Heather Webb: “Quando a mulher se sente empoderada, não há como detê-la”

Se o debate sobre mulher no cinema ganha força em várias partes do mundo, no Canadá certamente está bem quente. Em 2016, os principais financiadores de audiovisual do país – Comissão Nacional de Cinema e a Telefilm – anunciaram que metade dos projetos apoiados serão liderados por mulheres, entre outras medidas para um mercado mais igualitário.

São passos importantes para um país no qual mulheres representaram apenas 17% dos diretores e 22% dos roteiristas em mais de 90 filmes produzidos entre 2013 e 2014. E passos muito comemorados por organizações que há anos trabalham para mudar esse cenário, como a Women in Film and Television (WIFT), entidade global de assistência às profissionais do audiovisual que tem no Canadá um de seus braços mais ativos.

A unidade de Toronto, criada em 1984, é uma das mais antigas, e hoje liderada pela diretora executiva Heather Webb. Durante uma passagem pelo Rio de Janeiro, no qual participou do Seminário Internacional Mulheres no Audiovisual, realizado pela Ancine, ela conversou com o Mulher no Cinema sobre a realidade da indústria no Canadá e a importância de as mulheres sentirem-se confiantes para poderem avançar. Leia a entrevista:

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Gostaria de começar fazendo a você uma pergunta que muita gente faz para mim: as coisas estão de fato melhorando no que diz respeito à igualdade de gênero no cinema e na televisão?
Acredito que estão melhorando, mas bem devagar. Nos últimos dois ou três anos há um momentum: coisas como o #OscarSoWhite em Hollywood, iniciativas das agências de cinema da Suécia e da Austrália, algumas políticas de financiamento, uma maior quantidade de pesquisa [sobre o tema] pelo mundo, algo que costumava ser mais restrito à América do Norte. Acho que é quase a tempestade perfeita: há muita gente falando sobre o problema, quando antes ninguém falava. Mais importante ainda, talvez, seja o fato de o assunto estar na mídia. As pessoas estão percebendo que há um problema, já não se trata de uma discussão a portas fechadas. Acho que é um momento interessante e estou animada.

Nos últimos anos, diferentes instituições do Canadá anunciaram medidas em apoio às mulheres no audiovisual. Olhando de longe, o país parece ser um líder nessa questão. Mas você que está lá pode contar: é um líder mesmo?
É engraçado porque dizemos o mesmo sobre a Suécia [risos] Sempre há outra coisa para nos inspirar. E quando você não está [nesse lugar] no dia a dia, vê certas coisas e pensa: “Lá é mais fácil”. Mas as estatísticas são as mesmas no mundo inteiro. Não importa onde vou, tenho as mesmas conversas com produtoras, roteiristas, diretoras de fotografia…estamos todas enfrentando a mesma coisa. Acho que o Canadá está em uma posição de sorte por causa de seu novo governo [o do premiê Justin Trudeau, que tomou posse em 2015]. Temos um governo federal que está colocando questões de gênero como prioridade, e isso ajuda a avançar muitas iniciativas, pois há um clima de aceitação. E acho que o Canadá sempre teve uma população muito diversa. Não é que não tenhamos problemas, mas Toronto é uma das cidades mais multiculturais [do mundo]. Há muitas oportunidades para que histórias diferentes sejam contadas, e as pessoas respeitam, apreciam e querem isso. Mas ainda vemos a maioria dos grandes projetos irem para homens brancos. Ainda temos as mesmas batalhas.

A missão da WIFT Toronto é “ajudar as mulheres a serem capazes, confiantes, conectadas e bem-sucedidas”. A parte do “capazes e confiantes” me chama a atenção. Você acha que existe uma questão de auto-estima a ser trabalhada entre as profissionais do cinema, de terem mais confiança de que podem ser bem-sucedidas?
Sim. É um problema enorme para as mulheres em todos os níveis, mesmo executivas de sucesso. Muitas têm insegurança em relação à capacidade de fazer o trabalho ou de conseguir uma promoção. Não quero generalizar, mas acho que, culturalmente, as mulheres não escutam que podem ser o que quiserem. E muitas vezes não têm as mesmas redes de apoio que os homens. Para a WIFT, unir as pessoas é uma das principais coisas que podemos fazer. Parte do trabalho é apenas juntar as mulheres em uma sala para que se conectem e saibam que poderão contar com outra pessoa – para um apoio, um conselho, uma ajuda para chegar à próxima porta. Quando as mulheres se sentem empoderadas, não há como detê-las. [É preciso] fazer com que saibam que há uma cadeira para elas.

Durante o Seminário Internacional Mulheres no Audiovisual, promovido pela Ancine, você afirmou que “para ser bem-sucedida neste mercado é preciso ser uma líder de negócios”. Você acredita que esse aspecto empresarial é um pouco deixado de lado quando se fala de arte?
Acho. É interessante porque cheguei à WIFT após vinte anos na área de artes visuais. E quando comecei a aprender sobre cinema, televisão e conteúdo digital, pensei: “meu Deus, a questão do negócio é muito forte nessa indústria.” Claro, a arte é, no fim das contas, a razão pela qual [os profissionais] estão ali. Mas para chegar lá você precisa saber como liderar uma empresa, gerenciar pessoas, ir a um banco para conseguir financiamento, entender o sistema de incentivo fiscal. Acho que muita gente do cinema descarta aprender sobre esse lado, pois sente que ele tira algo do lado artístico. Mas, na verdade, no longo prazo ele serve à arte. Se você souber como ter uma empresa bem sucedida, escrever uma boa aplicação para uma bolsa, fazer um pitch apropriado ao banco ou à agência de financiamento…tudo isso ajuda a conseguir realizar o projeto. Você pode ter o melhor roteiro do mundo, se ninguém quiser financiar, vai ficar na sua estante. Focamos muito nisso porque as escolas [de cinema] não focam, e sentimos que há uma grande necessidade. E pensamos também que essa indústria está mudando muito, tanto no Canadá quanto no mundo, e há muitos empregos desaparecendo por causa dessas mudanças. Então, de certa forma, uma das melhores coisas que podemos fazer por nossas integrantes é dar habilidades de negócio a elas. Porque se um dia decidirem que não querem mais trabalhar nessa indústria, poderão pegar esse conhecimento e trabalhar em qualquer lugar. Não é só uma questão do audiovisual: é preparar a mulher para o sucesso.


Foto: Kowthar Omar/WIFT Toronto

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