Djin Sganzerla estreia na direção com ‘Mulher Oceano’: ‘Queria ser criadora total’

Em sua carreira como atriz, Djin Sganzerla atuou em filmes de importantes cineastas brasileiros, incluindo seus próprios pais, Rogério Sganzerla (1946-2004) e Helena Ignez. Agora, chegou a sua vez de experimentar a sensação de estar do outro lado da câmera: ela é diretora, corroteirista e produtora de Mulher Oceano, longa-metragem que estreia nesta quinta-feira (26) nos cinemas brasileiros.

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Djin também interpreta as duas protagonistas do filme, que escreveu em parceria com Vana Medeiros. Hanna é escritora, acaba de se mudar para Tóquio e enfrenta um bloqueio criativo; Ana trabalha em um banco, vive no Rio de Janeiro e se prepara para atravessar a nado os 35 km do Leme ao Pontal da Barra. As conexões entre as duas mulheres se estabelecem aos poucos e sempre através do mar. “Não queria denominar sentimentos em palavras, nem dar uma possibilidade única e explícita [de interpretação]“, afirmou Djin, em entrevista ao Mulher no Cinema via Zoom. “É um filme silencioso, sobre estados sutis da alma e momentos de transição.”

A tentação de filiar o longa de Djin ao cinema de um de seus pais é compreensível, mas Mulher Oceano dialoga mais com a obra da diretora japonesa Naomi Kawase. As muitas imagens das árvores, do céu e principalmente do mar buscam provocar uma imersão do espectador na natureza, tanto a do Japão quanto a do Brasil. “Queria fazer um filme em que você sente o vento, sente o tempo – um tempo que é outro tempo, o tempo necessário para a personagem se reconectar consigo mesma”, definiu.

Djin Sganzerla como Hannah em “Mulher Oceano” – Foto: André Guerreiro Lopes

A ambientação no Japão permitiu, por exemplo, que ela filmasse com as Amas, mulheres japonesas que seguem a tradição milenar de mergulhar em busca de pérolas (e que foram tema do documentário Ama-San, de Cláudia Varejão). Neste momento das filmagens, assim como na festa de Iemanjá registrada no Rio de Janeiro, buscou uma abordagem mais documental; em outros, contou com a fotografia de André Guerreiro Lopes (também ator e diretor, além de seu marido) para imprimir um “olhar poético”. 

“Toquei em um lugar no qual queria chegar dentro de mim: o espaço de criadora total”, definiu. “Foi uma experiência eletrizante e exaustiva, um processo intenso e viciante, no qual amadureci muito. O mergulho nesse mar também é um mergulho para a Djin Sganzerla.”

Leia os principais trechos da entrevista:

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Como o projeto começou e por que você quis contar essa história?
Primeiro, queria dirigir: tinha vontade cada vez maior de me expressar como diretora. Comecei a pensar em escrever e veio a parceria com a Vana Medeiros. Queríamos brincar com as possibilidades do duplo a partir de personagens muito parecidas fisicamente e que vivessem em lugares diferentes. Elas são a mesma pessoa? São duas mulheres em países distintos? Uma é a memória da outra? Uma é fruto da imaginação da outra? Damos as possibilidades para o espectador ir preenchendo, através de algumas pistas e com sua própria imaginação. E também havia uma vontade de dar voz ao feminino. São duas mulheres num momento de se encontrarem, de erupção, de se tornarem sua própria essência e de serem protagonistas de sua própria história.

É um filme de poucos diálogos e que busca muito significado nas imagens, sobretudo da natureza. O que você buscava com a fotografia e os demais elementos estéticos do filme?
A fotografia é do André Guerreiro Lopes, que é um poeta das imagens, além de também ser diretor e um excelente câmera. Quando o convidei para fazer a fotografia, sabia que ele iria imprimir esse olhar poético que eu de fato queria muito. É mesmo um filme silencioso, sobre estados sutis da alma e sobre momentos de transição. Não queria denominar sentimentos em palavras, nem dar uma possibilidade única e explícita ao espectador. O Japão é um país muito fotogênico, muito bonito. A mesma coisa o Rio de Janeiro: as imagens do mar a partir do ponto de vista na nadadora são muito bonitas. Mas, neste filme, a beleza está a serviço da dramaturgia e a estética é como um personagem. Não é uma beleza esvaziada, até porque a beleza enjoa. É uma beleza estruturada na narrativa, e que tem grande importância no filme. A gente convida todos os sentidos a fazerem parte. O mar é lindo, mas também é dramático, profundo, perigoso, abismal, atraente. Quisemos trazer tudo isso na imagem do mar e também no som. Quem tiver a chance de ver o filme no cinema terá uma experiência sonora, pois o mar tem graves que nos preenchem.

Djin Sganzerla como Ana em “Mulher Oceano” – Foto: André Guerreiro Lopes

Foi por essa beleza que você escolheu ambientar parte da história no Japão?
Tenho forte ligação com a cultura japonesa e oriental, com a forma como lidam com a vida, a morte, as perdas, a dor, as dificuldades. No caso do Japão, é uma ilha cercada por água. É muito especial o modo como eles lidam com tsunamis, com estas catástrofes assustadoras, sempre com dignidade e força. É profundo o modo como lidam com a transformação, e eu queria falar sobre transformação. Mas é interessante o encontro entre as duas culturas [brasileira e japonesa]. No Brasil temos a Iemanjá como deusa do mar; no Japão, o Xintoísmo tem um deus do mar. Para mim, Djin, o mar é feminino e masculino, é a combinação dessas duas energias. Então fui encontrando elementos que uniam nossas culturas, que são distantes e ao mesmo tempo complementares. Diria que a beleza veio por último, na verdade. O principal era a cultura e o povo, a beleza foi a cereja do bolo.

Como foi a experiência de filmar com as Amas?
Filmei de forma quase documental, sem interferir muito na realidade delas. Isso também aconteceu na cena da festa de Iemanjá: filmei em uma festa real, no dia 2 de fevereiro, e o ritual que está no filme de fato aconteceu. A câmera estava quase escondida e as pessoas que estavam na festa não sabiam que eu estava ali como atriz. No caso das Amas, são mulheres que mergulham dos cinco aos 85 anos, e que aprendem essa tradição repetindo, observando. A relação delas com o mar é muito forte: elas cultuam e respeitam o mar, por isso era tão interessante tê-las no filme. Tínhamos um cronograma apertado de filmagem, mas sabíamos que precisávamos ser flexíveis. Pode acontecer de o vento estar bom e a água estar calma, mas elas olharem para o mar e dizerem: “Não, hoje não é dia de mergulhar”. É quase como se elas pressentissem a possibilidade de perigo, e nesse caso ninguém diz uma palavra. Então corria o risco de chegar lá e elas não entrarem. Estava bastante tensa, mas decidi me entregar e ver o que acontecia. E rolou de forma incrível: o céu abriu e foi lindo.

Seu filme me remeteu um pouco ao trabalho da Naomi Kawase. Você gosta do cinema dela?
Gosto. Ela filma a natureza de uma forma interessante e pessoal. Acho que esse é realmente nosso ponto de conexão, e acho que vemos pouco [desse tipo de imagem] no Brasil. Temos uma natureza incrível e diversa, mas que às vezes não aproveitamos tanto. A Naomi é uma diretora que dialoga com as árvores, com o vento, com a natureza. Era isso que eu queria: um filme em que você sente o vento, sente o tempo – um tempo que é outro tempo, o tempo necessário para a personagem se reconectar consigo mesma.

Kentaro Suyama e Djin Sganzerla em cena de “Mulher Oceano”- Foto: André Guerreiro Lopes

Você mencionou que a vontade de dirigir era antiga. Nos últimos anos a sua mãe tem dirigido com maior frequência, sua irmã Sinai estreou como diretora e, agora, você. Foi apenas coincidência ou uma foi estimulando a outra a ocupar esse espaço, inclusive dentro de um contexto de maior debate sobre as mulheres por trás das câmeras?
Acho que foi um processo intuitivo para todas. É claro que minha mãe é um farol, um exemplo, uma mulher de 81 anos que é super criativa e está produzindo muito. Ela é uma referência, mas ao mesmo tempo acho que Sinai e eu fomos encontrando como queríamos nos colocar no mundo. Apesar de nossos pais terem personalidades muito fortes e assinaturas muito próprias, nós naturalmente seguimos caminhos pessoais e diferentes. Minha mãe não interfere em nada, não palpita, não tenta influenciar. Pelo contrário, dá espaço para a gente criar. Ela é uma colega e uma espectadora, e isso é muito gostoso e natural. Da mesma forma, também adoro o trabalho da Sinai. Me emociono, sinto orgulho e fico feliz de ela ter vindo antes de mim: ela nasceu antes de mim e como diretora, também. Mas tudo ocorreu de forma orgânica, não foi nada pensado, nada cerebral. No meu caso, queria dirigir havia muito tempo, mas não tinha encontrado espaço para essa flor brotar. Seja porque não tinha verba, ou porque o roteiro não estava pronto, ou porque estava muito ocupada como atriz e não era o momento ideal. É a vida: você vai criando a chance até que ela consegue emergir. 

E como foi a experiência de finalmente assumir a direção?
É uma experiência eletrizante e exaustiva, um tour de force realmente – ainda mais dirigir e atuar. Para mim foi intenso e viciante. Toquei em um lugar no qual queria chegar dentro de mim, este espaço de criadora total. O ator cria muito, mas o filme não é dele, o pensamento total não é dele. Ser atriz é uma realização muito grande para mim, mas uma realização diferente. A direção é ter um ideia, um sonho, um projeto e vê-lo concretizado. São muitas transformações até chegar à cópia final. Foi um processo no qual amadureci muito e trouxe tudo para a minha vida. O mergulho nesse mar também é um mergulho para a Djin Sganzerla.

Que conselho você daria para as mulheres que querem trabalhar no cinema?
O principal caminho é buscar a fidelidade a si mesma, encontrar que tipo de cinema você gostaria de fazer, sobre o que você gostaria de falar, de que grupo gostaria de se aproximar. Quando estava buscando assistentes de direção, me indicaram vários nomes, mais de homens do que de mulheres. Uma delas era a Zoe Yasmine, e quando conversei com ela, senti que havia afinidades de perfil, de temperamento, artísticas. Acho que você vai sentindo as pessoas e criando pequenos núcleos, então meu conselho é: busque o que você gostaria de falar e procure estes pequenos grupos. Mais do que atirar para todos os lados e fazer de tudo para ter muita experiência, acho que é importante encontrar nichos que falem a sua língua.


Luísa Pécora é jornalista e criadora do Mulher no Cinema

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