Paula Barreto fala sobre desafios da produção de audiovisual no Brasil

O sobrenome Barreto é parte fundamental da história do cinema brasileiro. Desde 1963, quando o patriarca da família, Luiz Carlos, criou a produtora L.C. Barreto, foram mais de 80 filmes lançados, entre curtas e longas-metragens – uma lista que inclui sucessos como Dona Flor e Seus Dois Maridos (1976) e Bye, Bye Brasil (1980), e dois indicados ao Oscar de melhor filme estrangeiro, O Quatrilho (1995) e O Que É Isso, Companheiro? (1997). Neste percurso, Luiz Carlos esteve acompanhado da mulher, a produtora Lucy Barreto, e dos três filhos: Bruno, Fábio e Paula.

É Paula Barreto quem hoje está à frente das empresas da família – a L.C. e a Filmes do Equador – e a principal responsável pelas produções para cinema, a televisão e a internet. Paula começou a carreira no início dos anos 1980 como assistente nas mais diversas áreas cinematográficas, incluindo figurino, direção de arte e montagem. “Fui fazendo todas as funções para entender o processo como um todo e escolher o que queria”, contou, em entrevista por telefone ao Mulher no Cinema. Foi o gosto pelo “todo” que levou à opção pela produção, à qual têm se dedicado desde a década de 1990. “Gosto de escolher uma história e colocá-la de pé, convidar as pessoas, captar dinheiro. Gosto de parir o projeto, de vê-lo nascer.”

O próximo lançamento da L.C., por exemplo, é para ela uma “gravidez de cinco anos”: João, o Maestro, cinebiografia de João Carlos Martins que começou a ser escrita em 2012 e chega aos cinemas no dia 17 de agosto. Apesar dos anos de experiência, Paula ainda sente a ansiedade aumentar conforme a data se aproxima. Para ela, chegar ao público é não apenas um desejo, mas uma questão que norteia seus projetos desde o início, num aprendizado que disse ter herdado da mãe: “Nunca faça um filme que seja só para te dar prazer. Não é para você: tem que fazer pensando na audiência.”

Leia os principais trechos da entrevista:

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Você começou no cinema nos anos 1980. De lá para cá, o que mudou na produção de audiovisual no Brasil?
Quanto comecei, não tínhamos as leis [de incentivo] do audiovisual, tínhamos a Embrafilme. As leis vieram para dar um gás na produção, fizeram com que o processo não se interrompesse. Antigamente funcionava no imediatismo: tem esse projeto para produzir agora, então é esse que você vai fazer. Hoje tenho na minha cabeça pelo menos 30 projetos de cinema e televisão, em diferentes estágios: desenvolvimento, roteiro, produção, finalização. A coisa é mais dinâmica e não há tanta insegurança quanto a ficar muito tempo sem produzir. Dá para se programar e montar uma linha.

A L.C. Barreto é uma das produtoras mais tradicionais de cinema do País, que passou também a produzir para outras mídias. Manter-se relevante é um desafio?
É uma preocupação da empresa se manter sempre atualizada, não só na tecnologia mas nas ideias, na equipe. Temos gente muito jovem trabalhando, fazemos reuniões semanais e ouvimos muito [os mais novos]. Procuramos estar sempre oxigenados porque as novas plataformas e a maneira de se ver conteúdo audiovisual mudaram muito.

Há algum formato que você considere o caminho a seguir ou a principal aposta?
Estamos com uma preocupação em relação ao YouTube. Nos próximos meses e anos vamos estar focados nesta plataforma.

No ano passado você publicou um texto no Meio&Mensagem falando sobre as dificuldades de se captar recursos e defendendo o product placement [inserção de marcas em produções audiovisuais], um modelo tipicamente americano. É possível seguir esse modelo sem que ele interfira na qualidade artística?
Com certeza. Fazendo com antecedência e planejamento, sim. Por exemplo, em Amor Sem Fronteiras, uma comédia romântica que acabamos de filmar, conseguimos um product placement muito em cima da hora, quando já tínhamos começado a rodar. Então não tivemos a antecedência necessária para o roteirista escrever com calma. Aí a gente escreveu e apresentou a cena para duas atrizes, que não gostaram e falaram que não iam fazer. Então pedimos para o roteirista escrever outra cena, apresentamos para outra dupla de atores, eles gostaram e fizeram. [Dessa forma] não tem como ficar tão bem feito como nos Estados Unidos, onde o product placement é uma ferramenta muito usada e as empresas já têm essa cultura. Porque é natural: você vive, escova o dente, consome, apaga e acende a luz, tem seu carro, come, toma banho – no seu dia a dia há diversos produtos que você usa, que são orgânicos. Então é só fazer bem feito. Mas no Brasil ainda não é uma ferramenta. É preciso fazer um esforço de convencimento sobrenatural para as empresas entenderem que [o product placement] é bom, que é uma forma de passar uma mensagem subliminar para o consumidor. E muito melhor do que na televisão, onde o público está vendo uma propaganda e na hora reage, sai do canal e vai ver outra coisa. Mas eles não entendem isso ainda. Você tem de fazer um esforço sobre-humano.

Mas o esforço maior é para convencer as empresas ou os artistas?
Não, mais as empresas.

Imagem do filme "João, o Maestro", produzido por Paula Barreto
Imagem do filme “João, o Maestro”, produzido por Paula Barreto

O próximo lançamento da L.C. Barreto é a cinebiografia do pianista e maestro João Carlos Martins, um projeto de muitos anos. Qual a expectativa para o lançamento?
Começamos a fazer o roteiro em 2012, então é um filho, uma gravidez de cinco anos. Foi um processo longo, teve troca de diretor e roteirista…Conforme o 17 de agosto [dia da estreia] se aproxima, vai dando aquela ansiedade. É um filme lindo, emocionante. Gostaria muito que o público gostasse, entendesse, se emocionasse, risse, chorasse. Porque não é um drama somente: o João é uma pessoa de muito bom humor, e você ri também. Tenho esse desejo de que o filme encontre seu público. Seria um sonho para mim se conseguisse chegar a um milhão de espectadores.

Um sonho que você considera possível?
Acho possível. Tudo vai depender do momento, de como vai estar o público no dia 17 de agosto, do que vai estar acontecendo no Brasil e no mundo. São muitos fatores que contam para o ânimo de uma pessoa para ela sair de casa e ir ao cinema. A crise política e econômica afeta a população, [assim como] a crise de segurança. A pessoa fica com medo de sair de casa para ir ao cinema. É complicado. Mas estamos na torcida.

Em 2013 entrevistei a sua mãe e ela me disse que vocês tinham o projeto de filmar uma cinebiografia da Anita Garibaldi, que seria interpretada pela Letícia Sabatella…
Ela ainda tem esse projeto, mas não está andando, não. Os projetos da mamãe são gigantescos, levam anos para sair. O Que É Isso, Companheiro? levou 13 anos, Flores Raras levou 17 [risos] Mas ainda é um projeto.

Há outras cinebiografias de mulheres sendo pensadas?
Temos uma da Maria Antonieta, uma da Cora Coralina, alguns projetos de mulheres que queremos fazer.

Nesses mais de 20 anos de carreira, mudou alguma coisa no que diz respeito a ser uma produtora mulher no Brasil?
Olha, sou filha de dois produtores, um homem e uma mulher, e fui criada vendo os dois produzindo. Tenho um bom exemplo em casa, uma produtora excepcional. [Eu e minha mãe] Nunca tivemos problema por sermos mulheres. Ao contrário, acho que as produtoras mais conhecidas são mulheres, que o trabalho de produção é feito principalmente por mulheres. Então acho que não mudou nada. Não tive dificuldade nenhuma, para dizer a verdade.

Mas está havendo uma movimentação maior entre as mulheres, com coletivos, grupos no Facebook?
Ah, com certeza. As produtoras são muito unidas, a gente troca muita informação.

Qual a maior lição que você aprendeu com a sua mãe?
Difícil falar apenas uma, pois aprendi muito. Mas ela sempre me falou que, quando for produzir alguma coisa, você precisa fazer algumas perguntas: “por que fazer este filme?” e “quem vai ver esse filme?”. Nunca faça um filme que seja só para te dar prazer, para você própria. Não é para você: tem que fazer pensando na audiência. Então quem vai querer ver esse filme? Por que fazê-lo? São perguntas que me faço até hoje.

E qual conselho você daria para as mulheres que querem ser produtoras?
[Pausa] Eu diria para pensar bem antes de decidir ser produtora [risos] Porque não é uma tarefa fácil, infelizmente. E não é muito glamurosa. Todo mundo que vem trabalhar com cinema pensa no glamour, no tapete vermelho, nas festas, pré-estreias, festivais. Mas isso ocorre uma vez por ano, quando o filme vai estrear. E na maioria das vezes quem tem o foco, o holofote, não é o produtor – é o diretor, são os atores. Então ser produtor ou produtora requer muita abnegação, pouca exposição e lidar com muitos egos o tempo todo. O produtor é uma pessoa que não tem ego – não pode ter ego porque já lida com os atores, que têm um ego no céu, e com o diretor, que se acha Jesus Cristo, dono do poder da criação [risos] Então o conselho que daria é: se você quer ser produtora, deixe o ego guardado em casa, debaixo do travesseiro, e vá à luta.

Veja o trailer de João, o Maestro:

https://www.youtube.com/watch?v=ICIkv-iGkko


Foto do topo: Marcos Ramos

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