Rachel Dretzin sobre ‘Longe da Árvore’: ‘Nunca mais vi o mundo da mesma forma’

Das listas de livros mais vendidos para os cinemas brasileiros: Longe da Árvore, documentário dirigido por Rachel Dretzin, leva o best-seller do escritor Andrew Solomon para as telas de São Paulo, Rio de Janeiro e Porto Alegre a partir desta quinta-feira (19), e com sessões gratuitas no primeiro fim de semana. Também produtores do filme, Dretzin e Solomon trabalharam juntos na adaptação do livro, que faz uma ampla investigação sobre como as famílias lidam com as diferenças.

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Para escrever a obra, Solomon fez mais de 300 entrevistas durante cerca de dez anos, partindo de uma experiência pessoal: a tensa relação que teve com seus pais pelo fato de ser gay. O sucesso fez com que o autor fosse procurado por cerca de 30 cineastas interessados em adaptar o título para as telas. A escolhida foi Dretzin, produtora e diretora premiada por trabalhos de não-ficção no cinema e na televisão, e que também integra o programa de graduação em documentário social da School of Visual Arts de Nova York. 

“Quando terminei a leitura, senti que nunca mais olharia o mundo da mesma forma. Ele me deu uma nova perspectiva sobre algo que eu pensava conhecer – diferença e deficiência -, e criou um mundo no qual eu queria permanecer”, contou a diretora, em entrevista por email ao Mulher no Cinema. “Acho que Andrew sentiu que eu tinha entendido o livro de forma profunda, e que eu tinha competência profissional para fazer o filme.”

A missão de Rachel não foi fácil: condensar, em 93 minutos, a essência da obra de Solomon, que tem mais de mil páginas e aborda temas complexos. Logo de cara, a equipe decidiu que era preciso fazer uma nova busca por personagens, e apenas uma das histórias contadas no livro está no filme: a de Jason Kingsley, um homem de cerca de 40 anos que tem síndrome de Down. O documentário também entrevista Jack Allnut, um garoto com autismo; a jovem Loini Vivao e o casal Leah Smith e Joseph Stramando, que possuem nanismo; e a família de Trevor Reese, um adolescente que matou um menino de oito anos.

Para costurar estas histórias tão diferentes, a diretora entrevista o próprio Solomon: “A história de Andrew como um homem gay, que viu sua forma particular de diferença deixar de ser considerada uma doença para ser celebrada como uma identidade, traz uma perspectiva-chave: outras questões que hoje são menos socialmente aceitáveis talvez sejam vistas de forma muito diferente no futuro.”

Leia a entrevista com Rachel Dretzin:

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O que a atraiu no livro e por que quis levá-lo ao cinema?
O livro é transformador em tantos níveis. Quando terminei de ler, senti que nunca mais olharia o mundo da mesma forma. Ele me deu uma nova perspectiva sobre algo que eu achava que conhecia: diferença e deficiência. Além disso, criou um mundo no qual eu queria permanecer, um mundo que me pareceu mágico, esperançoso e profundo. As histórias no livro são muito cinematográficas e pensar nelas como um filme foi inevitável.

Houve uma forte competição pelos direitos de adaptação do livro e Andrew teve várias possibilidades de escolha. Por que acha que ele escolheu você e o seu projeto?
De fato, Andrew foi procurado por muitas pessoas que queriam transformar o livro em filme. Ele foi muito rigoroso no processo de escolher a pessoa certa. Acho que a decisão de confiar o projeto a mim foi baseada em duas coisas: ele sentiu que eu tinha entendido o livro de forma profunda, e também achou que eu tinha competência profissional para fazer o filme.

Joseph Stramando e Leah Smith estão entre os entrevistados de “Longe da Árvore”

Como vocês escolheram as pessoas que seriam entrevistadas para o filme?
O processo de “casting” foi bastante complicado e levou mais da metade de um ano. Nos encontramos com dúzias e dúzias de famílias, em alguns casos várias vezes. Conhecemos muitas pessoas em conferências e convenções, como a convenção da Little People of America [organização americana sem fins lucrativos dedicada às pessoas com nanismo] que aparece no filme. Outras, conhecemos por meio de boca a boca. No fim das contas, escolhemos famílias que não apenas se destacaram e que dialogavam com os temas do livro, como também famílias cujas histórias funcionavam juntas e se complementavam.

Como foi o processo de preparação e de entrevistas? Você teve alguma preocupação em particular ao conversar com pessoas que têm experiências muito diferentes das suas?
Para fazer este filme, confiei nas mesmas habilidades nas quais confio em todos os filmes. Minha curiosidade genuína e minha apreciação pelas pessoas e suas histórias tendem a fazer com quem elas se sintam confortáveis e abertas, mesmo se não for bem assim no começo. Quando se está genuinamente interessada em alguém, não importa o quão diferente você é: as pessoas são pessoas e elas gostam de ser perguntadas sobre as coisas. Obviamente, com este conteúdo, tive de aprender os termos que não são considerados aceitáveis, o que nem sempre é intuitivo. E em alguns casos, principalmente o da família Reese, levou bastante tempo para que a confiança fosse construída. Nestes casos, é preciso ter paciência e continuar voltando, de novo e de novo.

A história da família Reese é muito comovente e poderia render um documentário inteiro. É, também, uma história muito diferente das demais. Por que você quis incluí-la no filme?
Tinha grande convicção, e o Andrew também, de que o filme não deveria ser apenas sobre deficiências e diferenças físicas: de que a deficiência comportamental pode ser igualmente profunda e desafiadora para as famílias. Foi difícil integrar uma história tão diferente no filme, mas sentíamos que era fundamental tentar.

O autor de “Longe da Árvore”, Andrew Solomon (centro) e sua família

E no caso de Andrew? Por que você queria ter a voz e a história dele no filme?
A perspectiva e a voz de Andrew são fundamentais para unir estas diferentes histórias. Em termos puramente cinematográficos, facilitou ter esta espécie de “narrador”. Além disso, a história de Andrew como um homem gay, que viu sua forma particular de diferença deixar de ser considerada uma doença para ser celebrada como uma identidade, traz uma perspectiva-chave: outras questões que hoje são menos socialmente aceitáveis talvez sejam vistas de forma muito diferente no futuro.

A questão financeira não é o foco do filme, mas fica claro que os tratamentos, conferências e tecnologias que ajudam as pessoas com deficiência são muito caros. A questão da renda ou da classe social também acaba sendo um fator de divisão entre as pessoas?
Totalmente. Gostaria de ter tido mais tempo para lidar com a questão de classe e como ela é parte da história.

Ao mesmo tempo em que estimula o público a abraçar as diferenças, o filme também mostra a importância de estarmos próximos a pessoas que se parecem com a gente, que entendam e compartilhem de nossas experiências. Você concorda com essa leitura?
Sim. Muitos personagens do filme se fortalecem mais do que nunca ao se sentir parte de uma “tribo”. É um tema importante tanto no livro quanto no filme. Como seres humanos, precisamos das duas coisas: estarmos expostos a aqueles que são diferentes e sermos aceitos por eles, mas também sermos parte de uma comunidade formada por aqueles que são mais como nós.

Que conselho você daria para as mulheres que querem trabalhar no cinema?
É um momento maravilhoso para ser mulher nesta indústria. Encontre histórias que dialoguem pessoalmente com você. Mais do que nunca, o que realmente importa é a história. Trabalhe com pessoas nas quais confia e não tenha medo da colaboração. Encontre a história, coloque seu coração e sua alma nela, e o resto vai acontecendo.


Luísa Pécora é jornalista, criadora e editora do Mulher no Cinema

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