Pavan Bivigou faz crítica no TikTok: “Gosto de falar sobre como sinto os filmes”

Se alguém tivesse dito à inglesa Pavan Bivigou que era possível condensar sua opinião sobre um filme em 60 segundos, ela teria duvidado. No entanto, depois de cerca de um ano e meio fazendo justamente isso, o que parece desafiador é escrever várias páginas. “É surpreendente quanta coisa cabe em um minuto”, afirmou, em entrevista ao Mulher no Cinema. “Basta continuar editando o texto até ficar com nove frases favoritas.”

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Pavan faz crítica de cinema rápida, mas não por isso superficial, em um espaço um tanto quanto inusitado: o TikTok. Redatora freelancer, ela baixou o aplicativo durante a pandemia, em busca de uma tela a mais para rolar no longo tempo que tinha de passar em casa. Naquele momento, estava sem cabeça para o que até então era uma de suas atividades favoritas: ver filmes. Ao entrar para a rede social que mais cresce no mundo, ela teve a ideia de um projeto que poderia reacender sua antiga paixão e ajudá-la a realizar o desejo de aprender a editar vídeos. “Meu pensamento foi: e se eu assistir a um filme, fizer um pequeno vídeo sobre ele e publicar no TikTok?”, relembrou. “Vai ser uma forma de me estimular e de ter um diário do que vi durante a pandemia.”

Sua meta inicial era ter mil seguidores. Hoje, tem 11,7 mil, um número modesto se comparado aos criadores que viraram celebridades na plataforma, mas suficiente para render oportunidades profissionais e convites para painéis em festivais e outros eventos. Seu trabalho já chamou a atenção das equipes de marketing de filmes importantes (como Ataque dos Cães, de Jane Campion) e do Instituto de Cinema Britânico, que recentemente a contratou para criar vídeos patrocinados sobre uma de suas mostras.

Pavan se destaca, primeiro, pelo poder de síntese e a forma clara com a qual expressa sua opinião (seu comentário sobre o filme de Campion, por exemplo, tem apenas 46 segundos e aborda muitos dos mesmos pontos sobre os quais escrevi aqui no Mulher no Cinema, mas em 6.360 caracteres e 63 linhas). Em seu perfil, há vídeos de crítica, com cenas do trailer e um texto opinativo escrito e narrado por ela, e vídeos temáticos, com reflexões sobre a obra de determinado artista ou o uso de uma cor ou acessório em cena. Nos dois casos, o conteúdo passa longe de tudo o que se costuma associar ao TikTok: não há ritmo frenético, meme ou dancinha – Pavan, aliás, quase nunca mostra o próprio rosto. “Acho que muita gente pensa que tudo no TikTok tem de ser rápido e movimentado, e sente medo de ser forçado a embarcar em um trem cheio de sinos, apitos e luzes”, brincou. “Tem sido muito legal descobrir que o conteúdo mais lento também tem valor, e que há espaço para quem quer parar por um minuto para contemplar alguma coisa.”

@pbpbbpbppb ? #ThePowerOfTheDog #JaneCampion #KirstenDunst #Woof ♬ original sound – pavan

Pavan cria seus vídeos no computador, usando o iMovie, e publica-os apenas no TikTok. Atraída pelo formato curtíssimo, ela nunca fez os vídeos de três minutos também permitidos pela plataforma, e resiste aos pedidos de espectadores para que crie um podcast ou canal no YouTube (sua concessão foi uma newsletter, prometida para este ano). Além da rapidez, ela gosta do fato de estar em uma ferramenta nova e de usuários em geral mais jovens do que ela, que tem 40 anos. E embora tenha recebido alguns comentários negativos, considera o TikTok uma rede social menos tóxica do que outras. “Me parece um lugar ligeiramente mais carinhoso, ou ao menos meu algoritmo tem sido carinhoso comigo”, afirmou. “Meu pequeno pedacinho ali é muito agradável e fácil de lidar.”

Para Pavan, a liberdade e autonomia oferecida por mídias como o TikTok podem ser especialmente interessantes para as mulheres, já que são elas as profissionais que mais enfrentam obstáculos para realizar e exibir seus filmes em espaços tradicionais, bem como atuar na crítica. “Nos veículos grandes e estabelecidos existe a ideia de se falar sobre a mulher no cinema, mas ainda é um pouco prescritivo, ainda se segue o modelo de sempre”, opinou. “As novas ferramentas dão a liberdade de você discutir cinema exatamente como quer.”

Ela oferece sua própria trajetória como exemplo. Fã de cinema desde criança, ela não achava que poderia fazer crítica do jeito que gosta de fazer, focando principalmente no que um determinado filme a fez sentir. “Grande parte da conversa sobre cinema é extremamente técnica, focada em rankings e listas, interessada em longas que arrecadam muito dinheiro nas bilheterias ou que são protagonizados por certas pessoas. E a minha versão de cinema é outra”, explicou. “Gosto de escrever sobre como sinto os filmes, e não achava que isso poderia ser relevante. No entanto, estou constantemente recebendo mensagens, especialmente de mulheres, dizendo que gostam dos meus vídeos e que não sabiam que podiam pensar sobre filmes dessa forma.”

Leia os principais trechos da entrevista de Pavan Bivigou ao Mulher no Cinema:

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O que te levou a criar vídeos de crítica cinematográfica para o TikTok?

Foi algo totalmente ligado à pandemia. Como muita gente, estava em casa o tempo todo e fiz o download do TikTok para ter mais uma coisa para fazer, mais uma tela para rolar. Tinha parado de ver filmes – por alguma razão, não conseguia assistir nada. E aí pensei: se eu fizer um pequeno vídeo sobre os filmes que assistir e publicá-los no TikTok, vai ser um jeito de me estimular e de ter um diário do que vi durante a pandemia. Também nunca tinha editado filmes antes, mas sentia vontade de aprender. Então foi a forma perfeita de falar sobre cinema e brincar com edição de vídeo. Simples assim.

Em que momento você percebeu que o projeto era mais do que seu pequeno diário de filmes?

Foi devagar. Fiz um vídeo sobre Eartha Kitt que foi visto por quase 20 mil pessoas e pensei: “Que estranho tanta gente ver isso”. Depois fiz outro sobre os filmes do urso Paddington que realmente circulou por toda parte, e me fez perceber que havia interesse real por esse tipo de conteúdo. Quando fiz dois vídeos sobre mulheres que trabalham com montagem, comecei a receber muitas mensagens privadas de outras mulheres. Sou obcecada por cinema desde criança, mas sempre achei que não era permitido pensar ou sentir o cinema do jeito que penso e sinto. Grande parte da conversa sobre cinema é extremamente técnica, focada em rankings e listas, interessada em filmes que arrecadam muito dinheiro nas bilheterias ou que são protagonizados por certas pessoas. E a minha versão de cinema é outra. Gosto de escrever sobre como sinto os filmes, e não achava que isso poderia ser relevante para outras pessoas. Mas estou constantemente recebendo mensagens, especificamente de mulheres, dizendo que gostam dos vídeos e que não sabiam que podiam pensar sobre filmes dessa forma.

@pbpbbpbppb

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♬ Kouen – Lo-Fi Beats

Você acha que plataformas como o TikTok podem representar oportunidades de criação especificamente para as mulheres que querem trabalhar com cinema?

Acho que sim. Nos espaços maiores e estabelecidos existe a ideia de se falar sobe a mulher no cinema, mas é um pouco prescritivo, ainda se segue o modelo antigo de sempre. Estou me referindo, por exemplo, à Empire ou à Time Out, que são publicações maravilhosas, mas com seu próprio modo de pensar e falar sobre cinema. As novas ferramentas dão a liberdade de você discutir algo exatamente como quer. O TikTok é o único espaço no qual não tenho editor: tudo o que fica em um vídeo é o que quero que esteja lá.

O que te atrai no formato curto do TikTok? Porque prefere criar conteúdo ali e não para o YouTube, por exemplo, onde você poderia falar por dez minutos?

Acho que não deveria ser encorajada a falar por dez minutos sobre coisa alguma [risos] Inicialmente o que me atraiu foi justamente a rapidez: falar sobre algo que amo em um minuto, editar algo rapidamente porque só tem um minuto. Mas também gosto do fato de ser uma ferramenta nova. Como estou no TikTok, tenho de prestar atenção ao TikTok. É um aplicativo jovem, no qual a maioria dos usuários está descobrindo o mundo e está aberto ao que não conhece. Talvez eu goste de me sentir mais jovem do que sou, de estar cercada por essa nova criatividade. Gosto também do fato de o TikTok abrigar uma comunidade bem legal de pessoas que gostam de cinema. Me parece um lugar ligeiramente mais carinhoso, ou ao menos meu algoritmo tem sido carinhoso comigo. Há muitas discussões [negativas] em espaços como Facebook, Twitter e Letterboxd, mas no TikTok não encontro muito disso. Meu pequeno pedacinho ali é muito agradável, muito fácil de lidar.

Queria saber mais sobre sua experiência nesse sentido, já que a internet pode ser um lugar difícil para as mulheres que produzem conteúdo, principalmente conteúdo em vídeo. No YouTube, por exemplo, os abusos são frequentes.

Com certeza. Uma vez publiquei um vídeo sobre “red flag films” [termo usado para filmes com elementos tidos como problemáticos, que funcionam como espécie de alertas] e optei por apagá-lo, porque começou a atrair esse tipo de pessoa horrível que quer brigar por causa da minha opinião. Muitos dos filmes sobre os quais falava eram daqueles que pertencem ao cânone e estão em todas as listas, como Scarface ou Pulp Fiction – filmes que as pessoas amam muito e não querem que ninguém critique. E o que pensei foi: vou apenas deletar, porque não quero me envolver nessa conversa, não quero esse tipo de atenção. Então já recebi alguns comentários maldosos, mas em geral acho que o TikTok funciona de tal forma que se você não gosta, é só rolar a tela para baixo. O TikTok não acaba nunca, você vai rolando para baixo até ver algo de que goste. Então ninguém precisa ficar no seu vídeo e se irritar com você: basta mudar para o próximo.

Qual tem sido a resposta ao seu trabalho por parte de outras pessoas que escrevem e pensam sobre cinema? Você sente que esse formato de crítica, em vídeos curtos e postados nas redes sociais, está recebendo atenção genuína ou não é levado realmente a sério?

Como é algo novo, acho que as pessoas ainda estão entendendo como funciona. O TikTok seria perfeito para algumas [publicações] que falam sobre filmes, por ser justamente um espaço de vídeos. Mas elas não sabem como usar. Produzir para o TikTok é algo que parece fácil, mas que envolve certa criatividade. Em outras redes sociais, como o Twitter por exemplo, uma publicação estabelecida pode apenas colocar sua marca e conseguir muitos seguidores. No TikTok, é preciso fazer um pouco mais. É preciso não ter medo de comentar sobre os filmes, de se envolver nos memes. Acho que algumas marcas ainda não sabem como usar e que algumas pessoas que escrevem sobre cinema não estão muito interessadas. Para muita gente que trabalha com texto, um minuto não parece ser suficiente. Mas não tenho dúvida de que o TikTok tem um grande público de fãs de cinema, de pessoas que querem saber muito sobre filmes. Para quem souber usar, acho que pode ser um ótimo espaço.

@pbpbbpbppb

?? #RedDress ?: Nights In Venice, Kevin MacLeod

♬ original sound – pavan

É possível viabilizar esse tipo de trabalho financeiramente? De que forma?

No meu caso, o TikTok tem oferecido outras oportunidades de trabalho. Ou seja, as pessoas assistem aos vídeos, percebem que sei escrever e editar e me convidam para fazer outras coisas. Por exemplo, um diretor estava fazendo um filme bem curto para a Gucci e me pediu para escrever a narração, um trabalho que adorei fazer. Mas há muitas histórias de pessoas que fazem vídeos para o TikTok, conseguem milhões de seguidores e ganham dinheiro fazendo negócios com marcas. Para ser sincera, não penso muito no lado financeiro da coisa, porque meu cérebro não funciona assim. Mas acho que é um trabalho viável comercialmente, dependendo do que você está tentando vender e das marcas que podem se associar a você.

Considerando esse apelo para as marcas e o “mercado de influência” que é parte das redes sociais, tenho curiosidade em saber se você se sente pressionada a aparecer mais nos seus vídeos. Ou seja, mostrar o seu rosto e não apenas narrar, como costuma fazer.

As pessoas dizem que, se quer que sua conta cresça e se realmente quer se conectar com o público, você precisa mostrar sua cara. Já pensei sobre isso e não é algo que eu queira fazer. Estou feliz com meus 11 mil seguidores, não preciso de mais 50 mil, e não acho que meu rosto vai acrescentar coisa alguma. Se o canal é sobre cinema, você quer ver o filme, certo? Acho que quero mostrar que é possível criar neste espaço sem que o vídeo tenha de ser sobre a sua cara. Além disso, todo mundo pensa que o TikTok é um aplicativo muito rápido, e é rápido mesmo, tem memes e jovens dançando. Mas também há uma produção de conteúdo mais lento que é muito legal. Defino meu próprio conteúdo como lento. Ainda tem só um minuto, então não é tão lento assim, mas no contexto de jovens de 22 anos dançando por quatro segundos, é lento. Acho que muita gente pensa que tudo no TikTok tem de ser rápido e movimentado, e sente medo de ser forçado a embarcar em um trem cheio de sinos, apitos e luzes. No entanto, tem sido muito legal descobrir que o conteúdo mais lento também tem valor, e que há espaço para quem quer parar por um minuto para contemplar alguma coisa.

Que conselho você daria para as mulheres que querem criar conteúdo sobre cinema no TikTok?

Não se preocupem com o que as outras pessoas estão fazendo ou com o modo como elas falam sobre cinema. Sigam suas próprias paixões e obsessões, porque elas vão trazer as pessoas e oportunidades que serão melhores para vocês. Como muitas mulheres, sempre senti que o cinema não pertencia a mim, que era algo para meninos, ou para homens que viam o mundo de um jeito diferente e que queriam escrever sobre os aspectos técnicos da câmera. Não achava que podia falar sobre como me senti ao ver Ataque dos Cães, ou que tal coisa me fez chorar ou que a cor verde é importante para mim. Desconsiderem tudo isso, porque tem muita gente por aí interessada em diferentes perspectivas sobre cinema. E há grande necessidade pela perspectiva feminina, especialmente na crítica. Então não peçam desculpas pelo que querem dizer e fazer. Além disso, lembrem-se de que tudo leva tempo: quando comecei o canal, publiquei três vídeos e os deletei. Depois fiz outros três e deletei de novo. Demorou para chegar em vídeos que eram exatamente o que eu queria. Façam as coisas exatamente do jeito que vocês querem, persistam, tentem encontrar outras pessoas que estão fazendo conteúdo como o de vocês, ou que curtem o cinema da mesma forma que vocês. E divirtam-se! É pra ser divertido, então aproveitem.


Luísa Pécora é jornalista e criadora do Mulher no Cinema

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