partir do viés dos estudantes secundaristas. A diretora dá voz aos jovens e revela diversas camadas e campos de um movimento amplo e cheio de particularidades. Um filme que pulsa e emociona.”

"Espero Tua (Re)volta", de Eliza Capai

Letícia Simões, diretora de O Chalé É Uma Ilha Batida de Vento e Chuva
“Uma tarefa árdua essa, a de escolher um só filme para representar uma paisagem tão vasta e diversa – a dos filmes dirigidos por mulheres. Mas bem! À primeira vista, meu coração bate por Varda por Agnès, o último filme de Agnès Varda, essa mulher que nos ensinou a ver o mundo com iguais ironia e delicadeza. Contudo, em um ano marcado pela arquitetura da destruição do cinema brasileiro – da cultura brasileira, enfim -, prefiro seguir com Los Silencios, de Beatriz Seigner. Um filme que me impressionou pela habilidade narrativa e grande incentivador ao falar de temas tão espinhosos: luto, guerra, fronteira. É um filme a ver e rever. E PS: não posso deixar de falar de Bixa Travesty, de Claudia Priscilla e Kiko Goifman, que é um escândalo de direção, de personagens, de provocação, de doçura, de delícia e de desejo.”

Lina Chamie, diretora de Santos de Todos os Gols
“Escolho Diz a Ela Que Me Viu Chorar, de Maíra Bühler, pela humanidade com que trata seus personagens no cotidiano presente dos afetos que dignificam; Los Silencios, de Beatriz Seigner, por explorar a mágica das camadas de lembrança do passado que nos definem; e Varda por Agnès, de Agnès Varda, porque sem ela e seu cinema não haveria os dois primeiros.”

"Santos de Todos os Gols", de Lina Chamie

Marcela Coelho, diretora de A História de um Sonho – Todas as Casas do Timão
“Aos 31 anos, não consigo definir com clareza minha conexão com o futebol, já que não tive aquele clássico roteiro que ostenta lembranças de momentos peculiares com a figura paterna. No entanto, a energia passional despertada por ‘peças’ nas quatro linhas conquistou proporções ainda maiores. Por isso, o filme que consumi com grande apreço foi Santos de Todos os Gols, dirigido com maestria e altas doses de sensibilidade por Lina Chamie. O documentário explora de maneira catártica a sensação do gol. Pelo grito soado ou engasgado do torcedor, pelo faro do jogador e por todos os elementos que permeiam esse universo extraordinário da bola. Ter apreciado a história do time que mais marcou gols na história do futebol mundial da maneira como foi construída para o cinema foi transcendente.”

Maria Carolina da Silva, diretora de Diários de Classe
“Gosto do filme Chuva é Cantoria na Aldeia dos Mortos, da Renée Nader Messora e do João Salaviza. Com uma fotografia exuberante e flertando com o cinema ficcional, inclusive se utilizando de efeitos especiais, o documentário nos revela o cotidiano profundamente ritualizado de uma comunidade nos conduzindo com intimidade e encantamento pelo drama vivido por Ihjac. Ele é um índio Krahô que enfrenta a chegada do momento do ritual de passagem do espírito de seu pai – e o fim do luto – e a hipótese de se tornar pajé do seu grupo. Sem querer se tornar pajé, Ihjac se refugia na cidade dos brancos, onde nuances da relação dos indígenas com as instituições ganham projeção no filme.”

Chuva é Cantoria na Aldeia dos Mortos, de Renée Nader Messora e João Salaviza

Marina Meliande, diretora de Mormaço
“Um filme que me marcou no ano de 2019 foi Tarde para Morrer Jovem, da Dominga Sotomayor. É uma trama aparentemente simples, sem grandes dramas, na qual ela coordena muitos personagens de forma delicada. Eles vivem juntos numa espécie de comunidade alternativa rural no Chile recém-democrático, onde as ideias de liberdade estão sempre presentes, mas têm dee ser coordenadas com as necessidades de um grupo, de uma comunidade. A diretora extrai momentos belíssimos de ações cotidianas, com composições de quadros impressionantes, elaboradas em várias camadas, sempre mantendo o espectador próximo das personagens. Nostálgico sem ser saudosista, é um lindo convite a reviver a adolescência nos anos 90.”

"Tarde para Morrer Jovem", de Dominga Sotomayor

Renée Nader Messora, diretora de Chuva é Cantoria na Aldeia dos Mortos
Los Silencios, de Beatriz Seigner, foi pra mim mergulhar na possibilidade de outros mundos, que ecoam aqui de diversas maneiras – a língua, que me soa tão familiar; o invisível que se faz presente e determina o rumo das personagens; os deslocamentos como forma de resistência… Tudo orquestrado com uma delicadeza ímpar, de quem sente o que está filmando. Também queria destacar o filme Teko Haxy, da Patrícia Ferreira e da Sophia Pinheiro, que tive a sorte de assistir numa Mostra de Cinema em Lisboa. Acredito na potência do cinema como mediador de tensões, enquanto espaço de aproximação e troca entre sujeitos que se olham e dançam – em frente e atrás da camera. Em Teko Haxy, ao mesmo tempo que essa ideia é o dispositivo que nos permite aproximar-nos da intimidade das duas diretoras – como mulheres imperfeitas, uma indígena e a outra não-indígena – o cinema se converte também no próprio campo de batalha, evidenciando as diferentes maneiras de pisar na terra, mas sem perder de vista a vontade de construir juntas.”

"Torre das Donzelas", de Susanna Lira

Theresa Jessouroun, diretora de O Corpo É Nosso
“Meu destaque vai para um filme brasileiro: Torre das Donzelas, de Susanna Lira, que, de forma original, mostra depoimentos de mulheres corajosas que enfrentaram o pior período da nossa história: a ditadura militar. Com suas falas, elas dão exata dimensão do medo, angústia e dor da tortura que sofreram no presídio, conseguindo fazer o espectador pensar no nosso momento atual.”


Luísa Pécora é jornalista, criadora e editora do Mulher no Cinema

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