Elisa Tolomelli fala de mulheres na produção e filme com Arósio

Ela trabalhou como roteirista, diretora e distribuidora antes de se encontrar na produção. Foi diretora comercial da RioFilme durante quatro anos movimentados, bem no início da retomada do cinema brasileiro. Assinou a produção executiva de sucessos como “Central do Brasil”, “Lavoura Arcaica” e “Cidade de Deus”. E em seu próximo lançamento, “A Floresta que se Move”, recebeu o que até a Rede Globo tem dificuldade de conseguir: um “sim” de Ana Paula Arósio.

Com 25 anos de carreira, a produtora carioca Elisa Tolomelli está mais perto do sonho de ter uma “fábrica de filmes”: enquanto se prepara para lançar “A Floresta que se Move” em 29 de outubro, finaliza a captação para outro longa, desenvolve mais três projetos (“e tem um quarto querendo entrar”) e se dedica a novos braços de sua empresa, a EH! Filmes, que produzirá um show e uma peça.

No cinema, Tolomelli engrossa uma estatística: a produção é a função com maior porcentagem de mulheres tanto na indústria brasileira quanto na mundial. Por aqui, entre 2000 e 2010 elas representaram 23,71% dos produtores, uma marca consideravelmente maior do que às relativos à direção (15,37%) e roteiro (13,75%), de acordo com levantamento da pesquisadora carioca Paula Alves.

Como produtora, Tolomelli se ocupa de todas as etapas do filme: do desenvolvimento do roteiro até as estratégias de divulgação, passando por captação de recursos e escolha do elenco. Foi ela, por exemplo, quem sugeriu o nome de Arósio ao diretor de “A Floresta que se Move”, Vinícius Coimbra.

Ana Paula Arósio em "A Floresta que se Move"/ Crédito: Divulgação
Ana Paula Arósio em “A Floresta que se Move”/ Crédito: Divulgação

O longa, que custou US$ 5 milhões, faz uma releitura da história de Macbeth: após ouvir uma profecia de que se tornará presidente do banco em que trabalha, o empresário Elias (Gabriel Braga Nunes) é estimulado pela esposa ambiciosa, Clara (Arósio) a convidar o atual presidente para jantar e fazer a previsão se realizar.

No ano passado, uma foto de Arósio publicada pelo cabeleireiro do filme nas redes sociais causou alvoroço. A atriz faz raras aparições públicas e foi vista pela última vez na telona em “Anita & Garibaldi”, de 2013. Na TV, não aparece desde “Na Forma da Lei”, de 2010.

Na entrevista a seguir, Tolomelli fala sobre a negociação com Arósio, reflete sobre os desafios de fazer cinema no Brasil e conta sua tese sobre a presença feminina na produção: “A mulher tem muita capacidade de gestão.”

*

No Brasil, como no mundo, a produção é a área do cinema com mais mulheres. Por quê?
Tenho minha própria teoria, que não sei se é um fato. Produzir cinema requer organização, inclusive financeira. Lá trás, o homem ia para a rua, arrumava o dinheiro, e a mulher administrava. Na minha família era assim: meu pai trabalhava fora e minha mãe, em casa. A administração doméstica era dela. A mulher tem muita capacidade de gestão e isso casa perfeitamente com o trabalho de produtora.

Você passou por diferentes áreas do cinema: roteiro, direção, distribuição, produção…
Uma época eu entrei em crise porque achava que não era nada. Tinha amigos fotógrafos, médicos…e eu tinha feito um monte de coisa, mas não era nada. E na verdade esse “nada” acabou sendo minha grande escola para ser produtora. Porque o produtor precisa conhecer toda a cadeia de filmagem – do argumento do roteiro até o lançamento comercial e internacional -, para fazer o melhor filme com o menor dinheiro possível.

Foi como produtora que você se encontrou?
Sim. Quando o Walter Salles me chamou para ser produtora executiva de “Central do Brasil”, me encontrei.

O que mudou no cinema brasileiro desde 1998, quando “Central do Brasil” foi lançado?
Profissionalizou um pouco mais. A própria função de produtor é relativamente nova. Ela foi realmente estabelecida e desenvolvida depois do fim da Embrafilme [empresa estatal brasileira para produção e distribuição cinematográfica, criada em 1969 e extinta em 1990]. Até então o diretor era a peça importante do processo: com o nome e a articulação dele é que se buscava o fomento. Quando começou a ter lei, prestação de conta e compromisso com o patrocinador, foi preciso existir o produtor. E foi nessa época que eu e várias mulheres, e homens também, começaram a se encontrar.

É mais fácil produzir hoje do que naquela época?
Sim e não. Por um lado ficou mais fácil porque hoje você tem o Fundo Setorial [mecanismo de fomento do Ministério da Cultura] e a cota de telas de TV [lei que obriga as emissoras a exibirem conteúdo
nacional], que abriu um campo enorme na ficção, nas séries, nos documentários. Mas por outro lado há uma avalanche de gente fazendo cinema. Quando você sai da película e vai para o digital, qualquer um faz um filme com o celular e bota na televisão. A concorrência aumentou demais. Quando abre um edital do BNDES, por exemplo, são 600 filmes [inscritos] para escolher 12, 8, 10.

Imagem de “Central do Brasil”, de Walter Salles

O maior desafio ainda é captar dinheiro para fazer o filme ou a etapa da distribuição, ou seja, conseguir chegar ao público?
Dependendo da fase, todas são um desafio. O primeiro desafio é ter um bom roteiro. Sem isso, a possibilidade de chegar ao público é muito menor. Você consegue estragar um bom roteiro, mas não consegue fazer um bom filme de um roteiro ruim.

Faltam bons roteiristas no Brasil?
Acho que faltam. Porque sabe padeiro? Padeiro faz pão todo dia. Da mesma forma que a produção se profissionalizou, tínhamos que ter mais roteiristas, e mais bem formados. Quantas faculdades ensinam roteiro? Os Estados Unidos gastam milhões por ano em roteiros que vão ser jogados fora, que nunca serão produzidos. É um dinheiro para investir em tudo, do aprendizado à prática, que é escrever, escrever, escrever. Dinheiro mesmo, para sustentar o cara. Então essa ponta do roteiro também é uma questão que a gente precisa resolver. E aí vêm os desafios de encontrar os atores, a equipe, toda a finalização e a comercialização. Muitas vezes o distribuidor não quer colocar dinheiro no filme, então os produtores estão tendo que arrumar dinheiro para a produção e a distribuição. O negócio está mudando muito. Quando faço um filme, reservo dinheiro para distribuir. Qualquer coisa, eu mesma distribuo.

Você trabalhou com várias diretoras mulheres: Sandra Werneck, Malu De Martino, Flávia Lacerda. É algo que acontece naturalmente ou você procura contratar mulheres?
Como produtora executiva, eu era contratada para produzir o filme. Não era uma função de gerência artística, então não podia escolher [o diretor]. Hoje sou produtora, e aí sou a dona do negócio. Penso o filme desde o roteiro até o lançamento comercial. Tenho um novo projeto agora para o qual vou chamar um diretor. Por quê? Porque acho que ele vai dirigir bacana. Você tem de ter sensibilidade para achar, no mercado, o diretor que vai amalgamar com você naquele projeto ali. Cada filme é um filme, um assunto, um estilo.

Você disse que a produtora é a dona do negócio. No set, as pessoas respeitam isso, seja homem ou mulher?
Respeitam. [O produtor] é quem paga o salário, quem manda embora. Mas acho que o respeito maior vem pela maneira de conduzir o negócio. É esse o respeito que você tem de conquistar no decorrer da carreira: o respeito que você tem com o eletricista, o ator, o distribuidor. Ter o poder de contratar e mandar embora é muito pouco, não é o que vale. Não é o que dá prazer e não é o melhor respeito. O melhor respeito é o que você tem pelo profissional que você é.

Ana Paula Arósio em "A Floresta que se Move" / Crédito: Divulgação
Ana Paula Arósio em “A Floresta que se Move” / Crédito: Divulgação

Seu próximo filme, “A Floresta que se Move”, é estrelado pela Ana Paula Arósio, que faz poucos trabalhos. Foi difícil negociar com ela?
Não. O que o cinema proporciona aos atores, mais do que qualquer coisa, são bons papéis. E qualquer atriz quer fazer Lady Macbeth no cinema. É um personagem forte, que exercita sua musculatura dramática. Liguei para ela e disse: “Tenho um filme aqui que é seu”. Ela leu…não foi difícil não.

Por que você pensou nela para o papel?
Para mim sempre foi ela. Acho que ela tem a força que o personagem pede. A força dramática, visual, corporal, a voz. A Lady Macbeth é dominadora. A atriz tem de ter uma força, um poder sobre o homem.

O filme vai para algum festival?
Estamos inscritos no Festival do Rio.

E se forem selecionados, a Ana Paula vem?
Vem.


Luísa Pécora é jornalista e criadora do Mulher no Cinema

6 thoughts on “Elisa Tolomelli fala de mulheres na produção e filme com Arósio

  1. Fantástica essa entrevista! Estava pesquisando sobre mulheres produtoras no cinema e cai aqui. Vou inserir no meu blog, pq merece ser compartilhado. Muito bacana ver um site dedicado às mulheres no cinema, destacando, não só a atriz ou diretora, mas tb a produtora e outras profissionais da cadeia produtiva necessárias para se fazer um filme. Abs, Priscilla

  2. Oi, Priscilla. Que legal que você gostou da entrevista e do site. Também já curti o Las Abuelitas nas redes sociais, para ficar por dentro dos posts 😉 Vamos nos falando. Abraço!

  3. Que ótimo esse espaço dedicado às mulheres no cinema. O talento e vocação de Elisa para a produção são referências para o cinema nacional. E, com a competência que tem, ela pode trabalhar em qualquer parte do mundo.

  4. Oi’s, tudo bem? Estou construindo um projeto de pesquisa que também quer tratar sobre a produção com o foco nas mulheres assumindo o papel da produção. Sempre tive contato com a produção e acho que o tema não foge aos meus próprios questionamentos, indagações como mulher e como (“futura”) produtora.
    Estou em fase de pesquisa sobre assunto, podes me indicar algumas das suas pesquisas? Estou reunindo material para depois escrever.

    *Que site maravilhoso esse aqui né? <3

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