Bruna Spínola assume roteiro, produção e direção de arte em “A Filha do Caos”

Registrar o processo íntimo entre uma atriz e uma câmera: este foi o ponto de partida de A Filha do Caos, longa-metragem protagonizado e escrito por Bruna Spínola que estreia nesta quarta-feira (12) no Festival do Rio. Dirigido pelo cineasta Juan Posada, o filme é o primeiro grande projeto cinematográfico de Bruna, que também assumiu a produção executiva e a direção de arte.

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Este acúmulo de funções se deveu, primeiro, à vontade da dupla de realizar um filme autoral (Posada, além de diretor e corroteirista, também fez a produção executiva, a direção de fotografia e a montagem, esta última em parceria com Renato Vallone). “Era nosso desejo fazer um filme no qual pudéssemos imprimir nossa marca”, afirmou Bruna, em entrevista por e-mail ao Mulher no Cinema. “Buscamos criar a forma, o conteúdo e o processo que nos levassem onde queríamos.”

Pesou, também, a própria personalidade da atriz, que tem interesses e formações diversas. Graduada em Literatura, ela passou por escolas de atuação como Macunaíma e Wolf Maya e, agora, estuda arquitetura, além de se dedicar à escrita e à fotografia. “Gosto de me desafiar e me interesso por processos investigativos de atuação. Este desejo de experimentação, de testar novas possibilidades, casou com esse argumento que eu já tinha escrito e que buscava o momento certo pra ser realizado”, contou.

Foi Bruna quem apresentou a ideia de A Filha do Caos para Posada, com quem já tinha trabalhado em outros projetos. O filme conta a história de Maria, uma atriz em crise que se prepara para interpretar Jocasta em uma montagem de Édipo Rei, a tragédia grega escrita por Sófocles. Certo dia, a caminho de um ensaio, ela se depara com uma mulher que carrega o filho morto. A partir deste encontro, Maria mergulha em uma série de questionamentos sobre o que é ser mulher, especialmente no que diz respeito à maternidade.

É um papel mais dramático e de maior protagonismo do que os vividos pela atriz recentemente. No ar com a novela Cara e Coragem, da TV Globo, ela também atuou na série Impuros (2019-2020), exibida pela Globoplay e Disney Star+, e no longa Eduardo e Mônica (2020), de René Sampaio. Em 2023, estará no elenco das séries How to Be a Carioca e Musa Música. “Desde que filmei Impuros, e após fazer algumas personagens mais leves e divertidas, fiquei com vontade de voltar a me experimentar em um papel mais denso”, afirmou.

Apesar de muitas atrizes começarem a produzir e a escrever para assegurar melhores oportunidades para si mesmas, Bruna afirma que este não foi um fator fundamental no caso de A Filha do Caos. “Claro que é um papel totalmente diferente daqueles para os quais sou escalada normalmente, mas a vontade inicial e mais profunda foi falar das angústias, desejos e inquietações dessa personagem”, afirmou. “Muitas de nós, mulheres, já fomos silenciadas em alguns momentos. Por mais que a gente lute, às vezes sinto dificuldade em ser ouvida. É preciso dar voz a essa e a muitas outras mulheres”, completou.

Ainda sem previsão de estreia no circuito comercial, A Filha do Caos será exibido no Festival do Rio como parte da mostra Novos Rumos, dedicada a novos realizadores e novas linguagens da produção audiovisual brasileira. O longa é filmado em preto e branco e procura inspiração em uma estética neo-expressionista, enchendo as imagens de simbolismos. Da mesma forma, o trabalho de Bruna na direção de arte procurou objetos que repressentassem e traduzissem visualmente as principais ideais do filme. “É uma busca por expressar sentimentos e angústias para além das palavras e da narrativa clássica”, definiu. “Nosso roteiro indicava símbolos e imagens, e as locações e situações foram todas pensadas. Mas não tenho como tentar explicações verbais pra algumas coisas que só podem ser sentidas e interpretadas no momento em que se formam as cenas.”

As filmagens foram feitas com equipe reduzida e a câmera foi operada pelo próprio diretor. Bruna está em cena quase o tempo todo, muitas vezes atuando sozinha ou falando direto à câmera. “Nosso desenho de produção contemplava poder testar, assistir, refletir, refilmar e fazer novos mergulhos. Tudo isso costuma ser impossível num processo padrão de filmagem com grandes equipes e um cronograma a cumprir”, explicou.

Para ela, a criação de um filme que foge ao naturalismo também tem a ver com os anos no teatro, onde o contato com a plateia é direto. “Existe um pacto entre o público e os atores que por vezes o cinema nos faz esquecer”, afirmou. “A verdade é que todos sabemos que é uma ficção. A imersão sempre está na mente do espectador.”

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