Stacy L. Smith sobre inclusão em Hollywood: “É tempo de otimismo e de manter pressão”

Quando for divulgada a lista das 100 maiores bilheterias do ano nos Estados Unidos, é bem provável que nos deparemos com uma boa notícia: pela primeira vez em décadas, a porcentagem de mulheres na direção destes filmes deve ficar entre 12% e 15%. Uma porcentagem minúscula, é claro, mas que representaria um enorme salto em relação aos míseros 4% registrados em 2018.

Quem antecipou os números foi a americana Stacy L. Smith, talvez a mais importante pesquisadora do mundo no que diz respeito à igualdade de gênero no entretenimento. Por meio do think thank Annenberg Inclusion Initiative, ligado à Universidade do Sul da Califórnia, Smith conduz estudos anuais e está por trás de iniciativas de notoriedade internacional – como o inclusion rider, a cláusula de inclusão mencionada por Frances McDormand no Oscar, e o desafio dos 4%, que busca estimular a contratação de mulheres em Hollywood.

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Smith foi uma das convidadas do Power of Inclusion, seminário sobre a inclusão no audiovisual realizado em outubro em Auckland, na Nova Zelândia, e promovido pela New Zealand Film Commission em parceria com a Women in Film and Television International (WIFTI). No seminário, ela adiantou os números deste ano e afirmou que, no que diz respeito a reverter o cenário de desigualdade em Hollywood, ela “nunca esteve tão otimista”. “É claro que 12% ou 15% não são o suficiente, mas pela primeira vez há um salto exponencial e isso é muito importante”, afirmou. “Agora a questão é como vamos trabalhar de forma conjunta para que os números continuem subindo. É tempo de ter otimismo e de manter a pressão.”

Antes de entrar de cabeça nos estudos sobre cinema, Smith fez pesquisas sobre o modo como a mulheres eram representadas nos videogames. Em 2005, recebeu uma proposta da organização See Jane, que depois viria a ser o Instituto Geena Davis: conduzir um levantamento sobre a representação da mulher nos filmes e programas de televisão voltados para crianças. No Power of Inclusion, Stacy contou que, depois deste trabalho, fez uma lista com todos os estudos que gostaria de fazer. Em 2019, concluiu o último da lista, incluindo trabalhos para o Instituto Geena Davis, o Instituto de Sundance e a própria Annenberg Inclusion Initiative.

Stacy L. Smith fala durante painel do Power of Inclusion – Foto: Michael Bradley/Getty Images for New Zealand Film Commission

Em suas aparições em eventos e na imprensa, Smith frequentemente assume um estilo “mão na massa”, propondo mecanismos relativamente simples como o inclusion rider e o desafio dos 4% para que empresas e indivíduos possam fazer algo pela igualdade de gênero em Hollywood. “Você tem de ter estratégias de curto e longo prazo”, afirmou Smith. “A mudança de fato vai levar tempo, mas precisamos de algumas pequenas vitórias que coloquem as pessoas em ação e ajudem a acelerar as coisas.”

No Power of Inclusion, Stacy fez um apelo para que os estúdios criem metas de inclusão e planos para atingir estas metas, além de mecanismos para determinar se algum progresso está sendo feito. Mas ela destacou que a ação dos estúdios não será suficiente se não se estender por toda a cadeia do audiovisual, com a igualdade de gênero e raça tornando-se prioridade para produtores, diretores, roteiristas, sindicatos, empresas de efeitos visuais e pós-produção, distribuidoras, exibidores, relações públicas, críticos e jornalistas.


“O mais extraordinário do #MeToo foi que, pela primeira vez, todos os gatekeepers saíram da frente. Você tinha acesso direto às pessoas que podiam fazer as coisas acontecerem em Hollywood: atrizes, diretoras, produtoras, executivas, agentes.”


Segundo Smith, uma maior contratação de mulheres também passa por uma mudança no conceito de liderança. A pesquisadora aplicou para Hollywood a chamada role congruency theory, segundo a qual o preconceito contra líderes mulheres se deve ao fato de as características associadas à liderança (como assertividade, controle, firmeza) não serem comumente vistas como femininas. Em um estudo de 2015, Stacy reuniu entrevistas com pessoas da indústria cinematográfica que atribuíram características como “agressividade”, “ambição”, “general” e “muscular” como necessárias a quem dirige filmes.

“Isso significa que quando as pessoas pensam em cineasta, pensam em um homem”, afirmou. “Histórias sobre indivíduos poderosos que tenham diferentes origens e pertençam a diferentes grupos vão destruir essa perspectiva limitada sobre quem é capaz de liderar, e vão nos levar a uma nova era no entretenimento.”

Parte do otimismo de Smith vem da movimentação em Hollywood após o escândalo envolvendo o produtor Harvey Weinstein e o fortalecimento do #MeToo. A pesquisadora participou de várias das reuniões de mulheres (atrizes, produtoras, diretoras, entre outras) que levaram à criação do Time’s Up, organização que luta contra o assédio na indústria cinematográfica e em outras áreas. “O mais extraordinário do #MeToo foi que, pela primeira vez, todos os gatekeepers saíram da frente. Você tinha acesso direto às pessoas que podiam fazer as coisas acontecerem em Hollywood: atrizes, diretoras, produtoras, executivas, agentes”, contou.

Uma dessas conversas fez com que o inclusion rider chegasse ao Oscar, como contou Fanshen Cox DiGiovanni, cocriadora da medida, em entrevista ao Mulher no Cinema: “Menos de uma semana antes do Oscar, Stacy se encontrou com a agente da Frances McDormand, que falou: ‘Não sei se ela poderá dizer algo [no palco], mas se puder, o que você gostaria que ela dissesse?’ Stacy respondeu: ‘Diga a ela para falar inclusion rider.'”

Durante o Power of Inclusion, Smith foi questionada sobre qual cenário, notícia ou situação indicaria que a inclusão se tornou realidade: chegar a 50% de mulheres nos filmes campeões de bilheteria, por exemplo? “Eu não sei se os números é que vão nos dizer”, respondeu a pesquisadora. “O que realmente importa é ter acesso ao capital, é que os indivíduos tenham os recursos para contar a história que quiserem, sejam US$ 100 milhões ou US$ 100 mil. Quando isso acontecer, todos os números começarão a mudar.”


Luísa Pécora é jornalista e criadora do Mulher no Cinema. Ela viajou para Auckland e participou do seminário Power of Inclusion a convite da Tourism New Zealand.

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