Diretora promove “troca de aulas” para mulheres cineastas

“Conhecimento é poder e aqui ele é de graça.” Com essa frase o site Film Powered convida mulheres da indústria cinematográfica americana a participar de uma iniciativa simples: ensinar e aprender com outras mulheres.

O projeto foi criado por Jen McGowan, diretora do elogiado “Kelly & Cal”, que entrou para a lista de filmes recomendados pelo coletivo de cineastas Film Fatales. Sua ideia era ajudar a dar voz às mulheres da indústria: “Vivemos um problema cultural: tudo é contado por uma única perspectiva”, afirma. “Não acho isso bom para as mulheres, nem para os homens, nem para ninguém.”

Assim surgiu o Film Powered, no qual profissionais se voluntariam para ensinar sobre direção de comerciais, relacionamento com atores, trilha sonora, autodistribuição, como coreografar e filmar cenas de ação, entre outros assuntos. Todas as integrantes começam com dois créditos: perdem um a cada aula assistida, ganham dois a cada aula dada (ou cinco, se mais de dez alunas participarem).

Cena do filme
Cena do filme “Kelly & Cal”, de Jen McGowan

As restrições são poucas. Primeiro, é preciso fazer parte de organizações que reúnem mulheres que trabalham no cinema, como a Film Fatales ou a Alliance of Women Directors. As aulas não podem ter menos de cinco alunas e devem durar entre duas e quatro horas. Quem se voluntaria como professora precisa oferecer o local da aula: sua casa, o escritório de um amigo, um café ou um banco no parque. Se necessário, pode pedir que as alunas levem um lanche ou material específico.

A resposta tem sido positiva: em cerca de dois meses, o site já tem mais de 250 membros, dez aulas foram dadas e 13 estão previstas. Conversamos com McGowan para saber mais sobre o projeto e, de quebra, descolamos uma lista de 12 filmes dirigidos por mulheres que todo mundo deve ver – selecionados por ela mesma.

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Como começou o projeto Film Powered?
Criei o site com dois objetivos: primeiro, ampliar o conhecimento da comunidade cinematográfica feminina; depois, fortalecer a comunidade em geral. Faço parte de várias organizações [de mulheres que trabalham com cinema] e percebi que sempre que você entra em um grupo, seja de duas ou de 100 pessoas, todo mundo tem um talento específico que pode ser dividido. Tenho zero paciência para o fato de que pessoas diferentes têm de aprender a mesma coisa. Por exemplo, quando estava no colegial, não conseguia aceitar que tinha de memorizar a tabela periódica. Para mim, parecia uma grande perda de tempo. Me ocorreu que a internet abriu esse tipo de informação básica para todo mundo, mas não a informação especializada. E não se trata de uma informação privilegiada, que se for dividida vai tirar a vantagem competitiva de alguém. São apenas coisas úteis.

Por que você sente necessidade de participar desses grupos que reúnem mulheres?
Tenho grande convicção quanto à necessidade da voz das mulheres no cinema. Sinto que, principalmente na direção, seu gênero não tem nada a ver com sua habilidade de dirigir, mas sua experiência e a pessoa que você é influenciam o material ao qual você responde e as histórias que você tem interesse em contar. Vivemos um problema cultural: tudo é contado por uma única perspectiva. Não acho isso bom para as mulheres, nem para os homens, nem para ninguém.

Como tem sido a resposta dos participantes?
Em pouco mais de um mês tínhamos ultrapassado 250 membros. No momento temos 13 aulas marcadas e todas têm alunos inscritos. E o mais incrível é que não tive nada a ver com essas aulas. Foram as pessoas, foi a energia das pessoas. Se tivesse de me envolver na organização de todas as aulas, não ia dar certo. Sou uma diretora em atividade, não tenho tempo. Então pensei em como tornar [o projeto] o mais auto-suficiente possível. E a melhor parte é que a aula pode ser em qualquer lugar. Podemos nos comunicar sobre como trabalhar com emissoras ou escolher o elenco em um banco de parque. Você não precisa de nada para comunicar essa informação, a não ser que esteja ensinando algo altamente técnico, como uma das aulas que temos, sobre como editar seu portfólio de diretor.

Você já deu alguma aula?
Sim, sobre como assegurar material – histórias, roteiros, romances etc – para fazer um longa-metragem. Dei a aula na minha casa e foi um grande sucesso. Durou um pouco mais do que planejava, porque as pessoas tinham perguntas, mas foi realmente ótimo.

E já participou de alguma como aluna?
Estou super animada com uma aula da qual vou participar, dada por outra diretora, sobre como organizar o trabalho quando se está fazendo um programa de televisão ou filme. Tenho meu próprio método, mas pensei: ‘Ela pode saber algo que não sei. Preciso ver isso.’

Jen McGowan no set de filmagens, ao lado de Phil Lott
Jen McGowan no set de filmagens, ao lado de Phil Lott

As aulas são sempre avulsas ou alguém pode dar um curso?
Você é a segunda pessoa a me perguntar isso, então é algo a se pensar. Por enquanto são aulas avulsas, mas pode ser que cursos passem a ser permitidos em uma atualização. Estava conversando com uma professora de cinema e disse para ela não se sentir pressionada em oferecer de graça aquilo do qual tira seu sustento. O formato permite, por exemplo, que ela faça uma aula introdutória gratuita e convide os participantes para um curso oficial, fora do site.

Em um artigo recente, você disse estar animada com a maior visibilidade das discussões sobre a mulher no cinema. Estamos vivendo um momento de mudança? Você está otimista?
Não sei se sou otimista, mas sou uma pessoa cheia de energia e muito pragmática. Sou do tipo que resolve problemas. Se vejo algo, me animo a resolver. E acho que é sempre positivo quando as pessoas falam aberta e honestamente sobre alguma coisa.

Acredita que pequenas ações como o Film Powered desempenham um papel importante no processo de mudança?
Totalmente. Se adotarmos a perspectiva do “não vou fazer nada se não puder mudar tudo”, não vai dar certo. Se você faz o que pode e todo mundo faz o que pode, eventualmente as coisas vão caminhar numa direção positiva. É um pouco como eu vejo o mundo: se posso melhorar, por que não? Espero que todos que são apaixonados por essa questão deem o passo que pensam que pode contribuir, por menor que seja. É tudo o que podemos fazer.

Quais são seus próximos trabalhos como diretora?
No inverno [dos Estados Unidos, que começa em dezembro] filmarei “Hard Edge”, um filme sobre mentores no esporte – como “Menina de Ouro” ou “Karatê Kid”, mas no mundo das competições de esqui. Estou super animada porque terei grandes oportunidades de trabalhar com visuais lindíssimos e efeitos sonoros legais. E há alguns anos tenho um projeto chamado “Millie to the Moon”, que espero filmar em 2016. É sobre uma mulher de 20 e poucos anos que vive com a mãe doente e o irmão autista, e que usou seu papel de cuidadora como desculpa para não participar da própria vida. Um dia ela aprende sobre viagens ao espaço, o que lhe dá a energia para começar a assumir alguns riscos em sua vida.

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12 filmes dirigidos por mulheres que todo mundo deve ver
Por Jen McGowan, diretora de “Kelly & Cal”

– “Educação”, de Lone Scherfig
– “Encontros e Desencontros”, de Sofia Coppola
– “Guerra ao Terror”, de Kathryn Bigelow
– “Inverno da Alma”, de Debra Granik
– “Meninos Não Choram”, de Kimberley Pierce
– “Minhas Mães e Meu Pai”, de Lisa Cholodenko
– “Monster: Desejo Assassino”, de Patty Jenkins
– “Orlando – A Mulher Imortal”, de Sally Potter
– “As Patricinhas de Beverly Hills”, de Amy Heckerling
– “O Piano”, de Jane Campion
– “À Procura do Amor”, de Nicole Holofcener
– “Quero Ser Grande”, de Penny Marshall

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