Élise Otzenberger fala sobre “Minha Lua de Mel Polonesa”, sua estreia na direção

Primeiro filme dirigido pela atriz francesa Élise Otzenberger, Minha Lua de Mel Polonesa chega aos cinemas nesta quinta-feira (29) com um título em português que é fiel ao original Lune de Miel. O nome com cara de comédia romântica não é exatamente equivocado (a comédia e o romance de fato estão presentes), mas não revela o real tema do filme: a importância de se preservar a memória, seja no âmbito familiar ou institucional.

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Em Minha Lua de Mel Polonesa, Anna (Judith Chemla) e Adam (Arthur Igual) formam um casal de origem judaica que mora em Paris. Os dois visitam a Polônia pela primeira vez para participar de uma cerimônia que marca os 75 anos da destruição da cidade em que o avô de Adam vivia. É Anna, porém, quem está mais animada: com poucas informações sobre o passado de sua família e uma clara dificuldade de comunicação com a mãe, ela quer descobrir onde vivia sua avó e conhecer suas origens.

O filme busca inspiração em uma viagem feita pela própria diretora e roteirista em 2009. Como na ficção, ela também é francesa de origem judaica, também foi à Polônia com o marido para participar de uma cerimônia, também estava casada há pouco tempo, também tinha um bebê de seis meses e também queria descobrir mais sobre o passado de sua família apesar de ter poucas informações das quais partir. “Não encontrei nada, mas foi uma viagem muito forte e importante”, contou Élise, em entrevista por telefone ao Mulher no Cinema

De volta à França, ela começou a escrever sobre a experiência sem saber ao certo se aquilo viraria um filme ou um romance. Os anos se passaram e cresceu a vontade de trabalhar do outro lado da câmera. “Gosto muito de atuar, mas estava ficando frustrada porque queria fazer mais, estar em todos os lugares e tocar todas as coisas – direção de arte, luz, elenco”, afirmou. “Em certo momento, a história se fortaleceu e ficou claro que este tinha de ser meu primeiro filme. Queria estrear na direção com uma história pessoal e esta era perfeita.”

Imagem do filme “Minha Lua de Mel Polonesa”, de Élise Otzenberger

A primeira versão do roteiro, escrita há cerca de cinco anos, era quase totalmente autobiográfica. Nos tratamentos posteriores, Élise adicionou mais elementos ficcionais. “O filme não é um documentário, mas era importante manter alguns detalhes que aconteceram de verdade”, contou.

Isto explica porque alguns dos personagens e situações de Minha Lua de Mel Polonesa parecem reais. É o caso, por exemplo, da senhora que convidou Élise e seu marido para a viagem de 2009, e que aparece quando o filme remonta a cerimônia no vilarejo polonês. Da mesma forma, uma real sobrevivente do Holocausto interpreta uma mulher que educa crianças sobre o nazismo durante uma visita a um cemitério. “Tinha um sentimento muito forte de que seria estranho escalar uma atriz para este papel. Era importante que fosse uma pessoa real”, afirmou a diretora.

A cena do cemitério é talvez a mais marcante do filme. “Se um dia alguém disser que os campos de concentração não existiram”, diz a educadora às crianças, “respondam que vocês conheceram uma pessoa que esteve lá.” Em um contexto global de ascensão da extrema direita, tanto a cena quanto o filme ressaltam a importância de se conhecer o passado para não repeti-lo. “Sei que o momento é muito ruim no Brasil, e o mesmo vale para países da Europa. Mesmo na França, não sei o que enfrentaremos na próxima eleição, mas não estamos longe de ter uma Marine Le Pen como presidente”, afirmou a cineasta. “É um tempo muito estranho, no qual você sente que os fantasmas do passado estão voltando, e no qual as pessoas dizem coisas terríveis, intolerantes e racistas como se estivesse tudo bem. Por isso precisava contar essa história. Temos de ter muito cuidado, temos de conversar com as crianças. A memória é muito importante.”

Imagem do filme “Minha Lua de Mel Polonesa”, de Élise Otzenberger

Élise insere estas questões em uma história leve e cômica, algo que ela diz ter acontecido naturalmente. “Não foi uma estratégia, mas percebo que isso pode ser eficiente para levar ao cinema alguém que talvez não fosse assistir a um filme com abordagem mais séria”, explicou. Durante a filmagem, ela contou com uma equipe cheia de mulheres, que incluiu a diretora de fotografia Jordane Chouzenoux, a produtora Alice Girard e a atriz Judith Chemla, que levou seu bebê para as filmagens: ela é mesmo mãe da criança que aparece no filme.

A diretora também conhece bem os desafios de conciliar a maternidade e a carreira no cinema. Élise é mãe de três meninos, e o mais novo nasceu em maio, um mês antes da estreia de Minha Lua de Mel Polonesa nas salas da França. Além de trabalhar na divulgação do longa, nos últimos meses ela concluiu o primeiro tratamento do roteiro de seu próximo filme. “Será sobre uma mãe e sobre como podemos nos perder na maternidade. Ela está feliz, não tem depressão, mas está se perdendo e precisa se reconectar consigo mesma”, define.

Deixar de atuar não está nos planos, mas o foco atual é a direção: “Em todas as manhãs em que chegava para filmar eu ficava impressionada em perceber que todas aquelas pessoas estavam ali por causa de uma ideia que eu tinha tido anos antes”, relembrou. “É quase como um milagre.”


Luísa Pécora é jornalista, criadora e editora do Mulher no Cinema

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