Bárbara Paz sobre “Babenco”, candidato do Brasil ao Oscar: “Fiz um filme de amor”

Carta de amor, poema visual, filme-despedida. Estas são algumas das definições dadas por Bárbara Paz a Babenco – Alguém Tem que Ouvir o Coração e Dizer: Parou, premiado documentário que está em cartaz nos cinemas e vai representar o Brasil na busca por uma indicação ao Oscar de filme internacional. As definições da diretora apontam para o caráter extremamente pessoal do filme, que faz um retrato da vida, da obra e da morte do cineasta Hector Babenco (1946-2016), com quem ela foi casada por nove anos.

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Este retrato não se constrói pelo encadeamento de fatos cronológicos, nem por entrevistas com colegas, colaboradores e especialistas. O fio condutor é o paralelo entre arte e doença na trajetória pessoal e profissional de Babenco, diretor argentino naturalizado brasileiro que teve câncer pela primeira vez aos 38 anos, morreu aos 70, e encontrou no cinema um aliado para enfrentar as melhoras e pioras de seu estado de saúde.

Em seu primeiro longa-metragem como diretora, Bárbara de certa forma fez o mesmo. Em 2010, quando Babenco foi internado em Paris, ela temeu o pior e sugeriu ao marido que começasse a filmá-lo. “Ele era uma pessoa que eu tinha vontade de registrar o tempo inteiro, que eu queria que o mundo escutasse nos momentos de alegria e de dor”, contou, em entrevista por e-mail ao Mulher no Cinema. “É o filme de um grande homem, de um leão, que lutou pela vida sempre e fez do cinema sua força para viver.”

Em Babenco, as reflexões e memórias do diretor se combinam aos registros do cotidiano do casal, e as visitas ao hospital e passeios na praia capturados por Bárbara são costurados às imagens filmadas pelo próprio diretor em obras como Lúcio Flávio, o Passageiro da Agonia (1977), Pixote, a Lei do Mais Fraco (1981), O Beijo da Mulher Aranha (1985), Ironweed (1987) e O Passado (2007). O diálogo entre ficção e realidade se dá naturalmente, com os trechos dos filmes de Babenco exibidos em preto e branco, assim como todo o restante do documentário.

Imagem do documentário “Babenco”, dirigido por Bárbara Paz

A escolha do filme como candidato do Brasil ao Oscar foi, ao mesmo tempo, surpreendente e compreensível. Surpreendente por ser a primeira vez que o país pré-indica um documentário, gênero que costuma enfrentar caminho mais difícil na disputa pela estatueta. Compreensível pela qualidade da obra, pelos dois prêmios recebidos em Veneza e pelo prestígio internacional de Babenco, ele mesmo indicado ao Oscar de direção em 1986. Colabora, também, o fato de os produtores associados Willem Dafoe e Petra Costa terem certo trânsito na Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood: o ator americano, que interpretou o alter-ego de Babenco em Meu Amigo Hindu (2015), concorreu à estatueta quatro vezes, enquanto a diretora brasileira disputou o troféu de melhor documentário no ano passado com Democracia em Vertigem

Nas últimas semanas, Bárbara tem se dividido entre a divulgação da estreia do filme no Brasil e a campanha pelo Oscar no exterior. “Estou me esforçando muito para que a gente possa chegar mais longe e levar o Hector de volta para a Academia, o lugar pelo qual ele levou o cinema brasileiro para o mundo”, afirmou. Abaixo, leia as respostas da diretora às perguntas enviadas pelo Mulher no Cinema:

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Como surgiu a ideia de fazer o documentário? Foi uma sugestão sua ou dele?
Em um dos altos e baixos da doença do Hector, tive a ideia de criar o documentário, com medo de que ele fosse partir naquele hospital, naquela viagem. Ele topou, então comecei a produção toda com meu dinheiro, meu salário. Fui fazendo tudo eu mesma. Aí um pouquinho antes de ele partir, ele falou para eu tentar colocar o projeto na lei [de incentivo ao audiovisual], para eu conseguir alguma coisa. E assim virei produtora da noite para o dia. Fiz um filme de amor, um poema visual, minha carta de amor para o Hector. É o filme de um grande homem, de um leão, que lutou pela vida sempre e fez do cinema sua força para viver.

Por que a opção por um filme em preto e branco?
O Hector me disse que a memória dele de cinema era em preto e branco. E na minha casa, quando era criança, só tínhamos TV em preto e branco. Então, acaba que também tenho uma memória fotográfica do P&B. Queria algo que fosse uma unidade só, algo que unisse a vida e a obra do Hector. O preto e branco me ajudou com isso.

A dança de Bárbara Paz em “Meu Amigo Hindu” também está em “Babenco”

Em 2019, nós duas participamos de um debate sobre Varda por Agnès, última obra de Agnès Varda, e na ocasião você comentou que o filme dela tinha te feito pensar sobre o seu, então em processo de montagem. Houve algum impacto daquela sessão no seu trabalho?
A Agnès Varda sempre foi uma referência. Ela sempre foi muito autoral, muito independente da avaliação do outro, e isso foi uma inspiração para mim. Aquela vez em que vi o último filme dela, passando tudo ali na frente, tive uma sensação de que não estava louca em fazer o que estava fazendo. Era algo tão bonito quanto. Era uma despedida com Hector, mas sem ele fisicamente.

Há um momento muito marcante no qual você mostra imagens do set de Meu Amigo Hindu, especificamente a reação do Babenco à cena em que você dança. Gostaria que você falasse um pouco sobre esse momento e por quais razões quis incluí-lo no documentário.
Esse dia foi muito forte. Eu reproduzi uma cena que fiz para ele num dia em que ele estava muito doente. No final, ele falou: “Essa é a cena final do meu próximo filme, que eu não sei qual é. Eu quero que minha última cena seja com vida, que tenha sol”. A gente sabia, no fundo, que seria a última vez.

Este momento do documentário também explicita que antes a câmera dele olhava para você e agora a sua é que está olhando para ele. Como foi passar para o outro lado?
Sempre fui muito documentarista, sempre gostei muito do ser humano. Na faculdade de jornalismo fiz um trabalho [documental] na época em que o crack chegou à cidade de São Paulo. Mas ficou lá, trabalho de faculdade. O Eduardo Coutinho sempre foi um maestro para mim. O documentário tem essa parte de enxergar o ser humano de forma crua, e isto sempre me chamou muito a atenção. E aí encontrei o Hector, essa pessoa que eu tinha vontade de registrar o tempo inteiro. Eu queria que o mundo escutasse o que ele estava falando nos momentos de alegria e de dor. Foi uma ironia do destino.

Imagem do documentário “Babenco”, dirigido por Bárbara Paz

Uma grande parcela do público conheceu você em um reality show [Bárbara venceu a primeira edição da Casa dos Artistas, exibida pelo SBT em 2001], depois como atriz e, agora, como diretora. Durante esta trajetória, e conforme foi ocupando espaços de maior autoria, você sente que quebrou expectativas ou até preconceitos? 
Acho que sou o retrato da evolução da espécie [risos]. É a trajetória da evolução do ser humano, de uma mulher batalhadora, procurando seus caminhos, tentando se encaixar e vendo onde não se encaixava. Tentando ganhar seu dinheiro e ser independente. E com o tempo podemos ter mais critério nas escolhas. Se quebrei tabu e preconceitos, foi sem querer. Talvez eu tenha quebrado, mas não foi proposital.

O que uma eventual indicação ao Oscar representaria para você?
Babenco – Alguém tem que Ouvir o Coração e Dizer: Parou foi o primeiro documentário a ser escolhido pelo Brasil a competir na categoria de melhor filme internacional. Tenho muito a agradecer à Academia Brasileira de Cinema por essa escolha. Só isso, para mim, já é uma vitória. Mas estou me esforçando muito para que a gente possa chegar mais longe e levar o Hector de volta para a Academia, o lugar pelo qual ele levou o cinema brasileiro para o mundo. Tenho certeza de que ele está comemorando muito.

Que conselho você daria para as mulheres que querem trabalhar no cinema?
Façam, produzam! Não esperem que o outro faça, não esperem o aval de ninguém. Acredite na sua intuição, no seu instinto feminino e siga. Acho que a gente não tem de ter mais essa diferença. Acho que ser mulher é uma dádiva, é procriar em todos os sentidos.


Luísa Pécora é jornalista e criadora do Mulher no Cinema

Foto do topo: Bob Wolfenson

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