Véronique Reymond e Stéphanie Chuat falam da parceria em “Minha Irmã”

As diretoras, roteiristas e atrizes suíças Stéphanie Chuat, de 50 anos, e Véronique Reymond, 49, mal conseguiram fazer uma pausa nos últimos meses. Desde que disputaram o Urso de Ouro no Festival de Berlim, em fevereiro do ano passado, elas têm exibido o longa Minha Irmã em eventos pelo mundo, como a Mostra Internacional de Cinema em São Paulo e a 18ª KINO – Mostra de Cinema de Expressão Alemã, realizada em Portugal, e neste ano totalmente online por conta da pandemia e do fechamento das salas de cinema.

Em meio à agitada agenda, Chuat e Reymond foram escolhidas pela segunda vez para representar a Suíça na busca por uma indicação ao Oscar de melhor filme internacional. A primeira foi em 2010, com seu longa de estreia na ficção, The Little Bedroom, que não ficou entre os finalistas selecionados pela Academia. Desta vez, elas estão cautelosas porém otimistas com a possível indicação: “Seria simplesmente alucinante!”.

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A Suíça já foi indicada ao Oscar sete vezes e venceu duas, com Fora de Controle (1984), de Richard Dembo, e A Viagem da Esperança (1990), de Xavier Koller. Uma indicação para Minha Irmã representaria a primeira vez que um filme suíço dirigido por mulheres disputaria na categoria.

O país tem trabalhado para tornar sua indústria cinematográfica mais igualitária, inclusive estabelecendo cotas no regulamento oficial dos mecanismos de financiamento público. Dos filmes produzidos entre 2017 e 2019, 29% foram dirigidos por mulheres, segundo dados da Swiss Women’s Audiovisual Network (SWAN), grupo criado em 2018 para reunir as profissionais do cinema e da televisão. Nesta segunda-feira (25), a SWAN lançou o primeiro diretório digital suíço de mulheres que trabalham no audiovisual.

Minha Irmã estreia nesta quinta-feira (28) no Brasil e conta a história de Lisa (a alemã Nina Hoss), uma dramaturga que largou o trabalho para se dedicar à família, trocando Berlim pelos Alpes suíços. Além disso, faz de tudo para ajudar seu irmão gêmeo, o ator Sven (Lars Eidinger), a lutar contra a leucemia. Enquanto as realizadoras escreviam o roteiro, a mãe de Chuat foi diagnosticada com câncer de pulmão em fase terminal. “De um dia para o outro, me vi no lugar da Lisa”, disse a diretora, em entrevista por email ao Mulher no Cinema. “Véronique me observava e inseria no roteiro algumas das coisas pelas quais eu estava passando.”

Parceiras desde que se conheceram na infância, Chuat e Reymond têm um vínculo muito forte de amizade e de trabalho. Juntas, elas já dividiram palcos, realizaram o curta Berlin Backstage (2004), os documentários Buffo Buten & Howard (2009) e Les Dames (2018) e a série de TV Open Book (2014), entre outros. Se depender delas, os projetos futuros também sempre serão feitos assim: completamente juntas.

Leia as respostas das diretoras às perguntas enviadas pelo Mulher no Cinema:

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Em 2010, The Little Bedroom foi selecionado para representar a Suíça no Oscar. Agora, Minha Irmã aparece na lista da Variety como um dos favoritos ao prêmio de melhor filme internacional. Como vocês estão se preparando para essa possibilidade, já que até agora apenas cineastas homens da Suíça foram indicados?
Vamos dar um passo de cada vez e esperar até o primeiro turno de votação. Ficamos extremamente felizes de nosso filme ter chegado à lista de favoritos. Se formos pré-selecionadas, já será ótimo para o nosso filme, para nós duas e para as mulheres! E então, se o filme for indicado…Seria simplesmente alucinante! Dedos cruzados!

Cena de ‘Minha Irmã’, com Nina Hoss e Lars Eidinger

Além do vínculo dos irmãos gêmeos, Minha Irmã mostra uma mulher muito talentosa que colocou sua carreira de lado para priorizar marido e filhos. Vocês acham que mais e mais mulheres estão experimentando esse desejo de voltar a criar?
Sim, claro. Há alguns anos a voz das mulheres tem soado cada vez mais alto na sociedade em geral, e também no campo criativo. Mas, apesar do progresso social, muitas mulheres ainda se sentem frustradas profissionalmente, ainda sacrificam a carreira para criar filhos. Isso é particularmente verdadeiro no caso de expatriados, em que muitas vezes a mulher segue o marido e cuida dos filhos enquanto espera sua vez de voltar à vida profissional. Mas quando chega a hora de o marido retribuir o favor, as coisas desandam! As obrigações familiares levam as mulheres a fazer escolhas das quais ainda são muitas vezes prisioneiras.

E por que vocês também quiseram retratar expatriados na Suíça?
Queríamos ambientar nosso filme na Suíça, o país onde vivemos, mas de um ângulo diferente. Muitos estrangeiros vivem na Suíça, e o ambiente de internato traz muitos deles para os Alpes. Queríamos explorar esse meio, um tipo de ambiente difícil de alcançar, porque você não se comunica facilmente com eles. Estávamos interessadas em mergulhar neste tópico e em como eles se adaptam – ou não – à vida suíça. Frequentemente, quando um casal estrangeiro se muda para a Suíça, o parceiro que vem aqui para trabalhar fica feliz e tem sucesso em seu trabalho. Mas para o outro, aquele que o “segue”, a adaptação pode ser difícil, porque não há perspectivas profissionais para ela (ou para ele) neste novo lugar de habitação. Ou pelo menos não tão empolgantes quanto aquelas pelas quais seu parceiro veio aqui.

Imagem do filme “Minha Irmã”

Eu li que vocês sempre tiveram a atriz Nina Hoss em mente para este filme. Fiquei curiosa para saber qual foi a primeira vez em que vocês a viram atuando e passaram a admirá-la?
Ficamos maravilhadas com sua atuação em Barbara (2012), de Christian Petzold. E o destino deu uma mão: em fevereiro de 2015, nós a encontramos por acaso em uma boutique em Berlim. Fomos até ela e dissemos: “Olá, somos cineastas suíças e estamos escrevendo um filme para você. Quer tomar um café…?” Três dias depois, ela nos ligou de volta e nos encontrou na Potsdamer Platz para um “café rápido” que acabou durando três horas. Foi uma sorte incrível conhecê-la assim, e não por meio de um agente, e que ela tenha permanecido fiel ao projeto, que levou quatro anos para ser escrito, e cinco para sua estreia na Berlinale.

Este é o segundo longa de ficção que vocês fazem juntas. Como funciona essa parceria?
Nos conhecemos desde os 10 anos e estudamos juntas, então temos um vínculo muito forte e compartilhamos inúmeras memórias. Nós duas começamos como atrizes, fomos para a escola de teatro e formamos uma dupla de palco, apresentando nossos atos de palhaço nas ruas da Europa. Então começamos a fazer shows em cinemas e, depois, a fazer filmes para adicionar algumas sequências às nossas peças. Amamos tanto que decidimos seguir nessa direção. Foi um processo muito natural. Primeiramente escrevemos e dirigimos curtas-metragens, documentários, e depois, The Little Bedroom. Nossa forma de trabalhar evoluiu ao longo dos anos. Escrevemos The Little Bedroom completamente juntas, como uma peça “a quatro mãos”. Para Minha Irmã, o processo foi diferente: eu (Stéphanie) me afastei da escrita durante o desenvolvimento do roteiro, pois minha mãe foi diagnosticada com câncer de pulmão em fase terminal. Então, de um dia para o outro, me vi no lugar da Lisa em Minha Irmã: passei a ser a cuidadora da minha mãe, até que ela faleceu, 10 meses depois. Nesse período, como uma esponja, Véronique me observava e inseria no roteiro algumas das coisas pelas quais eu estava passando. Durante as filmagens, ambas estávamos presentes no set cem por cento, sem nenhuma divisão particular de tarefas. Ficamos disponíveis para o momento, para o que estava acontecendo; nunca decidimos com antecedência quem faria o quê. A mesma coisa durante a montagem do filme, que pode ser um momento mais conflituoso entre nós. Tivemos muitas discussões, mas sempre conseguimos tomar decisões e pactuar a montagem de uma cena sem nunca nos comprometermos entre as duas visões. No final, sempre encontramos soluções com as quais ambas concordamos plenamente.

Também li que vocês conseguiram obter na Suíça todo o financiamento necessário para fazer o filme. O mercado suíço oferece estímulo às obras feitas por mulheres?
Há alguns anos as cotas foram introduzidas nos fundos públicos suíços, e vemos seu efeito no aumento do número de projetos realizados por mulheres que são financiados. Há uma obrigação na lei de respeitar essa igualdade de gênero, o que é ótimo. No entanto, esperamos o dia em que os projetos serão apoiados por suas qualidades intrínsecas, e não pelo gênero de seus criadores.

Quais cineastas suíças vocês admiram?
Jacqueline Veuve (1930-2013), uma das pioneiras da indústria cinematográfica suíça. Ela foi uma documentarista incrível, capturando a verdadeira essência das pessoas que filmou.

Vocês têm mais projetos para cinema? Querem fazer outro filme com Nina Hoss?
Sim, adoraríamos trabalhar novamente com Nina Hoss, ela é uma ótima atriz e um ótimo ser humano. Temos algumas ideias acontecendo…Também temos novos projetos para cinema, e um deles é o remake americano de The Little Bedroom. Atualmente estamos escrevendo Toxic, uma série desenvolvida em conjunto com a TV suíça. É um drama ecológico combinado com uma história familiar que explora as consequências de uma contaminação misteriosa do Lago Genebra. Toxic questiona a todos sobre sua relação com o meio ambiente e mais especificamente com a água, elemento vital para a humanidade. Quando começamos a desenvolvê-la, vimos como uma série que antecipava algo, mas com a pandemia, parece ser um assunto bastante atual…


Letícia Mendes é jornalista, vive em Lisboa e é co-criadora dos projetos culturais @elasnocinemalx e @umaartistapordia, ambos no Instagram.

Foto do topo: Sophie Brasey

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